ECONOMIA & NEGÓCIOS
04/03/2008
Eles criaram o cinturão verde
Os japoneses cultivavam frutas, verduras e legumes e mudaram os hábitos alimentares dos brasileiros
Fernanda Yoneya
Em Itaquera, bairro da zona leste de São Paulo, nikkeis como o agricultor Patrício Yoshio Yoshioka, 66 anos, preservam a história dos imigrantes japoneses que ajudaram na formação do cinturão verde paulista e ajudam a relembrar a trajetória dos pioneiros que se instalaram na região já em 1920. Os pais de Patrício, Guichi e Osame Yoshioka, chegaram ao Brasil, já casados e com duas filhas, em 1937. Vieram para cá já decididos a cultivar pêssego. “Meu pai já plantava pêssego no Japão”, conta o nissei Patrício. Guichi, porém, começou a vida no Brasil, em 1938, investindo no cultivo de morango e, em 1945, migrou para o pêssego. O tio de Patrício, Sho Yoshioka, que tinha vindo para o Brasil quatro anos antes, foi um dos pioneiros no plantio de pêssego em Itaquera.
Patrício conta que cursou o ginásio, mas logo começou a trabalhar, ajudando o pai nos pomares. “Como filho homem mais velho, tinha essa responsabilidade.” Ele conta que nunca trabalhou com outra coisa que não fosse agricultura e, depois que seu pai morreu, iniciou o cultivo de goiaba. Uma geada forte, porém, em 1979, acabou com as goiabeiras, queimando até os galhos mais grossos. O agricultor, então, migrou para o pêssego, atividade que também deixou, assim como muitos outros produtores, por causa do ataque de pragas e doenças nas plantas.
O pêssego começou a ser cultivado em Itaquera porque a região não era área de baixada, o que tornava inviável o cultivo de hortaliças. Até 2000, a fruta foi o símbolo da colônia. A representatividade no bairro foi tanta, que virou até nome da avenida – Jacu-Pêssego – que corta Itaquera. “Antes de virar avenida, a área era chamada de Estrada do Pêssego. Com a construção da avenida e pelo fato de o Rio Jacu passar por lá, virou Jacu-Pêssego”, explica.
Desde 1979, Patrício e a esposa, Rosa Yoshiko Yoshioka, produzem, em uma chácara de cinco hectares, galhos para ikebana (os arranjos florais japoneses) e para decoração. Às terças e sextas-feiras, Patrício vende a produção na famosa feira de flores e plantas da Ceagesp. Além disso, fornece plantas para professores e escolas de ikebana. Há pinheiro japonês, camélia, azaléias e vários tipos de ligustros. A chácara e o nome da propriedade – Sol – foram herdados do pai. “A chácara do meu pai, que era o filho homem mais velho, recebeu o nome de Sol. A chácara do meu tio do meio recebeu o nome Estrela. E a do meu tio mais novo era a Chácara Novo Mundo”, relata Patrício.
Em 1960, época do auge da produção agrícola por imigrantes japoneses, Itaquera chegou a ter 130 famílias. Hoje, são cerca de 60 famílias, que criam codornas e produzem hortaliças, frutas, principalmente nêspera, flores e plantas. “Itaquera foi estabelecida como zona industrial, mas quem sempre ganhou a vida com a produção agrícola continua.”
A colônia nikkei de Itaquera, aliás, é bastante unida, segundo Patrício, e costuma se reunir em festas e atividades esportivas no Itaquera Nikkei Clube, antiga Sociedade Civil Itaquerense e Associação Cultural e Esportiva da Colônia de Itaquera. Ex-presidentes do clube e produtores que contribuíram para o desenvolvimento agrícola de Itaquera viraram até nomes de ruas no bairro, na área delimitada pelo Parque Municipal do Carmo até a divisa com Guaianases.
A mãe de Patrício, Osame, está com 95 anos e, até dois anos atrás, ajudava o filho plantando e regando flores, tamanha sua paixão por plantas. O pai de Patrício, Guichi Yoshioka, que morreu em 1974, hoje é nome de rua.
HISTÓRICO
Os primeiros imigrantes japoneses chegaram ao Brasil a pedido do governo de São Paulo (o secretário de Agricultura, na época, era Carlos Botelho), para suceder os imigrantes italianos nas lavouras de café. A a iniciativa privada japonesa foi incentivada pelo Brasil para enviar pessoas interessadas em trabalhar na agricultura. O contrato era de um ano e todos os imigrantes pensavam em, terminado o contrato, retornar ao Japão. “Muitos vieram para cá iludidos com a idéia de enriquecer em um ano com o café. Pelo menos era isso que a iniciativa privada prometia”, conta o engenheiro agrônomo Isidoro Yamanaka, ex-assessor do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
O governo paulista, então, começou a fazer loteamentos de terra. “É sabido que comprar terra no Japão é praticamente inviável e a possibilidade de ter um pedaço de terra, oferecida na forma de loteamento, ajudou a fixar os imigrantes no País.” O cultivo de café, porém, não era a atividade mais adequada para os nikkeis. Por ser lavoura anual, de ciclo longo, não dava o retorno com a rapidez esperada. O jeito foi, então, investir no cultivo de culturas de ciclo curto e as frutas e hortaliças foram as escolhidas. “Sem dúvida, foram os japoneses que iniciaram o Cinturão Verde”, garante Yamanaka.
