26/08/09 – A Juan Valdez nasceu como uma imitação da rede americana, mas só cresceu quando decidiu assumir suas raízes colombianas. Hoje, é tida como uma das mais badaladas multinacionais dos países emergentes.
Por Felipe Carneiro
Em 2006, cerca de 300 000 colombianos se inscreveram para participar de uma espécie de reality show, cujo objetivo era escolher quem daria vida a Juan Valdez. O personagem, um cafeicultor de fartos bigodes, sempre acompanhado por uma mula, é a marca da maior rede de cafeterias da Colômbia, um negócio comandado por uma cooperativa de 560 000 produtores de café. O vencedor do concurso foi o fazendeiro Carlos Castañeda que, desde então, viaja pelo mundo trabalhando como uma espécie de garoto-propaganda do processo de globalização da rede.
Graças a uma fórmula que mistura o serviço rápido e o ambiente confortável das cafeterias modernas com um sabor latino, a Juan Valdez se transformou na rede de cafeterias que mais cresce no mundo. Desde 2004, a empresa multiplicou mais de dez vezes a receita, investindo na inauguração de lojas no exterior. Hoje, tem 162 pontos de venda — 20% do total da rede — espalhados por cinco países, entre eles, Chile, Estados Unidos e Espanha.
Um dos próximos alvos na estratégia de expansão internacional é o Brasil. “Estamos recebendo sondagens de possíveis parceiros para iniciar operações no país em 2010, com exportação de café e a abertura de lojas”, afirmou a EXAME Catalina Crane, principal executiva da Juan Valdez.
A rede surgiu em 2002 para ser uma espécie de clone da americana Starbucks, a maior cadeia de cafeterias do mundo. Os colombianos copiavam desde os copos de isopor até o ambiente de sala de estar criado por Howard Schultz. A Juan Valdez, no entanto, só começou a deslanchar dois anos depois, na medida em que foi abandonando o modelo importado para investir no marketing do sabor latino e na promoção do café colombiano. Ironicamente, hoje é a Starbucks que enfrenta uma crise de identidade.
A empresa comandada por Schultz tropeçou na própria megalomania e se perdeu em meio ao crescimento acelerado e vem tendo alguns dos piores resultados de sua história. O balanço do último trimestre foi comemorado pelos acionistas — as perdas nas vendas foram de apenas 6,6%. Nos últimos meses, a Starbucks fechou mais de 900 lojas e demitiu cerca de 7 000 funcionários.
A prioridade dos executivos à frente da Juan Valdez é fazer com que a rede de cafeterias adquira musculatura suficiente para se aproximar do porte da Starbucks. A distância entre os dois negócios é abissal.
Enquanto a Starbucks faturou em 2008 mais de 10 bilhões de dólares, a receita da Juan Valdez foi de modestos 37 milhões de dólares no mesmo período. O avanço recente dos colombianos, no entanto, tem feito vários especialistas nesse setor apontar a Juan Valdez como uma das multinacionais latinas com maior chance de crescimento daqui para a frente. Numa pesquisa realizada recentemente pela consultoria Wolff Olins para o jornal britânico Financial Times, a Juan Valdez foi apontada como uma das cinco marcas de mercados emergentes com potencial para se tornar global. “A grande ironia é que a Starbucks preparou o terreno para o crescimento da Juan Valdez”, afirma Andrew Hetzel, dono da Cafemakers, consultoria americana de mercado de café. “A Starbucks pegou um consumidor analfabeto em matéria de café e fez escola. Agora, as pessoas estão mais exigentes e a Juan Valdez aproveitou a oportunidade para vender seu produto de qualidade superior.”
As plantações colombianas de café se concentram na região da cordilheira dos Andes, que oferece uma série de vantagens naturais ao cultivo, entre elas altitude elevada, solo vulcânico e sol e chuva em abundância. Desde a década de 60 os agricultores da Federação Nacional dos Cafeicultores Colombianos, os donos da Juan Valdez, investem em melhorias dos processos — da colheita à torrefação — para obter uma bebida com um sabor superior. O resultado é que, atualmente, cerca de 40% da produção do país é de café gourmet (no Brasil, a proporção fica em 5%). A rede de cafeterias foi criada para levar diretamente ao consumidor o resultado desse esforço, sem passar por intermediários.
O executivo mais importante da história da empresa foi Gabriel Silva, que ocupou por sete anos o cargo de presidente da Federação Nacional dos Cafeicultores Colombianos. Silva idealizou a rede de cafeterias em 2002 como uma nova opção de renda para os agricultores num período de baixa da cotação do café no mercado internacional. Foi dele também a autoria do plano de expansão internacional, que começou a ser colocado em prática em 2004, com a inauguração de duas lojas nos Estados Unidos, nas cidades de Washington e Nova York.
Antes da Juan Valdez, Silva tinha no currículo a passagem por vários cargos públicos — entre eles o de assessor de política externa de Virgílio Barco, presidente colombiano entre 1986 e 1990, e o de embaixador da Colômbia nos Estados Unidos em 1993 e 1994. O sucesso da cafeteria nos últimos anos lhe rendeu o convite para retornar ao governo no cargo de ministro da Defesa. Gabriel Silva tomou posse no início de agosto e a eleição para escolher seu sucessor na Federação Nacional dos Cafeicultores está prestes a acontecer.
Em 2006, Silva e os executivos da Juan Valdez decidiram acelerar a expansão internacional da empresa. Na época, a rede mantinha apenas cinco lojas nos Estados Unidos, operava no vermelho e não havia recursos para financiar a expansão internacional. A solução foi abrir 12% do capital, o que rendeu ao caixa da empresa cerca de 10 milhões de dólares.
Com esses recursos, a Juan Valdez dobrou de tamanho no mercado americano, além de iniciar o desbravamento da Espanha, com duas lojas em Madri. No ano passado, a International Finance Corporation — braço do Banco Mundial que fomenta companhias em países em desenvolvimento — investiu na Juan Valdez 12 milhões de dólares em troca de 10% das ações. O número de lojas no exterior saiu de 13 para 37, com a entrada nos mercados do Chile e do Equador e a continuidade do crescimento da rede nos Estados Unidos e na Espanha.
Por causa da crise mundial, a política de investimentos se tornou mais conservadora. Em 2009, os planos de abertura de novos mercados, como Suécia e México, foram congelados. Até o fim do ano, estão previstas apenas a inauguração de uma loja no Chile e outras cinco no Equador. “Resolvemos concentrar nossos esforços em melhorar a operação e a logística nos mercados em que já estamos instalados para aumentar a margem de lucro”, afirma Catalina Crane.
Também estão sendo feitos esforços para aumentar a importância das vendas de seus produtos em supermercados, restaurantes e hotéis, que hoje representam 15% do faturamento total. Um passo importante nesse sentido será o início da venda de café colombiano na internet, o que deve começar até o fim do ano nos Estados Unidos, no Canadá, no Chile e no Equador. Entre os planos para 2010 estão a abertura da primeira franquia no Oriente Médio, a entrada no Panamá e em algum outro país da América Latina. “O Brasil é a prioridade, por causa do tamanho de seu mercado”, diz Catalina.