VIDA&
01/09/2010
Lavoura com seguro ambiental
Produtores que protegem reservas, como manda a legislação, ganham em qualidade da água e no controle natural de pragas
Fernanda Yoneya, Leandro Costa – O Estado de S.Paulo
A imensa área de reserva legal chama a atenção logo na entrada da Fazenda Conquista, do Grupo Ipanema Coffees, em Alfenas (MG). Mas é de um antigo mirante, em meio à lavoura, que se pode apreciar um dos bens mais preciosos da Conquista: o lago de Furnas. Ele contorna parte da fazenda, de mais de 2 mil hectares, e é o principal responsável por criar o microclima que protege plantações de baixas temperaturas. Não à toa, o lago é um dos principais beneficiados pelo Projeto Ipê Amarelo, que prevê o plantio de mais de 500 mil mudas de espécies nativas nos próximos oito anos.
O grupo já plantou 200 mil mudas e ainda preserva 250 hectares de Mata Atlântica. \”Com as áreas de preservação permanente (APPs), mantém-se a qualidade e o fornecimento de água. E elas funcionam como um corredor de fauna\”, diz o diretor de Novos Mercados da empresa, Edgard Bressani.
A Ipanema Coffes passa longe da polêmica criada pelo relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que propõe mudanças no Código Florestal e reduz o porcentual da área a ser protegido em propriedades rurais de todo o País. O grupo preserva a mata em 31% dos pouco mais de 6 mil hectares de suas quatro fazendas em Minas. \”Você cria um ambiente favorável, com insetos e animais que realizam uma espécie de manejo ecológico. Se houver tatus, por exemplo, a população da cigarra que ataca a raiz do pé de café é controlada naturalmente\”, diz o diretor-presidente da Ipanema, Washington Luiz Alves Rodrigues. \”Não há compensação econômica direta. Mas o Ipê Amarelo nos permite atingir níveis de certificação ambiental e social internacionais. E há um ágio no preço do café produzido seguindo essas normas.\”
O produtor de café Virgolino Adriano Muniz vê as áreas de preservação da Fazenda das Almas, em Cabo Verde (MG), como investimento a longo prazo. \”A fazenda tem macaco, quati, lobo-guará e várias espécies de aves. Isso não existia.\” A propriedade, de 250 hectares, tem 50 de reserva legal e 34 de APP. Uma das prioridades de Muniz é preservar as 22 nascentes. \”Hoje, a lei protege no mínimo 30 metros nas margens. Em alguns locais, por causa da mata, a umidade aumentou. A infiltração da água de chuva no solo é maior, o que ajuda a abastecer o lençol freático. Com o solo protegido, não há risco de erosão.\”
A Usina São Francisco, de Sertãozinho (SP), também conseguiu bons resultados na busca por um sistema de produção sustentável. Criado em 1987, o Projeto Cana Verde, de conversão de agricultura convencional para orgânica, instalou nos 7.500 hectares de lavoura da São Francisco ilhas de biodiversidade, integrando áreas nativas e cultivadas. A usina elevou a produtividade em 25%: colhe 115 toneladas por hectare, ante 84 t da média do Estado.
Em pouco mais de 20 anos, a empresa já plantou mais de 1 milhão de árvores, em margens de cursos d\”água e em áreas como várzeas, criatórios de peixes, aves, mamíferos e outros animais. \”Com o retorno da biodiversidade, a natureza responde. Hoje, o canavial é cheio de insetos, mas não há danos à lavoura\”, diz o diretor agrícola da São Francisco, Leontino Balbo Júnior.
A São Francisco fez um inventário da fauna, coordenado pela Embrapa Monitoramento por Satélite. Os técnicos da Embrapa concluíram que a biodiversidade no local é até quatro vezes superior à de áreas convencionais. Em 2004, foram identificadas 247 espécies de vertebrados superiores – anfíbios, pássaros, mamíferos e répteis. De 2004 a 2008, o número subiu para 325. Hoje, mais de 340 tipos de animais vivem e se multiplicam nas terras da usina.
\”Gafanhoto\”. Além dos quase 10 hectares de florestas averbados como reserva legal, a propriedade do cafeicultor Amilcar Alarcon Pereira em Franca (SP) tem APPs como topos de morro e margens de rio. Com isso, a lavoura só ocupa 27 dos 48 hectares. \”Há trechos onde a mata ciliar chega a 80 metros de largura. E o que a lei exige são 30\”, diz. \”Vi minhas reservas de água crescerem dez vezes em relação a propriedades que não têm tantas áreas de floresta.\”
Um dos fundadores da cooperativa de cafeicultores de Franca, Pereira é categórico no debate sobre mudanças no código. \”Sou contra, principalmente no que diz respeito a reduzir a reserva legal. A humanidade já se comporta como gafanhoto, consumindo mais do que o planeta pode dar.\”
Para o professor Gerd Sparovek, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo, não é necessário revisar o código para permitir o desenvolvimento do setor agropecuário. Segundo ele, o estoque de áreas de alto potencial agrícola ainda cobertas por mata natural no País é relativamente pequeno, tem cerca 7 milhões de hectares. \”Temos 60 milhões de hectares de elevada e média aptidão agrícola que estão sob pastagens e podem ser utilizados para a expansão agrícola\”, afirma Sparovek. \”A agricultura não precisa das terras cobertas com vegetação natural para se desenvolver.\”