O caminho das pedras para quem quer se iniciar no mercado de futuros
É muito comum que se associe a negociação em bolsa a especulação. É freqüente, também, que se faça referência a uma coisa e outra de modo pejorativo. Essa visão particular, latinamente preconceituosa, de que ganhar dinheiro é um quase pecado, revela a extrema falta de informação que cerca alguns dos mecanismos mais importantes para o funcionamento do mundo dos negócios. Quebrar o preconceito e aproximar quem lida com commodities agrícolas dessa realidade foram os objetivos que moveram o operador de mercado Arnaldo Luiz Corrêa e o jornalista Carlos Raíces, diretor-adjunto de Projetos Editoriais do Valor, na elaboração do livro “Derivativos Agrícolas”. A obra revela, em linguagem acessível, os meandros da negociação de contratos futuros e de opções agrícolas nas bolsas – no caso brasileiro, a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F). O que havia até então era literatura toda traduzida e focada demais nos derivativos financeiros. “Muitas vezes me deparei com frases do tipo ‘eu não opero em bolsa porque bolsa é especulação'”, diz Corrêa, profissional com quase 30 anos de experiência. “E frases como essa eu ouvi de gente de alto nível nas empresas.” Para ele, quem planta sem saber se e como vai vender é que está especulando. Os mercados futuros servem para o produtor transferir parte do risco a investidores que entendem do assunto – e fazem uma série de operações cruzadas, para compensar eventuais perdas – de modo a ter tranqüilidade para trabalhar. O crescimento do mercado e o nível cada vez maior de internacionalização do agronegócio brasileiro despertaram os autores para a idéia. Com experiência de sobra para saber que o produtor rural – principalmente o grande – há muito deixou de contar apenas com os mecanismos de crédito tradicionais, Corrêa e Raíces resolveram apontar para esse público um caminho sem pedras, como o trilhado por agricultores do mundo todo, especialmente nos EUA. É a senda que algumas instituições financeiras já estão percorrendo. Elas perceberam que é possível oferecer crédito muito mais em conta para quem tem uma visão moderna do agronegócio. “Os bancos começaram a olhar mais para esse mercado e passaram a desenhar novos modelos de financiamento. Muitos desses modelos transitam pelo mercado de opções e de derivativos”, afirma Raíces. O potencial dos derivativos para produtos como soja, café, açúcar, bovinos, laranja e outros itens exportáveis é gigantesco e tem aberto espaço, no país, para bancos, corretoras e fundos com grandes operações no exterior. Além de crédito, a negociação em bolsa oferece ao produtor uma garantia contra a variação brusca de preços que ele não consegue no dia-a-dia. “O produtor brasileiro precisa desenvolver a mentalidade de que negociar em bolsa é buscar proteção, e isso não tem nada a ver com especulação”, diz Raíces – embora a especulação também seja necessária, justamente para que se assegure liquidez ao mercado. Corrêa compara as operações de hedge, por meio de derivativos – feitas como defesa em relação a flutuações futuras de preços da mercadoria – a um seguro. “Você está comprando da seguradora o direito de vender a ela seu carro por um valor determinado, se houver um sinistro.” O termo em inglês até aparece aqui e ali, mas a preocupação em simplificar levou os autores a reduzir ao mínimo o emprego de estrangeirismos. O texto trata do assunto com profundidade, sem ser hermético. A linguagem mais clara é para desmistificar, explica Corrêa. “Não é preciso ter um diploma de Harvard na parede para operar nesse negócio.” Ilustrado com situações reais, o livro proporciona uma aula completa de como atuar em todas as fases da negociação. Os autores procuram, em cada capítulo do livro, localizar o leitor no tempo e no espaço. Discorrem sobre a história das bolsas e explicam como funcionam os derivativos, aprofundam temas como a formação de preço e explicam como e por que são pagos prêmios nos contratos. Também mostram detalhes do mecanismo dos investimentos combinados e retratam o papel do investidor na formação da liquidez do mercado e no gerenciamento dos riscos da operação. Detalham o passo a passo da negociação. Explicam como o mercado oferece garantias para o que foi investido e falam da importância da informação na hora de negociar. Enfim, o conteúdo do livro leva à constatação de que o mercado brasileiro de derivativos agrícolas, e de hedge em geral, evoluiu o suficiente para proporcionar a proteção de que o produtor de commodities precisa, embora os volumes negociados ainda estejam muito aquém do potencial que se pode imaginar. O livro vai longe, ao contar a história do filósofo grego Tales de Mileto (640-548 aC), considerado o pai da especulação. Homem de múltiplos saberes, Tales provou que informação é tudo – principalmente, na hora de ganhar dinheiro. Ele utilizou todo seu cabedal de conhecimento para chegar à conclusão, matemática, de que haveria uma seca de grandes proporções em determinada época. Comprou toda a produção de azeitonas da região e aguardou. Quando suas previsões se confirmaram, só ele tinha matéria-prima suficiente para produzir o (até hoje) famoso azeite de oliva grego. Para mostrar que nem tudo são flores, os autores encerram o livro com uma análise dos contratos disponíveis no Brasil e no mundo e esmiuçam casos famosos de final desastroso no mercado futuro. Um deles é o do fundo LTCM, que quebrou em agosto de 1998, com um rombo de US$ 4 bilhões. O LTCM era administrado por ninguém menos que dois laureados com o prêmio Nobel de economia de 1997. A idéia consiste em mostrar que os erros que levaram à derrocada alguns fundos milionários são relativamente simples de detectar e, portanto, podem ser evitados. “Derivativos Agrícolas” – Arnaldo Luiz Corrêa e Carlos Raíces Ed. Globo/Valor, 360 págs., R$ 49 |