História do café: Ribeirão liberta escravos antes da Lei Áurea

Por: Jornal a Cidade












Uma tentativa de abolir a escravatura, dez meses antes da assinatura, pela princesa Isabel, da Lei Áurea (13 maio de 1888), é um dos pontos altos da história da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, que por muitas décadas, antes da criação da Prefeitura, teve também funções executivas.
O protagonista desse momento histórico foi Rodrigo Pereira Barreto, um dos participantes da famosa “Caravana Pereira Barreto” – em 1876 ele e quatro irmãos deixaram Resende, no vale do Paraíba fluminense, migrando para a região de Ribeirão Preto.
Rodrigo Pereira Barreto nasceu em 28 de dezembro de 1835, na fazenda Monte Alegre, em Vargem Grande, Resende, filho de Fabiano Pereira Barreto e Francisca de Salles Pereira Barreto.
Formado em Direito pela Facul-dade do largo de São Francisco, em São Paulo (em 1862), exerceu a advocacia em Resende e militou na política, chegando a ocupar a Presidência da Câmara Municipal de Resende.

A vinda para Ribeirão

Com a mulher e filhos, muda-se para o “oeste paulista” em novembro de 1876. Poucos meses antes, na primeira visita à região, havia comprado a fazenda Santa Maria, da viúva do capitão Gabriel Junqueira. Investindo na lavoura de café, em poucos anos torna-se um importante produtor e volta a fazer política, sendo eleito suplente de vereador em 1887.
As eleições para a 5a Legislatura da Câmara Municipal foram das mais polêmicas. O clima político era dos mais acirrados, com monarquistas se opondo aos republicanos e escravagistas se batendo com abolicionistas. O pleito, marcado originalmente para 1o de julho de 1886, acabou adiado por três vezes – a primeira pelo não comparecimento do escrivão a quem haviam sido confiados os livros e as atas de assinaturas dos eleitores, a segunda foi anulada e a terceira suspensa por ordem judicial. A eleição ocorre finalmente em 25 de março de 1887 (votação e apuração aconteciam na Igreja Matriz) e a posse acontece em 25 de abril.

O suplente entra para a história

Rodrigo Pereira Barreto é eleito suplente. Meses depois, porém, assume como vereador, e em 3 de agosto entra para a história ao propor a criação de um “Livro de Redenção” – os fazendeiros abolicionistas que assinassem estariam dando liberdade a seus escravos. A ata da Câmara de 03/08/1887:
“A exemplo de outras Camaras proponho que esta doe um livro, sob a denominação de Livro da Redempção, destinado a todas as pessoas que quiserem concorrer para a grandiosa obra da libertação do município. Posto a votos, foi unanimamente aprovado. Pedindo a palavra, o Dr. Rodrigo Barreto disse que offerecia o livro á Camara e que autorisava o secretario a fazer a aquisição do mesmo”.
O referido “Livro da Redempção’ nunca foi encontrado, mas historiadores acreditam que a iniciativa de Rodrigo Pereira Barreto tenha obtido o apoio de muitos fazendeiros, que apostavam na mão-de-obra dos imigrantes estrangeiros para o trato das lavouras do café.
Frente aos milhares de colonos que chegavam da Europa todos os anos, o número de escravos parece irrisório. O “Almanach da Província de São Paulo”, edição de 1888 , registra a população escrava de Ribeirão Preto do ano anterior. Eram 784 negros e 595 negras, num total de 1379.

