História: Ribeirão Preto despovoa o Vale do Paraíba – em dezembro de 1876, a série de sete artigos intitulados A Terra Roxa

[23/05/2006] Ano: 101 Número: 118

Por: Jornal A Cidade

























Nicola Tornatore

Publicados no jornal “A Província de S. Paulo” (hoje “O Estado de S. Paulo”) em dezembro de 1876, a série de sete artigos intitulados “A Terra Roxa”, escritos por Luiz Pereira Barreto, desencadeia um fluxo migratório que vai despovoar inúmeras cidades do vale do Paraíba fluminense e paulista.
Os artigos de Luiz Pereira Barreto no “A Província de S. Paulo” e depois os de Martinho Prado Junior (Martinico Prado), em jornais de Resende, enaltecem as terras de Ribeirão Preto e São Simão, muito mais produtivas e baratas que as do vale do Paraíba fluminense. Nos anos seguintes, milhares de moradores de cidades como Resende, Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Barra do Piraí (no Rio de Janeiro), Areais, Bananal, Queluz, Silveiras, São Bento do Sapucaí e São José do Barreiros (São Paulo), entre outras, migram para o “oeste paulista”.
Renato Jardim (vereador e prefeito interino de Ribeirão Preto), que publicou o livro “Reminiscências” em 1946, é o autor que melhor descreve a corrida em direção à “terra roxa” (seu pai Gustavo Jardim comprou terras em São Simão em 1879): “(…) Lavradores em massa abandonavam a querida gleba e iam tomar lugar entre os devassadores do sertão, criadores da grande lavoura de café da afortunada região de terras encaroçadas. Outros muitos vendiam as suas terras e com suas famílias, às vezes de composição numerosa, imitavam-nos. (…) Da data da pregação de Pereira Barreto até os anos imediatamente subseqüentes à Abolição, inúmeras famílias migraram para a nova terra do ouro verde. (…) Não migrava somente o lavrador, e sim toda gente: artífices de todos os gêneros, pedreiros, carpinteiros, negociantes, industriais, médicos… Enchia-se o oeste de gente destas bandas: os Barretos, os Nogueiras, os José dos Santos, os Whately, os Jardins, os Domicianos de Assis, os Pereira da Fonseca, os Pompéia, os Leite, os vários Carvalho, os Dias do Prado, os Pereira Viana, os Almeida Macuco, os Alves Meira e tantos outros”.

Resende se esvazia

Em 1876, ano da Caravana Pereira Barreto, a população de Resende era de 28.964 habitantes. Em 1890, segundo João de Azevedo Carneiro Maia (“Notícias Históricas e Estatísticas do Município de Resende”/1891), havia caído para 25.210. “O que mais impressiona é o cálculo de qual seria a população em 1890 se não houvesse ocorrido o êxodo. A um crescimento médio de 2% ao ano, típico daqueles tempos, Resende deveria estar em 1890 com algo perto de 38.200 habitantes. Ou seja, perdeu dez mil pessoas, entre os que migraram e os que nasceram no oeste paulista”, comenta José Eduardo de Oliveira Bruno, especialista na “Caravana Pereira Barreto”.
Luiz Pereira Barreto, tido e reverenciado na região de Ribeirão Preto como grande incentivador da migração para o “oeste paulista”, não tem a mesma consideração na sua cidade natal. “Ele é muito mais reverenciado lá em Ribeirão Preto do que aqui em Resende. O baque na economia provocado pelo êxodo foi tal que Luiz Pereira Barreto chegou a ser muito criticado”, conta Maria Celina Whately, presidente da Academia Resendense de História e sobrinha-bisneta de Thomaz Whately, um dos tantos moradores de Resende que migraram para Ribeirão Preto.

Pereira Barreto faz o elogio da “terra roxa”

