Na periferia da crise, Brasil teve de abandonar café
Publicação: 24/10/09
DA REPORTAGEM LOCAL
Distante do epicentro da crise financeira, o Brasil de 1929 foi contaminado pelo colapso no preço do café, commodity responsável na época por 80% da pauta de exportação brasileira. O produto teve seu auge em 1928 e perdeu mais de 50% do valor cinco meses após o “crash” na Bolsa de Nova York.
Para segurar as cotações do café, o governo brasileiro promovia queima do produto estocado, com objetivo de reduzir a oferta mundial. O resultado foi a quebra de grande parte dos cafeicultores, que até então dominavam a economia brasileira.
Como ocorreu nas demais crises globais, o valor do dólar duplicou no Brasil em menos de um ano, inviabilizando importações, mas fomentando e diversificando a indústria nacional.
À época com 15 anos, o empresário José Mindlin, 95, lembra que o dólar disparou poucos meses depois do “crash” da Bolsa de Nova York. Em 1930, Mindlin estudava nos EUA e seu pai, Ephin Henrique, que era dentista em São Paulo, não pôde mantê-lo no exterior. “Tive que voltar para o Brasil. Nos anos 20, tudo era importado aqui. Me lembro de começar a usar sapato brasileiro porque não dava mais para comprar sapato inglês. No ambiente que eu frequentava, era um pouco degradante vestir um terno que não fosse de casimira inglesa. Hoje, a casimira brasileira é tão boa ou melhor do que a inglesa. Falar em casimira inglesa hoje é que é degradante”, disse Mindlin.
O pai de Mindlin tinha comprado uma fazenda de café em Campinas em 1927, quando o café estava no auge. “Em 1930, a saca do café era menos que o custo de colheita. Papai vendeu a fazenda alguns anos depois.”
De volta ao Brasil, Mindlin tornou-se jornalista do “Estado de S.Paulo”, onde ajudou a cobrir os efeitos da crise e o processo de urbanização do Brasil.
Ligada à cultura de café desde o final do século 19, a família de Eduardo Carvalhaes, 84, abriu uma corretora em Santos, em 1918, ainda antes do “boom” da commodity nos anos 20. Carvalhaes conta que a crise arrasou o mercado cafeeiro e reduziu os negócios até levar ao fechamento, em 1937, da Bolsa de Café de Santos.
“Os anos 30 foram muito difíceis para a nossa família, que atravessou duas guerras e duas ditaduras negociando café. O pessoal que se safou passou a diversificar mais e foi se dedicar a outras atividades”, disse Carvalhaes Filho, ligado ao Museu do Café.
Segundo Renato Colistete, professor de história econômica da USP, a crise dos cafeicultores colocou em situação delicada o Brasil perante seus credores nos EUA e Reino Unido. “Houve preocupação com uma moratória do Brasil, que trouxe perdas e acentuou o problema dos bancos americanos”, disse.