Publicação: 06/07/09 – Relato histórico do café no Brasil desde 1929
José Rodrigues, para o Valor, de Santos
A quebra da bolsa de Nova York, em 1929, dá a medida das incertezas históricas que marcaram o comércio de café. As exportações brasileiras, que haviam alcançado o recorde de 13,5 milhões de sacas em 1909, não ficaram imunes e encolheram para 9,3 milhões de sacas no ano do “crash” e no seguinte, com sérias sequelas para a economia do país.
Mal superadas as consequências da crise, outro duro golpe, desta vez por causa da Segunda Guerra Mundial, reduziu os embarques a esquálidas 4,5 milhões de sacas em 1942, equivalente a apenas 15% do volume da safra encerrada em junho. Outras pancadas viriam, em ciclos de altas e baixas que se sucedem até hoje.
Esse histórico de ansiedades é fruto da própria grandeza do café, cujas mudas entraram sorrateiramente no país, vindas da Guiana Francesa. Frades capuchinhos as teriam plantado na então rua dos Barbonos, atual Evaristo da Veiga, no Rio de Janeiro, por volta de 1760. Dali se espalharam para o interior do Estado, depois para os vizinhos, numa rápida disseminação que transformou o Brasil no maior produtor e exportador mundial do grão – que se tornou, por sua vez, o grande protagonista da vida econômica nacional.
Esse gigantismo de uma só cultura, responsável pelo ciclo do café (1880-1930), fez do país um refém do produto, com dirigismo sobre a política cambial, repercussões no endividamento externo e na própria política. Ganhava corpo então no Brasil uma hegemonia de São Paulo, que com o fortalecimento de seu parque cafeeiro aliou-se a Minas Gerais e co-liderou a Política do Café com Leite até o golpe de 1930, liderado por Getúlio Vargas.
Não era para menos. Em 1929, São Paulo atendia a dois terços do consumo de café no mundo, enquanto três quartos da balança comercial brasileira repousava nas pujantes exportações da commodity. Ante tamanha supremacia, tornava-se difícil um equilíbrio entre produção e exportação, o que provocava sucessivas intervenções do governo para acudir os produtores nas supersafras, que tornaram-se comuns e comumente eram seguidas de fortes quedas de preços.
Entre 1827 e 1830, o peso do café na balança comercial, à época contabilizada em libras-ouro, chegou a 69,5%. A expansão coincidiu com a tendência descendente do açúcar, que duraria até o fim do século XIX. Mas essa elevada participação do café na balança seria suplantada em 1952, no governo – desta feita eleito – de Getúlio Vargas, quando a fatia do carro-chefe das exportações atingiu impressionantes 73,7%. Naquele ano, os embarques cafeeiros renderam US$ 1,045 bilhão.
Vieram os anos de JK (1956-1961) e os estímulos à industrialização, que introduziram o país, definitivamente, no mercado de manufaturados. Foi quando a rampa de descida do café no comércio exterior começou a se consolidar. Em valor, a participação do antigo carro-chefe caiu a 20% em 1973, até chegar aos 2,3% de 2008. Engana-se quem pensa que o ano passado foi ruim, pelo menos no que se refere ao volume embarcado. Afinal, foram mais de 29 milhões de sacas, incluídos os volumes equivalentes em café solúvel e torrado. Foi o recorde que está sendo suplantado agora, com as mais de 31 milhões de sacas vendidas.
De duas décadas e meia para cá, a performance do segmento, mesmo com sobressaltos e períodos de crise, mostra que as exportações reagiram positivamente ao fim da política intervencionista e controladora que prevaleceu até o início do governo de Fernando Collor. Logo no início da gestão, em 1990, fase fértil em decisões heterodoxas, o ex-presidente extinguiu o Instituto Brasileiro do Café (IBC).