Trechos selecionados da série de artigos “A Terra Roxa”, publicados no jornal “A Província de São Paulo” em dezembro de 1876:
“Para ser breve, direi que é na constituição física e na espessa camada de terreno roxo, que reside o segredo da sua uberdade e toda a garantia da província de São Paulo.
É a constituição física que determina o estado granuloso, pulverulento, encaroçado do terreno roxo, e que o faz mole, fofo, permeável e perfeitamente espongóide. É este estado esponjoso, e não a sua declividade dos lançantes dos chapadões, que explica o alto poder higrométrico da terra roxa, a sua fácil embebição pelas águas pluviais, e rápida infiltração destas através de toda a sua massa. É a absorção completa e imediata das águas da chuva.
A província de São Paulo possue grande número de municípios do mais alto valor em terras de cultura; e é difícil mesmo a um lavrador, que vem de fora, saber a qual deve dar preferência. Mas, quando mesmo não possuisse o Ribeirão Preto, ainda assim seria ela a primeira província do Império.
Só este era bastante para colocá-la acima de tudo quanto a imaginação pode conceber de mais surpreendente. É ali que a natureza tropical condensou todas as forças de sua fecundidade e derramou à profusão todas as maravilhas de sua onipotente criação
O Ribeirão Preto é o vasto repositório em que a “Flora Brasileira” se ostenta em sua mais enérgica e deslumbrante expressão. É a esse município que eu aconselharia uma visita a todos aqueles que aprenderam a achar um supremo gozo nos grandes contatos com o mundo criador, no grandioso espetáculo da natureza viva.
Graças às suas terras excepcionais, a província de São Paulo é a única que escapará ao naufrágio geral da nossa lavoura.”

Correspondência mostra demanda por trabalhadores

Na origem da família Whately está o médico inglês Thomaz Whately, que nasceu em Londres em 1801 e migrou para Resende em 1827. Foi o primeiro cirurgião da cidade. Dois de seus filhos com Francisca Xavier Toledo (Thomaz e Alfredo) vão participar da corrida em direção ao oeste paulista. Casado com uma irmã de Luiz Pereira Barreto, Thomaz, que se formou em Medicina mas não quis exercer a profissão, compra a fazenda Ibiapina, perto da fazenda Cravinhos, em 1888.
Seu irmão Alfredo entra no negócio como sócio mas não deixa Resende, onde participava da política (foi presidente da Câmara Municipal e liderou a facção liberal). A troca de correspondência entre os dois é bastante reveladora da carência, na incipiente Ribeirão Preto, por todo tipo de trabalhador – do colhedor de café ao marceneiro, do pedreiro ao tratador de animais. Thomaz Whately se tornou um grande produtor de café e após sua morte foi homenageado com a Avenida Thomaz Alberto Whately. A seguir, trechos de cartas de Thomaz para o irmão Alfredo, nos anos de 1888 e 1889:

Ibiapina, 26 de junho de 1888

(…) Estou muito precisado de carpinteiro para nossas obras. Aqui são muito caros e, em geral, ruins. Veja se podes com urgência arranjar-me quatro ao menos.

Cravinhos, 6 de maio de 1888

Alfredo
No dia 3 deste Estephania deu à luz uma menina (…) passando muito bem.
Já deves saber que a Relação confirmou a sentença anulando a medição, mas esperamos breve julga-la de novo. Logo que foi conhecida a decisão tratei as terras que nos tocam, que sempre foram respeitadas como pertencendo ao sítio, mas o Mello, nosso vizinho, chamou-me á conciliação, que não compareci, e agora incitou a ação de (…). Tenho muitas testemunhas de valor moral e além disso a escritura julgada pelo juiz entre ele e nosso antecessor, reconhecendo e obrigando-se a respeitar nossas divisas….
Tomei para outorga o dr. Marciano Antonio de Mello, de quem tenho as melhores informações e garantiu-me que teríamos justiça.
Hoje os juizes de Ribeirão Preto estão melhores devido a emergência da política. O Mello nunca lembrou-se de recorrer a Justiça, expulsando os antigos proprietários com invasões. Obrigamos o tratante a despesas e plantamos cerca de 50 mil pés de café, mas felizmente o trabalho aqui está mais barato. Estou roçando e derrubando de um lado 20 alqueires e de outro, 15, mas só roçando – tudo para café.
Não enceto a colheita sem que você venha e veja se traz a Aninha. Uma parte da lavoura está muito bonita e para o ano dará carga boa.
A parte que produz, este ano está magnifica, sobretudo o café amarelo (…).

Thomaz

Ibiapina, 22 de janeiro de 1889

(…) Preciso de um rapaz de 12 a 15 anos para tratar de animaes. Será possível arranjar aí?

Ibiapina, 2 de março de 1889

(..) Se você pudesse arranjar aí uma turma de 10 ou 12 bons colhedores, seria de grande vantagem. Pagamento por mês de 25 a 40$, pagando-se metade da passagem de ida e volta, dando alimentação. Se fosse possível fazer-se o contrato com um capataz de confiança que se responsabilizasse pelos trabalhadores convinha ainda pagar-se um pouco mais.

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