Na montagem do ministério, a presidente eleita, Dilma Rousseff, enfrenta a difícil equação de saciar a fome por cargos das muitas facções do PMDB e do PT e, ao mesmo tempo, atender aos pedidos do padrinho político Lula
BRASIL
05/12/2010
Leonel Rocha
Há duas semanas, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, tomou uma atitude inusitada. Ao encontrar a senadora Rosalba Carlini (DEM-RN) nos corredores do Senado, Temporão pediu seu apoio para permanecer no cargo no futuro governo Dilma Rousseff. Governadora eleita do Rio Grande do Norte, Rosalba lembrou a Temporão que não poderia ajudar muito. Filiada aos Democratas, partido de oposição, sua influência seria nula. Temporão, que é do PMDB, não desistiu. Insistiu para que Rosalba intercedesse por sua indicação junto a seu conterrâneo, o deputado Henrique Eduardo Alves, líder do PMDB na Câmara.
A atitude desesperada de Temporão, um ministro com chances quase nulas de permanecer no cargo, não é isolada. Na semana passada, políticos do PMDB, do PT, do PSB e do PP usaram todos os recursos disponíveis para tentar assegurar um lugar no futuro governo. Todos disputam ministérios onde poderão empregar centenas de pessoas, gerir orçamentos bilionários e influenciar negócios de dezenas de bilhões de reais (leia o quadro na pág. 62). No posto de maior partido aliado da campanha de Dilma, o PMDB exibiu sua ânsia por cargos. Suas divisões, que haviam ficado ocultas na campanha, reapareceram. Seus líderes se desentenderam publicamente em uma série de episódios inusitados. A autoridade do vice-presidente eleito, Michel Temer, foi arranhada diante da desarticulação do partido. Ficou claro que, a curto prazo, o maior desafio político de Dilma será atender, na formação do ministério, às reivindicações de sua imensa e heterogênea base de apoio no Congresso.
Gestor do maior orçamento entre os ministérios, de R$ 60 bilhões anuais, o cargo de ministro da Saúde está, obviamente, entre os mais cobiçados da Esplanada. Temporão foi escolhido por Lula para ocupá-lo em março de 2007. Como Temporão não era o preferido do PMDB, Lula convenceu o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, a apadrinhar sua nomeação. Na segunda-feira passada, na Granja do Torto, Dilma combinou com Cabral que Sérgio Côrtes, o atual secretário de Saúde do Rio, seria o sucessor de Temporão. Mas fez uma exigência: Cabral teria de convencer o PMDB a avalizar a nomeação de Côrtes. No afã de garantir seu afilhado Côrtes no ministério, Cabral divulgou, porém, a indicação como um fato consumado. Deu tudo errado.
No dia seguinte ao encontro com Cabral, Dilma recebeu Temer e os senadores José Sarney e Renan Calheiros para definir a participação do PMDB no governo. Ela confirmou a escolha de Côrtes para o Ministério da Saúde, já anunciada por Cabral, como um dos quatro representantes do PMDB no governo. Temer, Sarney e Renan, porém, não gostaram. Esperavam um tratamento diferenciado por serem os principais parceiros na aliança com o PT. O PMDB, então, jogou contra Cabral, o principal governador do partido. “A cota do PMDB é de cinco ministérios. O secretário Côrtes não faz parte dessa conta”, disse Temer. Cabral, que vinha surfando na boa aceitação da invasão das favelas do Complexo do Alemão pela polícia, passou pelo constrangimento de ter de fazer um pedido de desculpas público. “A precipitação foi minha”, disse Cabral. “Errei em ter me empolgado.” Alvo de investigações, Côrtes está praticamente descartado como ministro.
Enquanto Cabral queria emplacar Côrtes, Temer corria para emplacar o ex-diretor da Caixa Moreira Franco, rival do governador do Rio na política fluminense, em algum ministério. Em uma conversa com deputados do PMDB, em tom de queixa, Temer queixou-se que Dilma, por causa das restrições de Cabral, estava exigindo o aval da bancada do partido na Câmara à nomeação de Moreira para o Ministério das Cidades. O líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, disse que a bancada apoia a manutenção de Wagner Rossi no Ministério da Agricultura, mas não topou cacifar Moreira por ele não ser deputado. Por sugestão dos deputados, Temer foi, então, pedir aos senadores do PMDB que apadrinhassem Moreira Franco. Os senadores também não concordaram com o pedido de Temer, que, em seguida, protagonizou um fato inusitado. Pediu, durante uma entrevista, o direito a uma cota pessoal sua no ministério para emplacar Moreira. Moreira também reclamou publicamente que Temer estava sendo “esvaziado”. Diante das resistências a sua indicação para o Ministério das Cidades, Moreira pode acabar sendo deslocado para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, de orçamento inexpressivo.
A composição do ministério com nomes do PMDB tornou-se complicada também porque há divergências matemáticas sobre a atual participação do partido no governo Lula. Para o governo, o PMDB tem seis ministérios: Saúde, Agricultura, Defesa, Minas e Energia, Comunicações e Integração Nacional. Além disso, tem também o Banco Central (BC). Publicamente, no entanto, os líderes do PMDB não consideram nem Temporão (Saúde), nem Nelson Jobim (Defesa), nem Henrique Meirelles (BC) ministros do partido, mas indicações de Lula. Até o final da semana passada, essa divergência persistia. Por intermédio de seu futuro chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, Dilma ofereceu à cupula do PMDB quatro ministérios: Agricultura, Minas e Energia, Turismo e Previdência. Os peemedebistas insistiam num quinto com o argumento de que vão perder Comunicações e Integração Nacional, pastas de grande peso político.
Apesar das trombadas da semana passada, o PMDB, no quesito número de ministros, só deverá perder para o PT no futuro governo Dilma. O senador Edison Lobão (MA) garantiu sua volta ao Ministério de Minas e Energia como representante do PMDB do Senado. Apesar de não ser considerado da cota do partido, Jobim também foi convidado a ficar no Ministério da Defesa.
A composição do ministério é um quebra-cabeça de difícil montagem porque Dilma tem também de conciliar exigências regionais e, em alguns partidos, como o PT, suas facções internas. Na semana passada, os governadores da Bahia, Jaques Wagner (PT), de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e de Sergipe, Marcelo Deda (PT), se uniram para tentar indicar quatro ministros. Segundo eles, seria uma forma de compensar a região. No caso das correntes internas do PT, Dilma está procurando encontrar um ponto de equilíbrio que leve em consideração o tamanho de cada uma delas. O deputado José Eduardo Cardozo, escolhido para o Ministério da Justiça, faz parte da corrente Mensagem, a segunda maior do PT. Sua escolha pode ser um fato complicador para a permanência no Ministério da Educação de Fernando Haddad, por ele pertencer à mesma corrente.
O caso de Haddad, aliás, expõe outro problema de Dilma na montagem do ministério. Haddad é mais um caso de ministro que o presidente Lula pediu que Dilma mantivesse. Dilma tem dificuldades em recusar pedidos de Lula. Primeiro, pela dívida de gratidão com o presidente. Segundo, porque, muitas vezes, não tem outros nomes de seu próprio bolso para sugerir. Para escapar desse garrote político, Dilma pode optar por nomear um ministério de transição. A primeira equipe ministerial ficaria por um ano, até Dilma “tomar pé do governo”. Após esse período, pode vir a ser trocada.