Douglas Marçal
Nardo Rodrigues Lopes, doceiro em Maringá desde 1967; felicidade ao encontrar clientes antigos Juliana Daibert
Nos dias de hoje, em que a instabilidade impera entre as relações sociais, parece impensável que uma pessoa esteja há 40 anos no mesmo lugar, executando a mesma função. Pois esse alguém existe e tem 78 anos. Nardo Rodrigues Lopes, natural de Álvares Machado, no interior de São Paulo, ganha a vida vendendo amendoins com calda de açúcar queimado e paçocas desde que deixou as lavouras de café, na década de 60. Ele está exatamente no mesmo lugar na Avenida Brasil, próximo à esquina com a Avenida Duque de Caxias, em Maringá.
“A gente chegou no Paraná em 1954 e arrendou umas terras em Nova Esperança, para plantar café. Naquela época era bom”, conta o doceiro. Os primeiros tempos no sítio Santa Inês foram fartos para ele, a mãe e a irmã. Oito anos depois do arrendamento ter começado, Lopes sentiu que era hora de deixar o campo.
Aos 38 anos, recém-chegado em Maringá e sem muitas opções de trabalho, o lavrador adaptou um carrinho e passou a vender amendoins com calda de açúcar queimado e coco doce em pedaços. No início, os doces eram preparados na hora e entregues quentinhos para os fregueses. Com o progresso vieram as proibições. “Não posso mais transportar o botijão de gás dentro do ônibus”, revela. Desde então, Nardo deixou de fazer o coco doce, mas incluiu paçocas, doces de leite e doce de coco no cardápio.
Como reza um bom marqueteiro, a panela utilizada para fazer a calda continua no lugar que lhe cabe no carrinho. “Só para inglês ver”, brinca.
Lopes também viu muita coisa. Em julho de 1975, por exemplo, ele acompanhou o trabalho de funcionários da companhia de saneamento básico abrindo as valetas na Avenida Brasil, para a implantação da rede de esgoto.
“Aquele friozão e os homens cavando os buracos das valetas. Mas eles trabalharam tanto que logo esquentaram”, diz. Segundo ele, nos dias mais frios do mês, era comum que o gelo trazido pela geada negra permanecesse sobre a terra até o meio da tarde.
O dia de Lopes sempre começou cedo. Às 6 horas, ele já estava de pé e ia direto para a cozinha. Depois de cortar o coco e descascar o amendoim, ele embalava os produtos e deixava o Jardim Alvorada, em direção ao centro. Quando chegava no ponto, buscava o carrinho na loja de algum vizinho, que gentilmente cedia a “garagem”. Em uma distribuidora de doces na Avenida Tamandaré, o carrinho ficou guardado por 15 anos. Atualmente, Lopes deixa a ferramenta de trabalho em uma loja pertinho do ponto.
O expediente do doceiro prossegue até as 17 horas. É muito raro voltar para casa sem ter vendido tudo. Por dia, são feitos 70 pacotinhos de amendoim com calda de açúcar queimado, vendidos por R$ 1.
Entre um cliente e outro, Nardo passa os dias na companhia de uma garrafa de café, sentado em um banquinho minúsculo. Mas se engana quem pensa que há espaço para a monotonia. Os clientes não dão folga e nunca levam apenas um doce. “Tem gente que já sai comendo, outros levam para casa”, conta o doceiro.
Para Nardo, uma das maiores alegrias é ser abordado por algum cliente que diz apreciar os dotes culinários do doceiro desde criança. “Me sinto feliz e motivado, cheio de alegria quando escuto algo assim”, confessa.
Segundo ele, não são poucas as pessoas que o abordam para dizer que saíram de Maringá, casaram, já casaram os filhos e, quando voltaram, foram atrás dos doces que comiam quando eram novos.
Nardo reencontrou um desses clientes antigos durante um tratamento de saúde. “O médico que operou meus olhos comprava doces de mim”, conta, feliz.
Sem pagar taxa alguma para a prefeitura há alguns anos pela utilização do ponto na calçada, Lopes ainda não sabe quando vai deixar de trabalhar.
“A mulher diz que já está na hora, mas enquanto puder, vou continuar”, diz ele. A saúde não anda lá aquelas coisas, mas o trabalho continua sendo prioridade. Só não espere encontrar amendoim doce em dias muito frios. “Fico em casa, quentinho”.