Mercado de grãos ensaia a retomada

Mercado de grãos deve sustentar-se neste e nos anos seguintes com a demanda firme da Ásia, principalmente da China, que praticamente dobrou sua procura por soja.

15 de setembro de 2010 | Sem comentários Análise de Mercado Mercado


Mercado de grãos deve sustentar-se neste e nos anos seguintes com a demanda firme da Ásia, principalmente da China, que praticamente dobrou sua procura por soja.
 
Por Lauro Veiga Filho | Para o Valor, de São Paulo


As peças já estão posicionadas no tabuleiro mundial dos grãos e o jogo, que corre solto pelos lados do Hemisfério Norte, responsável por quase 80% da oferta mundial de produtos agrícolas, influencia as decisões que vão sendo tomadas por aqui. Sob impacto das mudanças climáticas, que determinaram a mais grave seca enfrentada pelo Leste Europeu, em especial no caso de Rússia e Ucrânia, e excesso de chuvas na Ásia, as plantações se encaminhavam, no começo de setembro, para a fase final de enchimento dos grãos e início da colheita num cenário de preços valorizados e acima das médias históricas – embora, em alguns casos, ainda inferiores aos recordes atingidos em 2008.


A produção mundial de arroz, milho, soja, trigo e algodão, na estimativa de setembro do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), trabalhada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), deverá situar-se pouco acima de 2,2 bilhões de toneladas na safra 2010/2011, cerca de 10,4 milhões de toneladas abaixo da produção colhida antes. Mas o suprimento total, incluindo estoques de passagem e importações, deverá repetir o número da safra passada, alcançando pouco mais de 3 bilhões de toneladas para um consumo projetado em 2,22 bilhões de toneladas. O resultado será uma redução de 4,2% nos volumes que o mundo deverá estocar para enfrentar a entressafra, que tendem a se limitar a 481,5 milhões de toneladas, cobrindo um quinto da demanda global, incluindo a alimentação de pessoas e a nutrição de animais.


Vêm da Ásia, novamente, os ventos que deverão dar sustentação ao mercado de grãos neste e nos anos seguintes, segundo projetam diversos analistas. O prognóstico parece se aplicar ao caso da soja, que havia alcançado níveis recordes em 2008, superando a marca histórica de US$ 14 por bushel, para depois retomar níveis mais próximos aos valores observados no mercado futuro, ao redor de US$ 10. A China dobrou suas compras da oleaginosa no mercado externo, saindo de 28,7 milhões de toneladas na safra 2006/2007, equivalentes à época a 41,6% das importações mundiais de soja em grão, para estimadas 55 milhões de toneladas na safra 2010/2011.


Esse volume representará 59,4% das importações globais, segundo o USDA. O vigor chinês tenderá a compensar o aumento da oferta esperado para o ciclo em curso, diante de colheitas históricas previstas para os três maiores produtores globais – Estados Unidos, Brasil e Argentina, pela ordem.


Enquanto os EUA se preparam para receber uma safra recorde de grãos, na casa das 418,9 milhões de toneladas, se nada mais der errado por lá, na Rússia produção deverá desabar de 97 milhões para 60 milhões a 63 milhões de toneladas, obrigando o país a prolongar a suspensão das exportações de trigo até 2011, conforme os economistas Alexandre Mendonça de Barros, da MB Agro, e Fábio Romão, da LCA Consultores. O Brasil produziu 149 milhões de toneladas na safra recém-encerrada, crescendo mais de 10% em relação ao ano agrícola de 2008/2009.


As perspectivas para 2010/2011, a despeito do fenômeno climático mais conhecido como La Niña, que causa chuvas excessivas no Sul e estiagem para a região central, são de aumento no plantio de soja e algodão, neste último caso, numa recuperação após dois anos de perdas, e algum recuo para o milho, diante dos preços ruins enfrentados pelos produtores neste ano, diz Marcos Rubin, analista de mercado da Agroconsult.


Em geral, diz Anderson Galvão, diretor da Céleres, \”a demanda por alimentos segue firme nas diferentes regiões do globo, auxiliando na recuperação, mesmo que gradual, dos preços das commodities agrícolas\”. Ele aposta em um mercado firme e, em alguns casos, como o do milho, as possibilidades são de alta para as cotações, aqui dentro e lá fora. Mas as condições climáticas incertas na América do Sul tendem a gerar um \”período de grande nervosismo\” nos mercados agrícolas, o que pode significar fortes oscilações especialmente se as previsões de colheitas abundantes não se confirmarem.


Num paradoxo apenas aparente, a debilidade da economia nos Estados Unidos surge como mais um reforço para a sustentação dos preços agrícolas em dólar no horizonte visível, analisa Barros. As séries estatísticas mais recentes mostram que o dólar e os preços dessas commodities traçam curvas inversamente opostas, sob influência não só dos fundamentos de mercado, mas também por ação dos fundos de investimento.


