História de Paraty e do café

Por: 30/07/2007 14:07:11 - B2B Magazine

Histórica e digital


Tendo em sua história uma luta freqüente contra o isolamento, Paraty entra de vez na era digital com a implementação de uma rede sem fio para acesso à internet em banda larga. Embora a construção de estradas de asfalto ainda empolgue mais os habitantes, a infovia promete ser a grande revolução na cidade histórica


Por Marco Aurélio Gois dos Santos


A BELA CIDADE HISTÓRICA DE PARATY, NO LITORAL SUL FLUMINENSE, PARECE TER UM DESAFIO CONSTANTE: LUTAR CONTRA O ISOLAMENTO. No web site oficial da cidade, fico sabendo que sucessivas incursões de piratas que se escondiam em praias como Trindade fizeram com que Paraty perdesse seu status de principal porto de saída para o ouro de Minas Gerais. A mudança dessa rota isolou a cidade.

O ciclo do café traria um novo, porém breve, fôlego à região: a construção da ligação ferroviária entre Rio de Janeiro e São Paulo tirou a importância da trilha de burros pela Serra do Mar. Segundo o site, após a abolição da escravatura sobraram apenas 600 “velhos, mulheres e crianças” na outrora próspera cidade. Até a década de 1950, o único acesso à cidade era de barco, saindo de Angra dos Reis. A partir de então, a estrado Paraty-Cunha passou a oferecer um acesso precário. A cidade voltou ao mapa, como atração turística. A partir da década de 1970, com a construção da Rio-Santos.

Mesmo agora, os habitantes da cidade ainda parecem assombrados pela possibilidade do isolamento. No dia 4 de julho, as principais autoridades do Estado do Rio de Janeiro estiveram presentes em Paraty para inaugurar a fase piloto do projeto “Paraty Digital” que, em sua primeira etapa, terá um quilômetro quadrado de área coberta por uma rede híbrida baseada em tecnologias sem fio. O palanque montado na praça do bairro pobre da Ilha das Cobras, na qual também seria inaugurado o Centro de Internet Comunitário (CIC), faz lembrar um início de campanha eleitoral. Conclamado pelos alto-falantes e pela banda marcial municipal, o povo vai se aproximando. Em seu discurso, o vice-governador Luiz Fernando Pezão faz analogia com a frase “Abrir estradas é trazer o progresso”, de Juscelino Kubitschek, afirmando que Paraty entra em uma nova fase, ligada ao mundo por uma estrada digital. Ninguém aplaude.

Depois de falar mais sobre o projeto, implementado em 30 dias, o governador Sergio Cabral sai um pouco do assunto para prometer o asfaltamento de um trecho da estrada Paraty-Cunha, velha demanda dos habitantes. O governador diz que já solicitou ao Ibama a autorização para a obra, que pretende inaugurar até o final de 2008.

Todos aplaudem. “As pessoas só vão perceber a importância desse projeto quando suas vidas começarem a mudar”, afirma Rafael Steinhauser, presidente da Next Wave Wireless, empresa responsável pela implementação da rede. Argentino naturalizado brasileiro e ex-presidente das subsidiárias da Nortel e da Cisco no Brasil, é com convicção que Steinhauser fala esforçando-se para vencer o sotaque teimoso – dos potenciais benefícios do projeto de cidade digital.

Ele cita o exemplo de Piraí, cidade pioneira no País em projetos desse tipo, e citada mundo afora como case de sucesso. O município tinha o 47° Produto Interno Bruto (PIB) do Estado do Rio. Subiu para a sétima colocação. Dezoito empresas se instalaram na cidade, atraídas pelo acesso onipresente à internet. O então prefeito de nome engraçado, Luiz Fernando Pezão, chegou a vice-governador. Nada mau.


Mãos dadas

Durante a cerimônia de inauguração do projeto e do CIC, Steinhauser era um peixe fora dágua, único representante da iniciativa privada entre tantas autoridades públicas. Ele não diz quanto, a empresa investiu no projeto, mas o governador Sergio Cabral entrega: 500 mil reais. Em troca, a Next Wave ganha o direito de explorar a rede comercialmente.

Sexto projeto de cidade digital do Rio de Janeiro (além de Piraí, os municípios de Rio das Flores e Mangaratiba e os distritos de Visconde de Mauá e Conservatória já contam com o benefício), Paraty é a primeira a lançar mão de uma parceria público-privada para ser auto-sustentável e replicável.

Se bem sucedida, a natureza replicável da parceria é de suma importância para um projeto maior: o “Rio Digital”, que pretende ligar os 92 municípios do Estado em uma grande Infovia. O modelo adotado em Paraty pode ser repetido nas outras cidades, sem grandes adaptações. Em projetos como esse, a tecnologia é o de menos, o importante mesmo é ter um modelo de negócios eficiente. “A tecnologia é só uma ferramenta, nosso objetivo é integrar nosso Estado”, afirma Teresa Porto, presidente da Proderj (Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio de Janeiro).

Para que a parceria desse certo, a rede física implementada na cidade foi dividida em duas redes lógicas. A primeira, que se conecta à infovia estadual, tem acesso gratuito nos prédios públicos do município, incluindo cinco escolas, a sede da prefeitura, entidades municipais e o CIC. A outra, baseada em um link privado, permitirá a exploração comercial da rede.


História por toda parte

O calçamento de pedras brutas e as casas coloniais fazem de Paraty um cenário propício para a história. Na praia, a ameaça de invasão já não existe há séculos, mas velhos canhões enferrujados continuam a apontar para o horizonte.

A cidade luta hoje para se tornar patrimônio histórico mundial. A quinta edição da Flip, feira literária anual, coincidiu com a inauguração do projeto de cidade digital. Na abertura da feira, um show uniu Orquestra Imperial a João Donato, ele mesmo uma figura histórica, influenciador do que viria a ser a bossa nova. Agora a história também acontece e trafega por ondas de rádio na freqüência não homologada de 2,4 GHz.

Um habitante da cidade me confidencia que a promessa de asfaltar a estrada para Cunha se repete a cada novo governo, e o povo sempre aplaude. A estrada digital não é promessa: já funciona, já está disponível a todos, e oferece, além do acesso à web, serviços como Voz sobre Protocolo de Internet (VoIP), videoconferência e vigilância por câmeras IP. O vice-governador Pezão pode ficar tranqüilo: os aplausos para sua estrada virão em pouco tempo.

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