ECONOMIA & NEGÓCIOS
11/10/2009
Exportação de manga do Vale do São Francisco, considerada artigo de luxo no Japão, caiu 40%
Paula Pacheco
O anúncio do fechamento das três lojas da grife italiana Versace em Tóquio, na semana passada, teria tudo para agitar o mundinho da moda e dos negócios. Mas a notícia não chegou a surpreender. Não é de hoje que uma das maiores economias do mundo anda de lado. Até o mês passado, o país acumulava meses de recessão. Mas, apesar de parecer engatinhar em direção da recuperação, deixou uma trilha de problemas.
A crise do gigante asiático levou à mudança de hábito na população, respingou nos países com quem o Japão tem relações comerciais e, quem diria, chegou ao Vale do São Francisco, no Agreste nordestino. As exportações, em toneladas, na comparação entre janeiro a setembro de 2008 e 2009, caíram quase 40%.
Foram quase duas décadas até o Brasil conseguir autorização do governo japonês para exportar mangas. No fim de 2004 o acordo foi fechado e os produtores investiram em melhorias nos pomares para aproveitar um mercado com disposição para pagar caro.
O problema é que os japoneses não abandonaram apenas as bolsas da Louis Vuitton e os modelos da Versace para ficar com as marcas mais baratas. A cautela chegou aos supermercados. Frutas exóticas, como o melão, vendido em Tóquio por até R$ 180, viraram artigo de luxo. A manga brasileira, comercializada por valores que variam de 2,5 mil ienes a 5 mil ienes (quase R$ 100), de acordo com a época do ano, também saiu do cardápio.
Diretor da Agrobras, maior exportadora de mangas para o Japão, Silvio Medeiros não disfarça a preocupação. Segundo ele, a situação se agravou nas últimas três semanas. Os pedidos caíram mais de 50%. Nos bons tempos o produtor embarcava em média 5 mil caixas da fruta por semana. Agora são de 1,5 mil a 2 mil caixas. “É o mercado que paga melhor pela nossa fruta no mundo”, diz.
Depois de ser colhida, a fruta é mergulhada em água a uma temperatura de 46ºC, depois fica em repouso por 24 horas em cera de carnaúba para ganhar brilho. O controle é muito rigoroso. Há um fiscal japonês que monitora todo o processo até, finalmente, as frutas serem embarcadas de avião.
A esperança de Medeiros é que a proximidade do fim do ano reaqueça os negócios para os exportadores brasileiros. “Com o clima frio, só existe fruta no hemisfério norte”, afirma.
Outra exportadora é a Nova Fronteira. A queda nos pedidos até agora, segundo o diretor comercial Frederico Cabral da Costa, é de 15%. “O motivo é a crise. A manga é um produto especial, muito exótico. O japonês deixou de adquirir bens que não sejam do dia a dia. A sorte é que o volume para lá é pequeno em relação a outros mercados, como o dos Estados Unidos e o europeu”, detalha o empresário.
O OUTRO LADO DA CRISE
Quem pode pegar carona na nova fase do consumo japonês são alguns estilistas brasileiros, como Alexandre Herchcovitch e Oscar Metsavaht, dono da Osklen, ambos com lojas na capital do país. Com preços mais baixos do que os ícones da moda mundial, eles têm a chance de se apresentar como alternativa ao período de vacas nem tão gordas assim.
Herchcovitch tem uma loja em Tóquio desde 2007, aberta pela empresa HP France por meio do sistema de franquia. Recentemente ele mudou de ponto para uma rua com mais movimento. O estilista está otimista: “Lá há os que ligam para grandes marcas e os que ligam para as pequenas, mas o mais importante é que não tem preconceito em comprar esta ou aquela marca, usam de tudo. Agora o consumo deverá ser mais consciente”.
Quem já ganha com a mudança de hábito são as redes de desconto, como o Walmart. Depois de sete anos operando no vermelho, o grupo americano viu as vendas aumentarem mês a mês desde novembro passado.
Segundo Alexandre Uehara, doutor em política externa japonesa e coordenador do curso de relações internacionais da Faculdades Integradas Rio Branco, o perfil do consumo de alta renda no Japão, ao contrário de países como Brasil, não tem a ver com sinal de status.
“A lógica é tentar se tornar parecido com os outros, de fazer parte de um mundo internacional, mais moderno. Mas com a insegurança no mercado de trabalho, o fim dos bônus nas empresas, isso tudo começou a ser revisto e os costumes têm se adaptado”, diz Uehara.
Segundo o Departamento de Assuntos Econômicos da Embaixada do Japão no Brasil, as commodities metálicas lideram com folga a pauta de exportação brasileira. Os embarques de frango sofreram uma forte queda, enquanto o etanol, alguns itens agrícolas, como o suco de laranja e o café em grão, tiveram um acréscimo depois da crise.