Invariavelmente, a desvalorização do dólar tem sido acompanhada por elevação nos preços da soja, do milho, do açúcar, do algodão, do café, do suco de laranja, do petróleo e dos metais. Como a depreciação da moeda americana não dá sinais de que poderá ser revertida no curto ou médio prazo, a tendência de valorização das commodities ainda deve prosseguir.


Da mesma forma, a manutenção das políticas de substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis, em geral suportadas pelo milho, pela soja (caso do biodiesel brasileiro) e pela cana, deverá exercer papel idêntico. \”Mesmo com a crise, os americanos não tiraram o pé do acelerador. O Brasil ampliou o percentual da mistura de biodiesel no diesel de 2% para 5% desde janeiro deste ano e, na Argentina, o teto para a mistura foi elevado de 7% para 10% a partir de dezembro\”, afirma Barros.


A quebra da safra de trigo na Rússia e em outras regiões do Leste Europeu fez disparar não só os preços do grão, mas puxou igualmente as cotações do milho, concorrente do trigo quando se trata de alimentação animal. No final do primeiro decêndio de setembro, os preços do milho e do trigo na Bolsa de Chicago haviam estacionado em níveis entre 70% e 90% acima das médias históricas registradas na década encerrada em 2009. A soja em grão, o algodão e o açúcar atingiram cotações entre 60% e 120% mais elevadas do que os valores médios observados entre 1998 e 2009, segundo a MB Agro.


As monções na Ásia e as especulações em torno do tamanho da safra indiana, maior produtor mundial de açúcar, inflaram as tendências de alta para os preços do produto, que voltaram a rondar a faixa de 21 centavos de dólar para os contratos com vencimento em março de 2011, vários pontos acima da média observada na década (9,83 centavos de dólar), refletindo o desequilíbrio entre a oferta e a demanda globais, constata Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). Entre agosto e setembro, mostra ainda, filas de navios se formaram nos portos brasileiros à espera de carregamentos de açúcar.


Neste caso, a deficiência não estava na estrutura portuária do país, mas num erro de planejamento dos principais consumidores mundiais diante de um mercado desabastecido, diz Pádua. Na verdade, prossegue ele, os navios foram despachados sem contratos assegurados para compra do açúcar brasileiro. \”Tivemos vendas de 3 milhões de toneladas em um único mês, diante de uma média mensal de 1,6 milhão de toneladas em 2009\”, reforça. Nas contas da Unica, apenas a região Centro-Sul do país deverá embarcar 22,75 milhões de toneladas na safra 2010/2011, crescendo 7,3% em relação ao ano agrícola anterior.


Os resultados em valores deverão ser bem mais generosos. Apenas entre janeiro e julho, enquanto os volumes de açúcar exportados por todo o país cresceram 5,3%, somando 13,34 milhões de toneladas, o resultado em dólar saltou 53,6% e atingiu US$ 6,06 bilhões. Para o etanol, as previsões da Unica limitam as vendas externas do Centro-Sul brasileiro a 1,45 bilhão de litros, em queda de 47,5%.


A tendência de valorização dos preços tem favorecido também o setor cafeeiro, que passa a apostar em exportações na casa dos US$ 5 bilhões em 2010, o que significaria um crescimento de 17% em relação aos US$ 4,27 bilhões exportados em 2009, de acordo com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). Como o volume exportado não deverá observar variação, mantendo-se entre 29 milhões e 30 milhões de sacas, o ganho virá pela elevação das cotações do grão. Entre janeiro e agosto, o embarque de 19,62 milhões de sacas foi apenas 0,3% menor do que nos mesmos oito meses do ano passado, mas a receita subiu 16%, para US$ 3,1 bilhões, reflexo da alta de 16,5% nos preços médios alcançados no exterior pela saca do grão.


Fábio Romão, da LCA Consultores, afirma que o índice de produtos alimentícios do Commodity Research Bureau (CRB), durante a crise gerada pela escalada dos preços agrícolas em 2008, chegou a acumular elevação de 32,8% entre junho de 2007 e julho do ano seguinte, mas caiu 33% nos cinco meses finais de 2008, passando de 426,43 para 284,65 pontos entre julho e dezembro. A reação esboçada neste ano elevou o índice para 360,87 pontos em julho, com recuperação de 26,8% desde o encerramento de 2008. No início de setembro, o índice CRB para alimentos retomava a casa dos 406,74 pontos, em alta de 12,7% em menos de 60 dias.


Mas o economista descarta o risco de \”agroinflação\”, palavrinha que andou na moda durante a primeira metade de 2008 para descrever o temor mundial de elevação descontrolada dos preços agrícolas. \”A economia mundial recupera-se gradualmente, o que impõe um ritmo gradual de recomposição dos preços das commodities\”, sustenta Romão.

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