Pesquisadores da Unicamp conseguem modificar o DNA de cafeeiros para que produzam sementes livres da substância estimulante
CIÊNCIA
03/07/2010
Gisela Cabral
O café descafeinado já corresponde a cerca de 10% das vendas mundiais da bebida. De olho em um mercado que está em pleno crescimento, uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu um cafeeiro naturalmente desprovido da cafeína. O procedimento utilizado no experimento é baseado na indução de mutação em sementes. Patenteada, a técnica está disponível para empresas interessadas.
Para chegar a esse resultado, os cientistas utilizaram compostos que alteraram o DNA das sementes, afetando um gene crucial para a biossíntese de cafeína. “Esse procedimento é muito usado na agricultura para modificar determinadas características das plantas”, conta Paulo Mazzafera, responsável pelo estudo.
A pesquisa sobre cafeeiros desprovidos de cafeína teve início há seis anos, quando um grupo de pesquisadores do qual Mazzafera era integrante descobriu pés de café que se desenvolveram naturalmente sem a substância estimulante, fato divulgado, na época, pela prestigiada revista Nature. “As plantas que conhecíamos em 2004 eram pouco produtivas, selvagens. Por isso, decidimos coletar sementes de cafeeiros produtivos (comercialmente plantáveis) e tratá-las com mutagênicos. Os cultivares que temos hoje são bastante produtivos”, destaca o docente da Unicamp. Durante os experimentos, foram usadas sementes do cafeeiro comercial catuaí-vermelho (Coffea arabica).
De acordo com Mazzafera, essas sementes foram tratadas com dois tipos de substâncias mutagênicas (capazes de provocar mudanças genéticas). Do total de germinações, sete plantas mutantes que combinaram produtividade e ausência de cafeína foram selecionadas pelo pesquisador. As plantas obtidas demonstraram bastante vigor e já estão produzindo flores.
O professor diz que o interesse comercial pelo café sem cafeína ainda é pequeno no Brasil, mas o mercado externo é promissor. “O consumo na Europa e nos Estados Unidos tem crescido muito, devido à divulgação dos efeitos maléficos da cafeína no organismo. Menos de 1% do café comercializado em território brasileiro é descafeinado”, informa.
Sem expressão
Modificações em outros tipos de semente, como as da soja e do feijão, é uma das áreas mais exploradas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Para o pesquisador do órgão Francisco Aragão, a ausência de cafeína em cafeeiros modificados se dá por meio de uma espécie de “silenciamento” do genes que faz com que a cafeína se expresse. “Temos formas de promover essas modificações por meio da genética de plantas”, confirma.
O procedimento, esclarece o cientista, é a grande diferença entre uma planta transgênica(1) e uma planta mutagenizada, caso do cafeeiro desenvolvido pela Unicamp. Enquanto a primeira recebe um gene de fora, a segunda tem o próprio gene alterado por meio de agentes químicos, físicos e pela própria engenharia genética. De acordo com Aragão, a Embrapa realiza procedimentos que envolvem engenharia genética e mutação convencional. “No caso da mutação, estamos buscando plantas mais tolerantes a compostos tóxicos encontrados no solo, plantas com melhoramento nutricional”, explica.
1 – Soja modificada
A Embrapa foi responsável pela produção da primeira planta transgênica comercial gerada no Brasil: uma soja resistente a um tipo de herbicida. “Recebemos a aprovação para comercializá-la no ano passado. Isso quer dizer que já é possível plantá-la e consumi-la”, explica Francisco Aragão, lembrando que este ano os pesquisadores pretendem pedir a liberação comercial de um tipo de feijão resistente a vírus.