Indicações Geográficas: Por dentro da Nova Onda – II

Por: Ensei Uejo Neto*

A cada ciclo de preços de café, com seus picos e vales, observa-se um conjunto de significativas mudanças na cadeia, desde o plantio até o segmento consumidor.


Quando ocorrem os picos de preços, devido à queda da oferta, as margens dos segmentos mais próximos à ponta de consumo ficam mais estreitas, obrigando seus participantes a serem criativos. É quando novidades de origem tecnológica chegam aos clientes do grande varejo e novos conceitos são lançados nos pontos de serviço.


Por outro lado, é quando os produtores podem se recompor financeiramente e promover investimentos em suas propriedades.


O quadro abaixo, com dados da OIC – Organização Internacional do Café, em tratamento gráfico elaborado pela equipe da Universidade Federal de Lavras e disponível no website do Centro de Inteligência do Café (www.cicbr.org.br) apresenta os preços pagos ao produtor brasileiro no período de 1975 a 2005.





A fundação da SCAA – Specialty Coffee Association of America/Associação Americana de Cafés Especiais aconteceu em 1982, próximo do nível mínimo de preços do café cru no “Vale de Preços” dos anos 80. Apesar dos baixos preços da matéria-prima, o mercado consumidor estava desestimulado, com o declínio de consumo resultante do “Pico de Preços” ocorrido em 1977.


Os novos conceitos e serviços junto ao consumidor começaram a ganhar impulso, naquele mercado, com o aparecimento das “Novas Cafeterias” na região noroeste dos Estados Unidos, tendo como pólo irradiador a cidade de Seattle, WA.


Por outro lado, no Brasil era lançada pela alemã Melitta a embalagem em alto vácuo, que garante a preservação dos atributos sensoriais do café em pó por um período prolongado. Foi uma revolução no comércio de café em nosso país, conferindo posicionamento superior aos cafés embalados nesse sistema em relação à tradicional embalagem almofada.


No início da década de 1990, durante o dramático “Vale de Preços”, os produtores brasileiros trouxeram, juntamente com algumas das indústrias brasileiras inovadoras, o conceito dos “Cafés Especiais”. Nesse primeiro momento, conforme abordado anteriormente, a principal mensagem relativa ao Café Especial estava calcada no “Estate Coffee”.


Para os produtores em geral, este ciclo representou a introdução dos concursos de qualidade, inicialmente realizado pela italiana illicaffè e cuja premiação, pelo seu caráter aberto, estimulou e ainda estimula a produção de cafés de alta qualidade.


Mas, a grande geada de 1994 traria um quadro novo e inusitado para os tempos modernos, pois o “Pico de Preços” acabou se extendendo por uma combinação de seca no Brasil. O lado perverso desse longo período de 5 anos com elevados preços foi o estímulo de plantio tanto no Brasil quanto nos países competidores. Naquela época, como hoje, a sobrevalorização do Real perante o Dólar Americano fez com que os produtores não pudessem aproveitar o bom momento em sua plenitude.


Novamente, pressionadas pela elevação dos preços do café cru, na entrada do Século XXI as indústrias brasileiras  ensaiaram a introdução de novos conceitos, muitos deles desenvolvidos em conjunto com os produtores. Com a demarcação da região do Cerrado Mineiro, seus produtores fizeram uma primeira tentativa de lançar através de um convênio com algumas empresas de torrefação brasileiras cafés estampando sua origem regional, identificados como “Café do Cerrado”.


Esse movimento, que acabou abrindo a visão do mercado para uma “nova onda”, tem como elemento preponderante o conceito de região e, conseqüentemente, da estreita ligação que as condições geográficas têm na composição do perfil sensorial do café.


Há, também, um outro aspecto interessante: esse novo ciclo coincide com a entrada do Novo Milênio, que é conhecido como a Era de Aquário. Coincidência ou não, o fato é que para os estudiosos das artes astrológicas, a Era de Aquário tem como principal característica estimular movimentos coletivos, que transcendem os objetivos individuais e impõem uma nova ordem.


As Indicações Geográficas são decorrentes de esforços coletivos, ao contrário do conceito de “Estate Coffee” que se refere a um produtor isolado. Além disso, a origem em questão deve obrigatoriamente possuir um Regulamento de Produção e um órgão regulador. As entidades de representação coletiva, principalmente associações ou conselhos de região, exercem papel importante nesse contexto.


Os principais produtos de origem agrícola, como o azeite de Portugal ou os vinhos provenientes de importantes origens, apresentam um selo de garantia, quando os produtos estão devidamente qualificados, expedido por uma entidade com aquelas atribuições.


O fato de demarcar uma região, o que por si só já é um ato de grande relevância, não significa que virtualmente daí sairá uma Indicação Geográfica. Há que se organizar a produção local em estrutura por vezes denominada “Arranjo Produtivo”.


A padronização dos processos produtivos é o primeiro requisito nesse particular, abrangendo aspectos administrativos e técnicos que têm de ser discutidos e aceitos pela coletividade. Afinal, a padronização do produto é a base para que se estabeleça uma estrutura comercial.


Ainda com base no gráfico apresentado, o início do Novo Milênio trouxe a mais aguda crise vivida pelo setor de produção de café, quando o “Vale de Preços” conheceu sua profundidade mais abissal. Como que guiados pelo instinto de sobrevivência, os produtores passaram a dispensar mais cuidados na gestão administrativa das propriedades, como reverberação do movimento das certificações de processos introduzidos por entidades certificadoras internacionais como a Utz Kapeh Foundation e Rain Forest Alliance.


E, finalmente, o item de maior complexidade e que exige contínuo investimento é o  da comunicação com o mercado, com o objetivo de demonstrar que os processos produtivos são consistentes, que as organizações estão estruturadas e profissionalizadas, e, principalmente, que os produtores estão preparados para “surfar nessa nova onda”.    








Sobre o Autor


Ensei Neto é consultor em Marketing e Qualidade de Cafés Especiais.


Engenheiro Químico pela Escola Politécnica da USP tem especialização em Tecnologia de Alimentos e Marketing.


Trabalhou em indústrias de alimentos por 9 anos e foi cafeicultor por mais de 12 anos, conhecendo desde o preparo de mudas até o comércio internacional. 


Faz parte do Comitê de Normas Técnicas da SCAA – Specialty Coffee Association of America e do Board do CCWC – Coffee Cuppers World Council, sendo seu representante para o Brasil.


É Instrutor de cursos e workshops sobre avaliação sensorial de café com a chancela CCWC, que é vinculada à SCAA. 


Veja o Blog do autor  www.coffeetraveler.net
E-mail bureaucoffees@terra.com.br


 


 

Mais Notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.