Menos água, mais risco

18 de fevereiro de 2014 | Sem comentários Análise de Mercado Mercado
Por: Brasil Econômico

Com garantias privadas, o estoque do certificado de recebíveis agrícolas bate recorde enquanto a seca põe a safra em risco

Marcelo Loureiro

Um dos três meses de janeiro mais secos da história marcou também o aumento de 109% no estoque de Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRAs), em comparação ao mesmo período do ano passado. É “carregado” dessa forma que o CRAvai enfrentar seu maior desafio, a escassez de chuvas, que tem afetado vários setores da economia, e agora vai colocar à prova as garantias criadas para o produto. “O clima afeta o CRA, sim. Com menos chuva, a produção agrícola cai e afeta a capacidade de pagamento do devedor.

É importante que o investidor olhe os mitigadores de risco contidos na oferta”, ensina Ricardo Magalhães, gerente-executivo de Relações e Projetos da Cetip,mercado onde estão registrados R$ 1,123 bilhão desse tipo de Certificados. Emitidos por empresas que securitizam recebíveis do agronegócio, os títulos carregam o risco de pagamento dos fazendeiros. A indústria de insumos – como a de fertilizantes – vende a prazo para os agricultores e negocia esses recebíveis com a securitizadora, que os estrutura antes de ofertá-los como CRA.

“ Depois do Banco do Brasil, a indústria de insumos hoje é a grande financiadora do agronegócio”, conta Fernanda Mello, sócia da Octante Securitizadora. O risco está na capacidade de pagamento dos produtores agrícolas, com histórico considerável de dívidas, já que operam com muita alavancagem e dependem da natureza para prosperar.

Um complicador para o entendimento dos riscos do CRA, que não conta com garantia do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), é o foco do título no investidor pessoa física, que não recolhe IOF nem imposto de renda sobre o ganho de capital do investimento e que é conquistado por retornos sempre acima do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), podendo chegar a até 200% do indicador. “É por isso que tentamos sempre evitar o risco montando as ofertas de CRAs com excessos de garantias”, explica Fernanda. Uma das formas usadas pelas securitizadoras para mitigar o risco são as cotas subordinadas.

 “Cerca de metade das emissões têm. Em caso de default, elas são as primeiras a sofrer. A participação das subordinadas varia de 10 a 30%, dependendo do risco da operação. Às vezes, quem subscreve essas cotas são os emissores”, conta Renato Buranello, sócio do Demarest Advogados, responsável pela área de agronegócio que participou de sete emissões de CRA no ano passado. Pulverizar por região é outra estratégia adotada pelas emissoras, junto com a baixa concentração por produtor. Fernanda, da Octante, aceita o máximo de 2%do valor de um CRA tenha o risco de um mesmo fazendeiro.

“E três regiões do Mato Grosso, para mim, é pulverizar regionalmente, já que o estado é maior do que muitos países da Europa”, opina Fernanda. Há emissões que também têm seguro contra maus pagadores. “O risco do CRA depende muito de como é montada a operação. Na Gaia, a fórmula que adotamos tem dado certo”, conta João Paulo Pacífico, sócio da Gaia Securitizadora. Outro player importante da indústria, a Eco Securitizadora usa as garantias de penhor de safra e a alienação fiduciária do imóvel para evitar que seus CRAs sofram com quebras de safras.

“Essas estratégias mitigam em boa medida o risco de default em caso de stress hídrico. Usamos também um sistema de monitoramento da produção que nos permitiu chegar até aqui sem nenhum default na história da empresa”, reforça. “É notório que a falta de chuva vai trazer queda na produtividade. Mas não creio que essa seca consiga afetar a capacidade de pagamento. Os fazendeiros estão capitalizados pelas últimas safras”, aponta Fernanda, da Octante.

O bom momento, contudo, não é generalizado. Em janeiro de 2013, a saca do café era negociada a R$ 331,71 na Cooxupé, considerada a maior cooperativa de produtores do mundo. Em janeiro desse ano, o preço médio caiu para R$ 275,47. O comportamento da cotação não combina com a projeção feita pela cooperativa – que atua em Minas Gerais e São Paulo – de que a seca possa derrubar a safra desse ano em até 50% na região. Seria o pior dos mundos, com produção e preço menores.

Buranello, do Demarest Advogados, acredita que a comparação como histórico de defaults nas dívidas do agronegócio não podem ser comparadas como que ocorre com os CRAs, que tem lastros e garantias diferentes daqueles usados por bancos. “Esse título pode responder melhor a quebras como a da seca do que aquelas operações gerais de crédito agrícola”. Buranello aproveita para resumir a situação atual do mercado de CRAs.

 “Como advogado, não tenho esse acompanhamento do clima. Se especialistas disserem que a safra será quebrada em 70%, eu consigo entender que vai afetar toda a indústria, o CRA inclusive. Agora, com até 20% de quebra na safra, as garantias contidas nas emissões parecem ser suficientes para resguardar os investidores dos CRAs”. Há culturas mais arriscadas do que outras. Além do café, o algodão também é muito sensível a questões climáticas.

“Outro fator que afeta o risco é a alavancagem”, ensina Fernanda. Soja e cana são consideradas como culturas mais seguras. Apesar dos incentivos fiscais às pessoas físicas, a aplicação em CRAs não são acessíveis a qualquer investidor; apenas os aplicadores qualificados – com mais de R$ 300 mil – podem comprar certificados desse tipo. Outro impeditivo é a inoperância do mercado secundário, com liquidez parecida a que se encontra em algumas plantações do país.

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