Quem conseguia juntar um certo dinheiro, saía em busca de terras para comprar e migrava para a fruticultura, atividade mais rentável em relação ao cultivo de hortaliças e que oferecia mais estabilidade ao produtor. Regiões como Ribeirão Pires, Mauá, Bragança, Guararema, Itaquera e Parelheiros foram ocupadas por imigrantes e tornaram-se conhecidos pólos produtores de alimentos.
Com sementes trazidas do Japão, os imigrantes passaram a cultivar, também para suprir seus hábitos alimentares, soja, arroz cateto, feijão azuki, couve japonesa, nabo, rabanete, batata-doce, inhame, cebolinha, renkon, rakyio, nirá, entre outras ?novidades?, o que acabou contribuindo para a mudança da dieta do brasileiro, até então composta apenas por arroz, feijão, carne seca e farinha de mandioca. “Foram os imigrantes que introduziram legumes e verduras na alimentação do brasileiro, porque eles próprios estavam habituados a um tipo de alimentação e precisavam produzir para poder se alimentar”, explica Yamanaka.
NO INÍCIO, BATATAS
Em 1911, em Taipas, onde hoje está localizado o Morro do Jaraguá, um imigrante japonês começou a plantar batata. Por ser uma lavoura rápida, o negócio deu certo e acabou atraindo outros imigrantes para regiões próximas a São Paulo.
Teijiro Suzuki, conhecido como um dos pioneiros da imigração japonesa no Brasil, interessou-se e foi para Cotia iniciar um plantio de batatas. Nesta época, proprietários de terra arrendavam áreas para os imigrantes produzirem, conta Yamanaka. Na USP, no local onde hoje se pratica remo, lembra o agrônomo, por ser terreno de baixada, de terra preta, era ideal para abrigar plantios do tubérculo.
A essa altura, os imigrantes que estavam no interior de São Paulo já estavam com contratos vencidos nas lavouras de café, não tinham condições de voltar ao Japão e procuravam o que fazer. Foi aí que o cultivo de hortaliças e frutas surgiu como uma oportunidade.
A produção era vendida onde hoje é o Largo da Batata – daí o nome dado ao conhecido ponto no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. A produção era trazida pelos japoneses em lombos de burros para ser comercializada no local. O problema, porém, é que os comerciantes locais regateavam e a produção era vendida a preços muito baixos. Para tentar resolver esse problema, os produtores tiveram a idéia de se unir em grupos. A iniciativa tanto serviu para aumentar o poder de negociação da produção dos imigrantes, como facilitou e barateou a compra de insumos.
Em 1927, um grupo de 83 agricultores se reuniu e fundou a Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC). Na época, não havia legislação específica para o cooperativismo e a CAC foi criada como Sociedade Limitada. Depois da iniciativa da cooperativa de Cotia, outras surgiram com o mesmo propósito. Em São Paulo, além da Cooperativa Agrícola Sul Brasil, surgiram a Cooperativa Agrícola Bandeirantes, a Cooperativa Central de Bastos, a Cooperativa Agrícola da Fazenda Katsura de Iguape, a Cooperativa Agrícola de Registro, entre muitas outras. Segundo Yamanaka, “todas tornaram-se ícones da coletividade nipo-brasileira”. A formação de cooperativas estimulou, ainda, a industrialização de insumos agrícolas, já que, agora, era preciso ter escala de produção para atender a essa nova clientela.
Yamanaka conta que o Cinturão Verde não foi algo pensado. Como muitos imigrantes produziam hortaliças, mercadoria altamente perecível, o local de produção não podia ser muito distante de São Paulo. Naturalmente, esses produtores começaram a se instalar ao redor da metrópole, sem ter consciência de estarem formando um movimento de fato. “Cotia foi onde o cinturão verde começou, a partir da capacidade de determinados imigrantes de liderar grupos, que resultaram na formação de cooperativas”, diz Yamanaka.
Na época da construção de Brasília, na década de sessenta, Yamanaka conta que o político Israel Pinheiro, responsável pela construção da cidade, veio a São Paulo interessado em criar, em Brasília, um cinturão verde semelhante ao de São Paulo, para alimentar a nova população. Uma comitiva paulista seguiu, então, para a futura capital federal e constatou que a terra de lá era “muito ruim”. O presidente Juscelino Kubitschek foi informado sobre as pobres condições da terra de Brasília, mas não aceitou a justificativa: “Chamamos vocês porque japonês sabe produzir até em terra ruim”, foi o argumento ouvido pela comitiva, que recebeu, gratuitamente, áreas para cultivo. Foi aí que nasceu o Cinturão Verde de Brasília.
Em São Paulo, com a expansão da produção de frutas, legumes e hortaliças, o Largo da Batata não era mais só da batata. O ponto de comercialização foi então transferido para o Mercado Central, atual Mercado Municipal Paulistano. Com a criação do Centro Estadual de Abastecimento (Ceasa), atual Ceagesp, na década de 60, a comercialização das mercadorias concentrou-se no local que serviu de modelo para outros Estados, como Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro.