Gazeta Mercantil / OPINIÃO
14/09/2007
14 de Setembro de 2007 – Precisamos resolver o problema da dívida do produtor para podermos avançar. O café é um produto agrícola que tem uma característica muito específica, diferenciando-o dos outros: trata-se da bianualidade da produção. Em um ano, os cafeeiros produzem bastante; no ano seguinte, as árvores, “esgotadas” com o esforço produtivo, não dão a mesma colheita; no próximo, “descansadas”, voltam a produzir bem, e assim sucessivamente. Por isso, as safras se alternam, com anos de fartura e anos de “faltura”.
Este fato determina a necessidade de políticas também específicas para o produto, de modo a garantir renda estável ao produtor e preços idem ao consumidor. Se assim não for, a variação de preços fica insuportável para todos. Políticas de financiamento da estocagem são essenciais, e o governo precisa estar presente nelas, o que ocorre no mundo todo.
Neste ano de 2007, há um conjunto de elementos que cria uma realidade nunca vivida pela cafeicultura brasileira: é ano de baixa produção, e tivemos seca prolongada durante o período de florada, de modo que o pé de café não conseguiu segurar a flor, e o cafeicultor ficou impossibilitado de controlar pragas e doenças.
Com isto, vamos colher 32,1 milhões de sacas de 60 quilos, quase 25% menos que no ano passado, quando a safra foi de 42,5 milhões de sacas. A produtividade de 14,5 sacas/ha é 27% menor que a do ano passado. Calcula-se que os estoques existentes em mãos de produtores seja de cerca de 7 milhões de sacas, que, somadas ao estoque público (de 1,5 milhão), nos leva a um estoque total, neste ano, próximo a 41 milhões de sacas.
O Brasil caminha para ser o maior consumidor mundial de café, lugar hoje ocupado pelos Estados Unidos, e neste ano vamos consumir perto de 17 milhões de sacas. Por outro lado, as exportações estão estimadas em 28 milhões de sacas.
Eis aí a grande novidade: se a safra a ser colhida mais os estoques chegarem a 41 milhões e o consumo interno mais exportações forem a 45 milhões, teremos um déficit da ordem de 4 milhões de sacas. Nunca antes na história da nossa cafeicultura tivemos esta realidade.
Obviamente vamos ter que reduzir as exportações, o que é outro problema, porque assim podem se abrir espaços de mercado externo para nossos principais concorrentes, entre os quais o Vietnã, a Colômbia, a Indonésia e o México, todos eles com sua produção dentro da normalidade, alem de Peru, Nicarágua, Honduras, Costa do Marfim, que vêm crescendo na atividade.
Tais informações sugerem que o preço do café deveria subir, para produtores e consumidores. Isto não está acontecendo, infelizmente para o lado da produção, por causa do câmbio. Embora os preços tenham subido no mercado mundial, a questão cambial inibe uma melhor remuneração para a cafeicultura brasileira, que, de resto, vem de anos seguidos de preços baixos e crescente endividamento. E isto coloca em risco um futuro promissor para o produto.
No ano que vem, quando a safra deve ser maior dentro da bianualidade, o equilíbrio seria restaurado, se o clima corresse bem. Mas, por enquanto, está muito seco, o que pode comprometer a expectativa de 45 milhões de sacas em 2008.
Especialistas em mercado acreditam que o consumo mundial crescerá entre 1,5% e 2% ao ano na próxima década: e o Brasil, que consome crescentemente, deverá em menos de 5 anos gastar 20 milhões de sacas internamente. Tais dados indicam que, para atender à demanda interna e aos mercados externos, teremos que produzir mais de 50 milhões de sacas/ano na próxima década. Precisamos, então, resolver o problema da dívida do setor, para dar ao nosso cafeicultor a condição de avançar, para o bem do País.
O Brasil já detém a melhor tecnologia do mundo no produto, tendo inclusive seqüenciado todo o genoma do café, o que nos dá uma espetacular vantagem. Tem também o Conselho Deliberativo da Política Cafeeira (CDPC), que agrega todos os elos da cadeia produtiva e mais o governo em torno do produto, que já nos proporcionou o Programa Nacional de Pesquisa (integrando 40 instituições) e os programas de marketing. Temos tudo para evoluir no tema, inclusive gente no governo: o secretário- executivo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Silas Brasileiro, é profundo conhecedor do assunto, bem como Manoel Bertone, o secretário da área.
Não podemos perder mercados. E muito menos permitir que o general Café, que abriu as terras brasileiras para a agricultura e continua sendo fonte inesgotável de prazer para os consumidores, seja rebaixado em seu papel de propulsor do desenvolvimento do agronegócio nacional.
(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3)(Roberto Rodrigues – Coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp, professor de Economia Rural da Unesp (Jaboticabal) e ex-ministro da Agricultura. Próximo artigo do autor em 5 de outubro )