Brasília, 4 de Maio de 2009 – Se a sociedade brasileira quiser recuperar os ecossistemas de 500 anos atrás, terá de arcar com as consequências disso, inclusive do ponto de vista econômico. A opinião é do ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Reinhold Stephanes. “Se acharmos que o melhor é parar de produzir para recompor todos os biomas do passado, então a sociedade vai pagar o preço disso e acabou. Uma coisa é a biodiversidade, outra coisa é a emissão de gases de efeito estufa que precisa ser atacada com urgência”, acrescenta em entrevista a este jornal.
Nas últimas semanas, o ministro tem cumprido um longo roteiro de visitas a várias regiões do Brasil, em busca de apoio à polêmica que levantou ao divulgar estudo da Embrapa indicando que 77% do território nacional não é considerado utilizável para fins de produção agrícola, pecuária e industrial, se o conjunto da legislação ambiental fosse aplicado integralmente e à risca.
Defensor da “racionalidade e do equilíbrio”, o ministro defende a reformulação da legislação vigente em duas etapas. “Primeiro, identificar e atacar aqueles pontos sensíveis que podem criar tumulto no meio rural, como a proibição do plantio em várzeas no Rio Grande do Sul. É preciso permitir isso já, do contrário, qualquer fiscal pode ir lá e proibir”, salienta. Esses cerca de seis pontos dentro do Código Florestal seriam alterados já. Num segundo momento, haveria uma revisão geral da legislação, consolidando tudo num Código Ambiental e não apenas Florestal, diz Stephanes. “Tudo isso uma forma mais organizada e dentro de uma estratégia que atenda à ideia de produzir e proteger a natureza com bomn senso”, destaca.
A seguir, a entrevista:
Gazeta Mercantil – Por que o senhor está levantando essa polêmica?
Se nós pegarmos toda a legislação de utilização do território brasileiro e colocarmos isso no mapa, vamos observar que a medida que fomos construindo a legislação, as conseqüências não foram dimensionadas pelos nossos legisladores ou técnicos. Até mesmo porque muitas decisões foram tomadas por razões ideológicas ou por pressão de determinados movimentos, ou até mesmo de maneira rápida e irracional, sem preocupação sobre a extensão dessas atitudes. O último exemplo é portaria 96/2008, assinada pela então ministra Marina Silva [do Meio Ambiente, tornando quase impossível a concessão de crédito oficial para todos os municípios do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima e outros 106 do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins]. Essa medida inclui 15 milhões de cerrado no bioma Amazônico e impede o acesso de mais de cem municípios a financiamento para a agricultura. Ou seja, municípios consolidados há 250 anos em termos agrícolas. Sempre se toma medidas gerais sem muita reflexão.
Gazeta Mercantil – E qual a base científica do estudo da Embrapa?
Esse mapeamento foi feito para a gente medir efetivamente o efeito de toda essa legislação. Pegamos todas as terras indígenas demarcadas e colocamos no mapa; todas as reservas federais, estaduais e municipais; os rios, áreas inundáveis, várzeas, tudo aquilo que não pode ser utilizado pela legislação vigente. A Embrapa fez isso com recursos modernos via satélite. Depois a Embrapa incluiu no mapa os topos de morro e encostas. Por fim, foram contabilizadas as reservas legais que cada propriedade é obrigada a manter. A soma de tudo isso resulta na sobra de apenas 33% do território nacional, 67% não é utilizável de forma convencional que conhecemos hoje.
Gazeta Mercantil – Mas o senhor diz que ainda existem outras restrições.
É o mapa da biodiversidade, com prioridades divididas entre alta e extremamente alta. Vimos que além dos 67%, mais 10% do território passariam a ter restrições possivelmente futuras. Aí se chega à conclusão de que 77% do território nacional não é considerado utilizável para fins de produção agrícola e pecuária. Além disso, se somarmos todos os pedidos que ainda existem de demarcação de terras indígenas e de quilombolas em tramitação, verificamos que se esgota o mapa do Brasil.
Gazeta Mercantil – Isso justifica a flexibilização das regras no grau em que está sendo colocada?
