Nesta semana, ministros do Comércio de 148 países estão reunidos em Hong Kong para as negociações promovidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), a mais recente da chamada rodada de desenvolvimento de Doha que teve início em Doha, Catar, há quatro anos. O objetivo dessas negociações tem sido liberar o comércio, especialmente abrir os mercados mais ricos do mundo aos produtores de mercadorias e serviços mais pobres do mundo. E a questão crucial que está sendo discutida em Hong Kong é a agricultura. A comunidade mundial pode olhar para o retrospecto de 2005 com certo orgulho quando se trata de ajudar seus cidadãos mais pobres. Foram assumidos compromisso de dobrar a ajuda aos países africanos e cancelar os ônus da dívida de pelo menos 18 dos países em desenvolvimento mais endividados do mundo. Mas, por mais importantes que sejam a ajuda e o perdão da dívida, as oportunidades criadas pelo comércio são muito mais significativas. Um comércio mais livre poderá proporcionar o elo perdido para empregos e prosperidade. Ao menos que os povos da África e de outros países pobres tenham acesso aos mercados para vender seus produtos, nunca escaparão da pobreza nem darão a seus filhos um futuro melhor. Os ministros do Comércio que estão reunidos em Hong Kong para as negociações de Doha estarão tentando reformular as normas injustas que regem o comércio agrícola em todo o mundo. Setenta por cento dos pobres do mundo vivem em áreas rurais e dependem da agricultura para ganhar seu sustento e alimentar sua família. Porém, em vez de poderem vender livremente o que produzem, muitas vezes lhes é negado o ingresso nos mercados, pois os países ricos protegem e amparam seus próprios agricultores, subsidiando produtos e impondo tarifas de importação altas. Os países ricos – principalmente Estados Unidos, Japão e os membros da União Européia – gastam US$ 280 bilhões anualmente para apoiar a agricultura. Isso representa US$ 5 bilhões por semana para proteger da concorrência seus agricultores, muitas vezes ricos. Em última análise, são os contribuintes e os consumidores desses países que arcam com os custos desses programas de apoio. Os economistas calculam que os consumidores pagam US$ 168 bilhões ao ano por causa dessas tarifas e que os contribuintes pagam US$ 112 bilhões ao ano em subsídios diretos. Mas o verdadeiro malefício é imposto aos agricultores dos países pobres, porque as altas tarifas os mantêm fora dos mercados principais, e tarifas e subsídios juntos pressionam para baixo o preço mundial de suas exportações. Sem o rendimento que o comércio poderia proporcionar, são seus filhos que passam fome e são privados de água limpa, medicamentos e outras necessidades básicas da vida. As tarifas também prejudicam os países pobres porque os impedem de ascender na cadeia produtiva. Muito embora 90% do cacau seja plantado em países em desenvolvimento, esses produzem somente 4% do seu chocolate. Um motivo é que, com freqüência, as tarifas aumentam de acordo com o grau de processamento – nos Estados Unidos, os produtores de cacau bruto pagam uma tarifa de 0,5% do valor dos grãos, 10% do valor do cacau semiprocessado e mais ainda pelo chocolate. Se os países ricos concordassem em estabelecer condições iguais para todos, todos teriam enormes ganhos. O Banco Mundial calcula que apenas a liberação total do comércio poderia gerar US$ 300 bilhões ao ano para a economia global. E os países desenvolvidos ficariam com US$ 86 bilhões dessa quantia. Esses números podem crescer à medida que os produtores dos países pobres tiram vantagem de novos mercados. Considere o caso de Ruanda. Aproveitando o fato de que os grãos de café têm tarifas relativamente baixas em muitos mercados, Ruanda conseguiu aumentar suas exportações de café para os Estados Unidos em 166% no ano passado. Hoje, a economia de Ruanda está crescendo cerca de 6% ao ano – em grande parte por causa das exportações de café. Para o meio milhão de domicílios de Ruanda que plantam café, isso significa elevação da renda, uma chance de seus filhos irem à escola ou uma chance de obterem melhor assistência médica. Se a Rodada Doha de fato criar oportunidades comerciais, os benefícios não vão se concretizar da noite para o dia. Muitos países pobres precisarão de ajuda para aproveitarem as novas oportunidades. Necessitarão de ajuda para construir obras de infra-estrutura, melhorar as instituições e reformular políticas fracas. Para ajudar os países pobres a romperem suas próprias barreiras e aliviar os custos do ajuste, doadores internacionais – entre eles, o Banco Mundial – prometeram acrescentar mais recursos para apoiar a agenda comercial, ajudar os países pobres a melhorarem seu ambiente de investimentos, investir em infra-estrutura e capacitar as pessoas. Todos os países precisam contribuir. A União Européia precisa melhorar na questão do acesso ao mercado agrícola e os Estados Unidos na questão dos subsídios. Os países em desenvolvimento maiores também têm de contribuir abrindo seus próprios mercados – de bens manufaturados, serviços, agricultura – se se quiser alcançar o acordo de Doha. Esta semana, os ministros do Comércio precisam lembrar dos interesses daqueles que não estão na mesa de negociações – as 1,2 bilhão de pessoas que vivem com menos de US$ 1,00 ao dia. A reunião de Hong Kong precisa proporcionar o elo perdido, uma chance justa para os pobres traçarem seu próprio caminho de saída da pobreza. *Paul Wolfowitz é presidente do Banco Mundial |