Experiências de cultivo de café foram pesquisadas quanto a tentativa de agregar valor ao produto
Fortaleza Num mercado em que há muitos fornecedores e poucos compradores, é preciso elaborar estratégias para aumentar o poder de barganha. Foi a partir desta preocupação que a professora Maria Sylvia Macchione Saes, do Departamento de Administração da Universidade de São Paulo (USP), pesquisou experiências em que produtores de café procuraram diferenciar o produto que vendiam, sendo uma delas em relação ao café sombreado no Maciço de Baturité.
A pesquisa deu origem ao livro “Estratégias de Diferenciação e Apropriação da Quase-Renda na Agricultura: a Produção de Pequena Escala”. Como outros produtos agrícolas, o café é considerado uma commodity, uma mercadoria produzida e comercializada em larga escala por diferentes produtores, com qualidade quase uniforme.
“O avanço tecnológico e o uso de sementes especiais permitem maior produtividade, mas o retorno do investimento acaba sendo diluído pela grande quantidade de produtores. A característica geral do setor agrícola é ter produtos homogêneos. É a partir disso que o mercado torna o produtor dependente das tendências do mercado, já que o mesmo produto pode ser obtido em diferentes partes do mundo”, analisa.
Diferenciação
Por sua vez, a diferenciação consiste em dotar um determinado produto de alguma característica que o torne diferente do produto de origem primária. Produção de uma variedade especial, plantio orgânico, sem uso de transgênicos ou com selos de sustentabilidade ecoambiental são algumas das formas de diferenciar um produto agrícola. “Ao oferecer um produto específico, que possua um valor agregado na qualidade do produto ou na forma como ele é obtido, o poder de barganha do produtor aumenta, incrementando o valor de mercado”.
De acordo com Maria Sylvia Macchione Saes, a partir do trabalho com teorias de estratégia aplicadas no estudo de quatro casos, o trabalho procurou questionar se qualquer estratégia de diferenciação levaria ao aumento de renda. “Foi possível observar que um empreendedor pode pensar e executar uma ação diferenciada. Mas quando isso é feito no setor agrícola, é preciso ter um grupo de produtores que, juntos, trabalhem a mesma estratégia para conseguir obter um rendimento melhor”.
café sombreado
Dentre as experiências pesquisadas, a considerada mais complexa foi a do café sombreado no Maciço de Baturité, realizada há 150 anos num dos primeiros locais de produção no Brasil.
“Tomei conhecimento dessa experiência a partir de um trabalho que realizei sobre alianças estratégicas. Na maioria dos locais a lavoura do café é colocada em campo aberto, mas nesta região o café vem sendo plantado no meio da mata, em sistema agroecológico”, explica.
Com o apoio da Fundação Centro de Educação Popular em Defesa do Meio Ambiente (Cepema), os cafeicultores locais se uniram em torno da Associação dos Produtores Ecologistas do Maciço de Baturité (Apemb). Por meio de um esforço de conscientização e do associativismo, procurou-se diferenciar o café como uma produto ecológico, já que sua produção não implica na derrubada de mata e preserva os recursos hídricos. Durante um certo período, eles conseguiram vender o produto para o mercado internacional, mas atualmente restringiram para o eixo local, com venda direta para o consumidor a preços justos. “Para se ter qualidade e agregar valor, é preciso investir em secagem correta, colheita no período certo, armazenamento. Este exemplo mostra como uma ideia pode envolver uma comunidade e dar melhores condições de competir no mercado, mas é algo que demanda esforço, trabalho, tentativas e erros para se chegar ao produto ideal”, conclui.
INICIATIVAS
União de produtores traz vantagens
Fortaleza Com exceção do Ceará, as demais experiências com diferenciação do café, tema do livro da professora Maria Sylvia Macchione Saes, ocorrem na região Sudeste, principalmente em Minas Gerais, um dos principais Estados produtores de café do Brasil. O primeiro deles envolve a Cooperativa de Cafeicultores de Guaxupé (Coxupé), considerada a maior cooperativa de café do mundo.
“Em 1957, eles começaram a pensar uma estratégia para dois objetivos essenciais para pequenos e médios produtores: vender o café em melhores condições e comprar insumos a um custo menor. Então começaram a trabalhar com um café de qualidade diferenciada, vendido diretamente para o mercado internacional, o que implicou numa padronização da produção dos cooperados, em investimento para melhorar o café. A estratégia levou a um ganho de escala, com aumento da produção, numa relação simples entre os cooperados”, avalia.
A segunda experiência já envolve uma indústria de café italiana, a Illy Caffè, que atua nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Neste caso, trata-se de uma empresa que compra café dos produtores e que buscava agregar qualidade. Diante do corpo e do sabor adocicado do café brasileiro, a empresa se instalou no País no fim dos anos 80.
“O problema é que, nesse período, a qualidade do nosso café não atendia à demanda internacional, não era bom o suficiente, então em 1991 eles começaram a promover um concurso para os melhores cultivadores do Brasil, como uma forma de encontrar o produto que correspondesse ao padrão de excelência que estavam precisando”.
O concurso deu origem ao Prêmio Ernesto Illy para a Qualidade do café Expresso, realizado anualmente. “Na época foi uma ideia inovadora, pois o prêmio passou a ser um indutor de mudança na cadeia produtiva. Os produtores dos cafés premiados passavam a ser fornecedores da empresa, e por outro lado havia um esforço para melhorar a qualidade do café a fim de competir no concurso, o que representava um avanço para os cafeicultores independente se ganhassem”.
A terceira experiência ocorre no município mineiro de Poço Fundo, em que um produtor rural reuniu um grupo de cafeicultores para vender café com o selo Fair Trade (tradução de comércio justo, em português). O Fair Trade é um movimento que busca dar uma remuneração justa para os que estão na ponta da cadeia produtiva, permitindo um desenvolvimento sustentável. “Este foi o primeiro local no Brasil a obter o selo. É estabelecido anualmente um preço justo para a saca de café desses produtores, bem acima do valor de mercado, permitindo uma melhora na condição de vida dos cafeicultores”.
Karoline Viana
Repórter