Até aquele momento, a história mostrava diversas intervenções diretas e indiretas no mercado cafeeiro do país. Elas envolviam produção, consumo interno e exportação, e em muitos casos, por mais paradoxal que possa parecer, incentivavam a expansão do plantio em países concorrentes. Nesse rol está o Convênio de Taubaté, de 1906, um pacto entre Estados produtores (São Paulo, Minas e Rio de Janeiro) que buscava a valorização artificial do produto. O acordo deveria ter a aprovação do então presidente da República, Rodrigues Alves, mas ele se recusou a assiná-lo e a tarefa coube ao vice-presidente Afonso Pena.
Outras interferências vieram. Com a crise de Wall Street e o excesso de produção, de 1931 a 1944 foram incineradas no país mais de 78 milhões de sacas de café, e decisões posteriores se sucederam em uma tentativa de remendar políticas governamentais ineficientes e iniciativas equivocadas do setor produtivo. Ou a soma das duas coisas. Entre as medidas de governo adotadas nas décadas seguintes com o mesmo objetivo de tirar do mercado café encalhado, estão a venda de estoques do ex-IBC para consumo interno por preços simbólicos (os grãos tinham uma coloração diferenciada para não serem exportados) e o estímulo à indústria de solúvel, que historicamente se mostrou um agregador de valor. A mesma ex-autarquia federal promoveu leilões de cafés a preços competitivos enquanto as autoridades monetárias concediam múltiplas linhas de financiamento para os exportadores. Uma delas foi até batizada de “saque careca”, por se basear em sacas de café já financiadas.
Também houve tentativas internacionais de intervenções. A criação da Organização Internacional do Café, em 1962, teve o mesmíssimo caráter salvacionista, desta vez incentivado por diversos países produtores, com o Brasil à frente. Sucessivos acordos na Berners Street, em Londres, onde está a sede da OIC, garantiram cotas de exportação ao mercado, com cortes de oferta nos períodos de baixa dos preços e ampliação nos de bonança.
No Brasil, a política também acionou um sistema de cotas para os exportadores, com elevados ganhos para empresas – mesmo aquelas que apenas revendiam as cotas para outras que de fato embarcavam o produto. Como um dos critérios se baseava em estoques, as cooperativas, com a função natural de armazenar café de seus associados, tiveram a chance de crescer no mercado externo.
A essa altura, a realidade cafeeira nacional já era bem diversificada. A cultura florescia em vários Estados, e outros portos ganharam importância no escoamento das vendas, ainda que Santos tenha preservado seu papel central no comércio do produto, consolidando-se como a porta de saída de cerca de dois terços das exportações do país.
Efeitos climáticos adversos contribuíram para a diversificação do plantio, que buscou regiões naturalmente livres de geadas. Talvez a mais famosa delas, em 1975, dizimou toda a lavoura cafeeira do Paraná, parte da produção paulista e teve reflexos também em Minas Gerais, mas bem menores.
Foi uma ótima oportunidade de crescimento para os mineiros. Os preços “explodiram” nos principais mercados. Ante a média de US$ 0,71 por libra-peso de 1975, a cotação chegou a US$ 3,15 (US$ 397 por saca de 60 quilos) em abril de 1977. E a cafeicultura de Minas, que na safra 1974/75 representava apenas 17,4% da produção nacional, nos anos seguintes avançaria até atingir mais de 50% nos anos recentes, com amplo predomínio de cafés de qualidade da variedade arábica.
Por ser o maior produtor e exportador do grão, o Brasil, ao comandar a oferta, também sempre foi o farol dos preços. Daí a denominação de “guarda-chuva” para a política cafeeira do país, que na prática abrigava os concorrentes. Os cafés suaves da Colômbia se beneficiaram do abrigo, bem como o café robusta do Vietnã, hoje o segundo maior exportador mundial, com participação de 19% do mercado (18,2 milhões de sacas). A liderança continua com o Brasil, com fatias que giram em torno de 30%.
Fusões e incorporações entre grandes torrefadores internacionais impuseram igual tendência para as casas exportadoras brasileiras. Do volume total exportado de café verde no ano passado (26, 115 milhões de sacas), as dez empresas do topo da lista embarcaram o equivalente a 73,9%. Do número total de companhias exportadoras, essas dez correspondem a apenas 4,6%.