Começam as perseguições

O ímpeto abolicionista de Rodrigo Pereira Barreto, porém, vai-lhe sair caro. José Eduardo de Oliveira Bruno, membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e pesquisador da “Caravana Pereira Barreto”, diz que fazendeiros contrários à abolição da escravatura não perdoaram a tentativa de antecipar a libertação dos cativos.
“Consta que Rodrigo Pereira Barreto sofreu perseguições por causa de seu empenho à libertação dos negros no município, havendo mesmo que se mudar da cidade e aqui não mais voltar, para evitar tragédia entre duas famílias importantes”, explica Bruno. Segundo ele, “Rodrigo Pereira Barreto recebeu de presente uma caixa contendo um relho (chicote de couro torcido) e um bilhete ameaçador: o relho seria usado na sua pessoa caso não retrocedesse em sua ação na Câmara no que dizia respeito ao elemento servil”.
O presente teria sido enviado por um dos homens de maior prestígio na região. “Ao que parece, era um membro da família Junqueira. Sendo Rodrigo homem ponderado, também de família de dinheiro e prestígio, ciente de que se ficasse haveria confronto familiar de conseqüências desastrosas, viajou para São Paulo, onde decidiu vender sua casa ao amigo Martinico Prado, que com ele comungava os mesmos ideais libertários. Os Prado compraram não somente a casa, como também suas terras, a fazenda El Dorado, que os Prado rebatizariam para São Martinho”.
O pioneiro Rodrigo Pereira Barreto muda-se com a família para São Paulo, onde compra terras numa região ainda desocupada – ele é considerado um dos “fundadores” do bairro de Itaquera. Rodrigo Pereira Barreto morre aos 26 de maio de 1910, aos 75 anos.

Rodrigo recebe o Imperador

Ao contrário de seus irmãos, todos republicanos, Rodrigo era o único monarquista entre os Pereira Barreto. “Curiosamente, apesar de ser um defensor da libertação dos escravos, ele era monarquista. Tanto que foi quem recepcionou a família imperial quando da passagem por Ribeirão Preto”, explica o pesquisador José Eduardo de Oliveira Bruno.
Na realidade, Dom Pedro II e a esposa Tereza Cristina, acompanhados de grande comitiva, estavam apenas a caminho de Batatais, onde seria inaugurada uma nova estação da Estrada de Ferro Mogiana, do ramal que seguia em direção a Poços de Caldas. Pernoitaram em Ribeirão Preto entre os das 24 e 25 de outubro de 1886.

Um temporal na chegada

No livro “Ribeirão Preto de Outrora”, o historiador Prisco da Cruz Prates reproduz o relato de um garçom que servira a família régia, o italiano Antonio da Colina, apelidado “Barão”:
“O trem chegara bastante atrasado e debaixo de grande aguaceiro. Por isso a comitiva real, devido as chuvas, permanecera algum tempo no interior da pequena estação, que na época era localizada no bairro da República, em terrenos que pertenceram ao sr. Villa-Lobos. No local, além de uma considerável multidão, encontravam-se também o Intendente e outros edis monarquistas, que aguardavam impacientes o amainar da chuva torrencial. O aguaceiro parecia zombar da paciência de todos, que, descontentes, previam o fracasso das grandes festividades destinadas aos monarcas. As solenidades constavam de fogos de artifício, missa em ação de graças, cavalhadas e um pomposo baile de gala, onde os membros da comitiva, ao lado da fina flor da sociedade ribeirãopretana, deleitar-se-iam num grande salão de danças. Entretanto a chuva prosseguia e a distância a percorrer era regular; seria da estação até no começo da Vila Tibério, onde se acha o grande Palacete Martinico Prado. Como a chuva continuasse, e os troles e carros de praça onde os Soberanos embarcariam estivessem todos enlameados até nos seus interiores, os promotores da recepção para sanar aquela anomalia conseguiram algumas liteiras, muito em uso na ocasião, as quais, carregadas por escravos possantes, conduziram os magnânimos imperadores até a casa do Dr. Rodrigo Pereira Barreto, sem que nada de anormal acontecesse. Devido ao mau tempo, das solenidades projetadas foi apenas promovido a soirée dançante”.
A “visita” imperial ocorreu em 1886. Três anos depois, Rodrigo Pereira Barreto vendeu seu casarão para Martinho Prado Junior. Daí vem o costume de se referir ao imóvel como “Palacete Martinico Prado”. Vendido para a Companhia Antarctica, o casarão onde a família real pernoitou foi demolido em 1975.

 


Fonte: http://www.jornalacidade.com.br/geral/ver_news.php?pid=33&nid=38462

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