La Niña poderá atrasar recuperação dos reservatórios de água no Sudeste, por Williams Ferreira Por: Williams Ferreira

A primavera que terá início no próximo dia 22 de setembro, às 11h21, deverá vir acompanhada do fenômeno La Niña e poderá causar atraso na estação chuvosa do Sudeste brasileiro.


O fenômeno La Niña representa certa variabilidade climática que caracteriza um comportamento transitório anormal do clima que pode se repetir a cada 3 a 7 anos. A ocorrência de um evento La Niña favorece a maior ocorrência de chuvas em relação àquela que normalmente ocorre na região Nordeste do Brasil. O fenômeno La Niña, assim como o EL Niño, faz parte do padrão “El Niño Oscilação Sul”, conhecido no meio científico como “Fenômeno ENOS”. Esse “fenômeno” representa, em seu contesto geral, as anomalias que ocorrem na pressão atmosférica, ventos de superfície, temperatura do ar, chuva, nebulosidade, circulação nos altos níveis da atmosfera, entre outros.


Normalmente essas anomalias são mais evidenciadas na região tropical do planeta, principalmente na parte equatorial do Oceano Pacífico, que é o maior oceano do mundo e portanto influencia diretamente, e principalmente, os continentes que se encontram no seu entorno. O fenômeno La Niña ocorre de modo independente da ocorrência das estações do ano que, em algumas regiões, apresentam mudanças nas suas características normais devido exatamente a presença do La Niña.


Nos últimos meses a possibilidade da ocorrência desse fenômeno já vem sendo anunciada pelos principais centros de previsão climática, porém esse evento efetivamente só será oficializado após a temperatura da superfície do Oceano Pacífico permanecer por cinco meses consecutivos com anomalias de, no mínimo, -0,5o C. Além da temperatura dos oceanos, elementos do clima são também verificados, com destaque para a intensidade dos ventos alísios que tornam-se naturalmente mais fortes em tempos de La Niña, deslocando assim as águas mais quentes da região central do Pacifico Tropical em direção a sua porção ocidental, ou seja, a água mais aquecida é deslocada para próximo do continente australiano.


O deslocamento das águas aquecidas da superfície do oceano naquela região criam correntes oceânicas que terminam por favorecer que a termoclina (variação brusca de temperatura em uma determinada profundidade do mar) se torne mais rasa, facilitando a emergência, chamada cientificamente de “ressurgência”, das águas mais frias das correntes marinhas que circundam o continente sul americano, na porção mais oriental do Pacifico. Essas águas mais frias terminam também por favorecer os mecanismos que inibem a formação de chuvas na costa peruana. Desse modo observa-se que deve haver um bom “acoplamento”, ou seja, uma boa interação entre a atmosfera e o oceano para que as mudanças na circulação atmosférica possam produzir situações climáticas extremas e efetivamente o La Nina ser confirmado.


Efeitos do La Niña no Brasil


No Brasil, o fenômeno La Niña normalmente provoca certo aumento das chuvas na região do Nordeste, favorecendo a recuperação do nível dos rios e reservatórios bem como as atividades da agricultura e pecuária da região. O próximo La Niña deve ser de caracterizado como um evento de fraca intensidade. Esse ano, porém, o comportamento da atmosfera e dos oceanos sugerem que o La Niña não seguirá o comportamento padrão, sendo provável que as chuvas terminem por ocorrer dentro ou somente um pouco acima da média do período.  


Todavia, em momentos de La Niña, as mudanças não ocorrem somente no Oceano Pacífico, mas também em outros oceanos do planeta. Como a Brasil está em “contato direto” com o Oceano Atlântico, a presença do La Niña pode modificar também a temperatura desse oceano e favorecer a ocorrência de outro fenômeno chamado pela meteorologia de “Dipolo do Atlântico Tropical” que nada mais é do que as águas do Atlântico Tropical Norte apresentarem-se mais frias do que as águas do Atlântico Tropical Sul. As temperaturas mais baixas na parte do Atlântico Norte dificultam o deslocamento da Zona de Convergência Intertropical – ITCZ a partir do hemisfério Sul para a parte do hemisfério Norte, “acima”‘ do equador. Desse modo a ITCZ permanece localizada em grande parte sobre o Atlântico Sul, mais precisamente sobre a parte mais próxima do litoral das regiões Norte e Nordeste brasileiras, intensificando a formação de nuvens e aumentando os índices pluviométricos (Fase Negativa do Dipolo). 


Esses fenômenos de grande escala, quando ocorrem concomitantemente, terminam por influenciar as circulações de mesoescala e microescala. Se tal fato ocorrer neste ano então as chuvas poderão vir a ocorrer acima da média no Nordeste, sendo que o impacto do La Niña depende da vulnerabilidade de região. Destaca-se que nas grandes cidades do Nordeste brasileiro a prevenção deve ocorrer com os sistemas de coleta de águas pluviais, bem como as edificações em regiões de encosta, pois normalmente a população que vem enfrentando nos últimos quatro anos períodos recorrentes de falta de chuvas não está preparada para eventuais chuvas torrenciais. 


As chuvas em setembro


Para setembro as frentes frias poderão continuar passando de modo mais rápido, provocando chuvas e fazendo cair a temperatura, principalmente na parte mais do litoral das regiões Sul e Sudeste, podendo provocar inclusive geadas tardias nas regiões mais ao Sul do país. Como geralmente o La Niña deverá atingir sua intensidade mais ao final do ano, no verão, está estação do ano que é costumeiramente seca em algumas mesorregiões do Sul do Brasil, apresenta maior risco de falta de chuvas, principalmente para a produção agrícola da região, apesar de a previsão do fenômeno La Niña ser de fraca intensidade.  


Pelo atual resfriamento do Pacífico que garante a ocorrência nos próximos meses do La Niña, e pelas características atuais da circulação atmosférica associada ao histórico recente do forte El Niño que finalizou há poucos meses, há probabilidade de que o início da estação chuvosa da região Sudeste do Brasil sofra atraso e as chuvas só comecem efetivamente em novembro. Assim, tirando-se as chuvas associadas às passagens das frentes frias, na região Sudeste as áreas onde estão os principais reservatórios de águas das maiores cidades do Brasil deverão voltar a ser reabastecidos pelas chuvas somente a partir de novembro de 2016 quando as Zonas de Convergência do Atlântico Sul – ZCAS deverão começar se formar trazendo a água da Amazônia para o Sudeste brasileiro.


La Ninã poderá atrasar recuperação dos reservatórios de água no Sudeste - Figura 1


Fonte: www.ncdc.noaa.gov/teleconnections/enso/indicators/sst.php


La Ninã poderá atrasar recuperação dos reservatórios de água no Sudeste - Figura 2


Fonte: www.bom.gov.au/climate/enso/index.shtml#tabs=Sea-surface


Williams Ferreira é pesquisador da Embrapa Café/EPAMIG UREZM na área de Agrometeorologia e Climatologia, atua principalmente em pesquisas voltadas para o tema Mudanças Climáticas Globais. – williams.ferreira@embrapa.br ou williams.ferreira@epamig.br

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