Isso mostra a necessidade de uma rediscussão dessa legislação. O Código Florestal, de 1965, já sofreu alterações em praticamente 80% de seus artigos. Alguns itens já foram mudados de cinco a seis vezes. Então não é mais aquele Código inicial. Ao lado disso, surgiu ao longo do tempo todo um arcabouço de normas do Conama, portarias ministeriais, decretos, atos de órgãos estaduais e municipais de meio ambiente. Isso cria um conjunto extremamente volumoso de normas e regras, muitas delas conflitantes entre si.
Gazeta Mercantil – Onde, concretamente, essas regras inviabilizam a produção agrícola?
Um estado como o Paraná tem 4 milhões de hectares ocupados pela produção agrícola. Se esse conjunto de leis fosse aplicado integralmente, de 50 mil a 80 mil propriedades paranaenses se tornarão antieconômicas e deixariam de produzir 15 milhões de toneladas de grãos, o que representa em torno de 25% de redução da produção total atual do estado. Ou seja, entre 50 mil e 80 mil famílias poderão ter de migrar para as cidades. E quanto à emissão de gases de efeito estufa, o Paraná apresenta balanço positivo – o cultivo de soja pelo sistema de plantio direto é uma tecnologia limpa do ponto de vista ambiental.
Gazeta Mercantil – E em m termos nacionais?
Em todo o Brasil eu diria que se todas as normas fossem efetivamente cumpridas, metade das 6 milhões de propriedades agrícolas ficaria irregular perante um ou outro item dessa legislação, ou seja, sujeito a uma sanção. E as sanções são muito elevadas, geralmente fogem ao padrão de renda da maioria dos agricultores, variando de R$ 5 mil a R$ 15 mil. Às vezes, R$ 15 mil é a renda anual de um agricultor. Então isso se torna totalmente inviável. E 1milhão de proprietários perderão a condição de continuar produzindo. É uma situação grave que deve ser analisada. Por que não se pode plantar em várzea, ninguém entende esse absurdo, pois no resto do mundo isso é possível. Por que não se pode plantar uva em encosta de morro? Secularmente também se planta em vários lugares sem que isso venha degradar a natureza. Essas regras foram feitas por pessoas sem nenhum conhecimento de meio ambiente.
Gazeta Mercantil – E a solução seria regras menos rigorosas, como está sendo colocado?
Precisamos de racionalidade e equilíbrio, fazer uma análise dessas regras em duas etapas. Primeiro identificar e atacar aqueles pontos sensíveis que podem criar tumulto no meio rural, como o impedimento de cultivar em várzeas no Rio Grande do Sul. É preciso permitir isso já, do contrário, qualquer fiscal pode ir lá e proibir. Mesma situação do café plantado em topo de morro ou encosta, das frutas em São Joaquim, em Santa Catarina, que ocupam áreas acima da altitude permitida. Essas coisas precisam ser resolvidas já. São cinco ou seis pontos dentro do Código Florestal. Num segundo momento faríamos uma revisão geral da legislação, consolidando tudo isso num Código Ambiental, mais amplo do que o atual, restrito às florestas. Mas de uma forma mais organizada, sistematizada e dentro de uma estratégia que atenda à ideia de produzir e proteger com racionalidade, bom senso e equilíbrio.
Gazeta Mercantil – Mas se o Brasil é campeão em desmatamento, essa flexibilização não acabaria incentivando ainda mais a devastação ambiental?
Não se houver bom senso, equilíbrio e racionalidade. Pode até haver entendimento para isso se os radicalismos forem deixados de lado. Essa é uma decisão que a sociedade tem de tomar. Se achar que vamos parar de produzir e recompor todos os biomas do passado, então a sociedade vai pagar o preço disso e acabou. Uma coisa é a biodiversidade, outra coisa é a emissão de gases de efeito estufa. Se nós quisermos recompor a biodiversidade de 500 anos atrás, teremos de arcar com isso. O mais grave no momento é segurar o efeito estufa. Temos de encontrar uma forma de evitar isso. Mas não é a agricultura, não são os 7% do território brasileiro ocupados com a produção de grãos que geram o aquecimento global. Quem polui o rio Tietê não é o agricultor, o rio nasce limpo, fica poluído quando atravessa São Paulo e volta a ficar limpo depois que sai da região metropolitana.
(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 10)(Liliana Lavoratti)