História do Café na Era nos idos de 1930

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Os peixes

Cecília Zokner [27/05/2006]

Tanto dentro da forma democrática como dentro de qualquer forma de ditadura,
os governos dos países fracos não passam de bonecos nas mãos de poder oculto do
Capitalismo Internacional Anônimo […]. Monteiro Lobato.

Em 1935, Monteiro Lobato publicou, no Diário de São Paulo, “Os grandes crimes
contra os povos”, um artigo em que, ainda uma vez, expressa a sua repulsa
indignada diante da atuação do Governo Brasileiro. Refere-se, inicialmente, à
“hipertrofia do jogo financeiro”, a determinar uma “ordem social que só pode
subsistir por meio da destruição cada vez maior de vidas em guerras periódicas e
da destruição igualmente monstruosa de produtos de alimentação na paz”. E cita
dados estatísticos, extraídos de publicações brasileiras e norte-americanas,
confiáveis, para enumerar a absurda exterminação de alimentos ocorrida em 1934.
Foram toneladas de arroz, trigo, açúcar; foram mil e mil animais abatidos
(porcos, carneiros, vacas, salmões); foram árvores frutíferas arrancadas, seus
frutos destroçados; leite lançado nos esgotos, chá atirado no mar.

No Brasil, oitenta milhões de sacas de café queimados, sistematicamente a
partir de 1931, como “solução definitiva e perpétua do problema do café”. Uma
escolha governamental que ignorou as necessidades de seu próprio povo, pois a
metade da população do Brasil, na época, não consumia café tanto quanto o
interesse da Rússia, então com duzentos milhões de habitantes, que tudo fez para
comprar o café brasileiro e não o conseguiu. Além de enunciar o absurdo (óbvio),
instituído pelo governo brasileiro ao deixar que o proprietário rural cuidasse
do plantio do café, o colhesse, o beneficiasse e depois de ensacá-lo o fizesse
transportar em lombo de burro ou em carro de boi para as estações de estrada de
ferro ou para os portos quando, então, “o tomava e com luxuosa burocracia e alta
técnica o queimava”, relata o ocorrido com a oportunidade de negociar com a
Rússia o excedente do café brasileiro. E o faz com base no que presenciou quando
era, em 1930, adido comercial interino nos Estados Unidos e nas gestões que
realizou para que a proposta russa – trocar o excesso da produção do café pelos
“derivados de petróleo que a economia brasileira necessitasse” comprometendo-se,
ainda, a efetuar o transporte de um e outro produto – fosse concretizada.

Assim, no início de 1931, quando retorna ao Brasil, Monteiro Lobato traz essa
proposta que encaminha, junto com o seu relatório, ao Ministério do Exterior.
Como não obtivesse resposta, torna a encaminhar os documentos à Presidência da
República e, após um mês de espera, os encaminha a outro ministério. Nenhuma
resposta lhe foi dada: “A pátria sempre naquele eterno mutismo de peixe” que não
foi rompido nem para fazer constar uma negativa. Desapontado, insiste, enviando
um ofício aos três destinatários, pedindo uma resposta, porquanto se havia
comprometido a dá-la ao representante da Rússia. “Nada. Silêncio de morte. Os
três peixes persistiam na inviolável mudez dos peixes”. Envergonhado, abandonou
as diligências. Na verdade, “envergonhadíssimo da desgraça de ser brasileiro”.
Porém, lúcido para formular questões acerca da recusa do Governo Brasileiro em
realizar um negócio que não apenas iria acabar com a superprodução de café ao
ter um comprador tão importante quanto os Estados Unidos, como ao obter
gasolina, querosene, óleo combustível e lubrificante, economizar os milhões de
dólares, gastos anualmente, na compra desses produtos. Igualmente lúcido ao
entender que, certamente, o que faltava ao Governo Brasileiro era a “coragem de
antepor o bem público, as verdadeiras necessidades do país, a felicidade e a
prosperidade de 45 milhões de pobres diabos coloniais que somos, aos interesses
dos grupos financeiros daqui, ligados, ao Capitalismo Anônimo Internacional que
paira sobre o mundo como tremendo Pássaro Roca controlador dos governos fracos e
promotor de guerras entre os governos fortes”.

Era nos idos de 1930…

Fonte: http://www.parana-online.com.br/noticias/colunista.php?op=ver&id=208970&caderno=18&colunista=51

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