24/01/2007 14:01:09 – Comercio de Jau
Eurípedes Martins Romão
Acabei de ler Maria e Antonio Carlos, História de um grande amor, de Maria Cecy de Arruda Botelho. Imediatamente fui ao computador registrar os fragmentos de memória despertados pela leitura e posteriormente consegui escrever esta crônica, onde talvez haja uma pequena parte ficcional.
Uma das primeiras lembranças foi uma história que meu avô, Horácio Romão, que não era o Forrest Gump, mas era um excelente contador de histórias, me contou. Certa vez, o avô dele, o coronel Matosinho, foi até o Pinhal (Fazenda Pinhal, em São Carlos) para convencer o conde a investir no “Jahu”. Na realidade, ele estava interessado na estrada de ferro que o conde levaria para lá, pois como naquela época o “Jahu” estava se tornando grande produtor de café e necessitava escoar a produção, ele desejava que a ferrovia chegasse até aqui.
Nunca entendi direito esta história, mas parece que a vinda dos Arruda Botelho para Jaú foi de certa forma incentivada pelo Matosinho. O que povoou meu imaginário com esse fato foi que meu avô era amigo de um conde. Ficava pensando: como será um conde? Mora em um castelo? É amigo do rei? Mais tarde tive oportunidade de conhecer dois netos do conde, o Antonio Carlos e o João Ataliba.
O primeiro dirigia uma imponente perua Chevrolet Woody Suburban, ano 48, bege, com os paralamas verde oliva e as laterais de madeira. Diariamente ele vinha a Jaú, descia pela Governador Armando Salles e se dirigia ao Banco Melhoramentos, onde se encontrava com o João Ataliba. Este morava na Fazenda Maria Luiza e vinha com seu roadster Ford 34, azul de capota branca, um dos primeiros V8 que vieram para Jaú. Eram pessoas de pouco convívio social; eu os via no banco, nos Correios e na Cooperativa dos Cafeicultores, na Rua Marechal Bittencourt. Minhas dúvidas sobre o que era um conde estavam solucionadas; eram pessoas comuns, iguais às outras.
Outro fato que veio à minha lembrança foi o tempo que morei com minha família na Fazenda Santana do Matão, que ficava em um bairro chamado Matão, entre Jaú e Dois Córregos, a uns quinze quilômetros de Jaú. Como toda fazenda de café, havia um grande terreiro que ficava em frente à casa. Entre a casa e o terreiro havia um jardim com um repuxo, que era alimentado por um córrego. Este, após passar pelo jardim, ia abastecer de água uma cozinha externa que havia entre a casa e o pomar, onde havia também um monjolo acionado por aquele córrego. Eventualmente fazíamos as refeições nessa cozinha e, em seguida, íamos ao pomar comer sobremesa, frutas colhidas no pé. Do lado esquerdo do pomar ficava o galinheiro e a pocilga, no lado oposto havia uma horta.
Um dos empregados, o Ivan Martins, que um dia cortando uma árvore com um machado cortou junto o dedão do pé, gostava de fazer terrorismo com as crianças, aliás, prática bastante comum dos adultos daqueles tempos. Aos sábados vínhamos para Jaú. Meu pai tinha uma caminhonete Fargo azul com os paralamas pretos, moda da época. Na cabina vinham meu pai, minha mãe, eu e minha irmã. Meu irmão mais velho morava em Jaú com meus avós, já cursava o primário no Instituto de Educação. Se o Ivan aproveitava a carona e vinha na caçamba eu fazia de tudo para vir também. Às vezes conseguia.
Não sei quanto tempo demorava esta viagem. A estrada era de terra batida e com pessoas na carroceria a velocidade era bastante reduzida. Saíamos da fazenda e logo passávamos pelo moinho onde íamos “trocar” milho por fubá e beneficiar arroz. Em seguida vinha a primeira “floresta” do caminho, o Matão, que dava nome ao lugar. Depois passávamos pelas fazendas João da Velha, do meu avô Horácio Romão, pela Santa Maria, do Chico Pires; pela fazenda do Honor Brandão, que ficava próxima à igreja e ao vilarejo que se chamava Matão, pela do Tonico Brandão e chegávamos à Santo Antonio dos Ypes, onde havia a segunda “floresta” do caminho, o “Mato do Madeu”, que hoje é reserva ecológica e onde morava Antonio Carlos Lacerda de Arruda Botelho, neto do conde do Pinhal. Passávamos pelo sítio dos padres, a fazenda dos Assis e chegávamos a Jaú.
Os momentos de tensão eram provocados justamente pela passagem por essas matas. Na primeira, onde morava um saci, passávamos ainda no início da viagem. Era uma mata fechada e a estrada passava pelo meio dela. Em alguns pontos não víamos o céu, era só mato. Na mata do Amadeu Botelho, que passávamos no começo da noite, avistávamos algumas corujas saindo em busca de alimento e macacos se recolhendo para dormir. O Ivan garantia que onde tinha macaco tinha onça, e quando a onça não conseguia pegar um macaco atacava quem passava pela estrada. Ainda bem que nunca me encontrei nem com o saci nem com a onça.
Eurípedes Martins Romão é economista.
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