HISTÓRIA DO CAFÉ – Como o Brasil reagiu à crise econômica de 29

Por: 26/02/2009 02:02:11 - Jornal do Brasil

 

26/02/2009 02:02:11 – Jornal do Brasil
Antonio Carlos Lemgruber


EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL


Na opinião de historiadores econômicos, a chave para a recuperação econômica na década de 30 foi a decisão dos principais países de abandonar o padrão-ouro, sendo principais exemplos a Inglaterra, em 1931, com uma forte desvalorização da libra, e os Estados Unidos com Roosevelt, em 1933, também com desvalorização e posterior compra de ouro.


Após o final do padrão-ouro, a década de 30 se caracterizou pelo beggar-thy-neghbor ou desvalorizações competitivas. Já mencionamos Inglaterra e Estados Unidos, mas é importante apontar que países emergentes como o Brasil fizeram o mesmo após 1929. Em todos os três casos, por sinal, tais políticas de desvalorização foram bem-sucedidas, curando a depressão doméstica e reduzindo o desemprego, ao transferir a demanda das importações para bens domésticos e estimular exportações para ganhar fatias de mercado.


O Brasil foi um dos primeiros países a se recuperar da depressão e apresentar crescimento econômico na década de 30. De fato, o processo de industrialização brasileiro começou durante a década de 30, através de substituição de importações via desvalorizações (e tarifas), bem como por conta das políticas no setor cafeeiro para proteger o preço do café, que havia caído em 1929 e 1930, inclusive com queimas de estoques de do produto.


Certamente, assessores econômicos do governo Lula irão chamar a sua atenção sobre o fato de que, paradoxalmente, a crise de 1929 gerou oportunidades de crescimento através da indústria, que perduraram na verdade até 1980, com uma fase posterior de expansão de exportações.


Adicionalmente à emissão de dinheiro, uso de gastos governamentais e redução de impostos, os gestores econômicos estão perfeitamente cientes do poder da desvalorização para gerar demanda via exportações e substituição de importações, além de estimular investimentos diretos e créditos externos.


Quando Milton Friedman convenceu o mundo a adotar taxas de câmbio flutuantes em 1973, o principal argumento a favor das taxas flexíveis era precisamente a independência da política econômica doméstica para cada país. Porém, a realidade dos mercados internacionais de câmbio, desde então, demonstrou que isto não era verdade.


Os choques externos negativos e recessivos continuaram a ser transmitidos internacionalmente, começando com as recessões de 1974-75 e 1982-82 e chegando agora a esta situação internacional dos últimos dois anos, com a possibilidade de uma grande recessão mundial em 2009 e eventualmente do surgimento de uma longa depressão.


A lógica do atual sistema cambial deixa para o setor privado a decisão de estabelecer o nível das taxas de câmbio.


Mas a situação econômica mundial é tão dramática que não podemos descartar uma intervenção muito maior dos governos nos mercados de câmbio.


Um fator adicional em 2009 em contraste com 1909 é naturalmente a presença da China como um elemento importante nos mercados internacionais. Mais ainda, o sistema cambial chinês não encaixa muito bem nas taxas livres flutuantes. Pelo contrário, é mais parecido com Bretton Woods (1946-1973) ou talvez seja um caso isolado de beggar-thy-neighbor num mundo de taxas flutuantes, com grandes vantagens comerciais.


Seja usando as palavras beggar-thy-neighbor ou não, o fato é que devemos esperar que países como Estados Unidos, Inglaterra, China, Brasil e outros venham a considerar a possibilidade de se tornarem mais ativos na política cambial, a fim de serem mais competitivos e acelerarem a recuperação econômica.


O problema com taxas de câmbio é que para n moedas só existem n-1 taxas de câmbio. Todos os países não podem desvalorizar ao mesmo tempo. Isto indica que – após o padrão-ouro do início do século, as desvalorizações competitivas ds década de 30, o sistema de Bretton Woods do pós-guerra e finalmente as taxas livremente flutuantes das últimas quatro décadas – algo terá que ser feito para organizar um novo arcabouço de supervisão, diante da realidade que vem por aí.


Com ou sem supervisão do FMI, nós certamente vamos assistir nos próximos meses a uma volta ao beggar-thy-neighbor adaptado aos tempos modernos. O novo nome é: flutuação suja. A flutuação suja será uma resposta de política econômica doméstica aos choques externos depressivos.


Para repetir 1930/31 e se recuperar antes dos outros, o Brasil precisa baixar os juros significativamente e começar a comprar dólares e euros com reais, para elevar a taxa de câmbio acima de 3. Roosevelt comprou ouro em 1933. Como subproduto, a economia de juros ajuda nas contas públicas.
 

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