José Rodrigues, para o Valor, de Santos
Acossada por duas grandes obras de média e longa distância que terão impacto direto sobre o fluxo de caminhões e navios – a inauguração até o fim do ano do trecho do Rodoanel, que circunda São Paulo em direção à Baixada Santista, e o término das obras de ampliação do canal de Panamá até 2014 -, a integração metropolitana da Baixada Santista com a construção de túnel subaquático ou ponte entre as duas margens do porto de Santos já é tida como irreversível.
Esta semana o secretário estadual de Transportes, Mauro Arce, deve apresentar ao governador José Serra (PSDB) um documento com os primeiros estudos do projeto para ligar as cidades de Santos e Guarujá. A decisão sobre a obra deve ocorrer ainda em 2009, 62 anos depois da assinatura do Plano Regional de Santos, em 1947, produto da visão de Prestes Maia (1896-1965). À época, o engenheiro e arquiteto Maia previu a necessidade de três ligações terrestres entre as ilhas de São Vicente, na qual está a parte insular de Santos, e a de Santo Amaro, sede do município de Guarujá. Ainda não há uma definição sobre a construção de um túnel ou de uma ponte no local.
O documento preparado por Arce deverá ser discutido em audiências públicas com participação de várias entidades estaduais e regionais. Há um protocolo de intenções para realização da obra entre as prefeituras de Santos e Guarujá e o governo de São Paulo, por meio das secretarias de Economia e Planejamento, dos Transportes, Agência Metropolitana da Baixada Santista (Agem) e Dersa.
O custo do túnel submerso está calculado em cerca de R$ 450 milhões, para uma extensão de mil metros, dos quais 400 metros ficariam abaixo do leito estuarino. Os veículos que vierem a transitar por essa via terão o tempo reduzido de, em média, 20 minutos atualmente, para pouco mais de um minuto.
Os números da Dersa sobre o movimento de veículos pela balsa que hoje faz a ligação entre as duas margens atesta a necessidade da obra. Em 2008, utilizaram as balsas quase 13 milhões de veículos, entre automóveis (49%), bicicletas (30%), motocicletas (20,2%), ônibus, caminhões leves e veículos oficiais (0,8%).
O crescimento do porto santista, que nos últimos anos acompanhou o desempenho do PIB e bateu sucessivos recordes de cargas, foi tão rápido que as autoridades já pensam em duas obras paralelas, uma na região da Ponta da Praia e outra saindo da área do sistema rodoviário Anchieta Imigrantes, junto ao bairro da Alemoa, em direção à margem esquerda do porto, nas proximidades da Rodovia Cônego Domenico Langoni. Nesta hipótese, a preferência é por uma ponte, conforme aspira o prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa.
Cerca de 40% das operações do porto de Santos, quase 32 milhões de toneladas em 2008, são feitas na sua margem esquerda, em áreas parcialmente situadas em territórios de Santos (parte continental) e do Guarujá. Para atingir a margem esquerda, carretas que partem de Santos percorrem cerca de 45 quilômetros, ou 90 quilômetros entre ida e volta. Junto a essa demanda estão os demais veículos, usuários das balsas, meio que cresceu quase 1,3 milhão de unidades, ou 12,3% nos últimos cinco anos. O governador Serra definiu como “precário” o serviço de balsas para travessia do estuário, com a promessa de agilizar a construção de uma via seca, em adição à aquaviária, a partir deste ano.
Mas tanto a localização da obra na Ponta da Praia, quanto a de outro túnel ou ponte no final do estuário, em direção a Cubatão, terão de enfrentar obstáculos que vão encarecer o empreendimento.
A Codesp, administradora do porto, preocupada com o desempenho futuro de Santos aponta a necessidade de uma profundidade da parte superior do túnel em torno de 23 metros. Ela lembra que após os trabalhos de dragagem que estão sendo realizados no porto, a profundidade da entrada do porto terá 17 metros. José Roberto Serra, presidente da empresa, prevê a chegada de navios com calado de até 20 metros, o que pedirá uma camada de segurança de 3 metros.
O futuro aponta, ainda, para a instalação do complexo Barnabé-Bagres (duas ilhas na região), praticamente um novo porto. O projeto tem questionamentos ambientais e está sendo analisado por uma comissão formada junto ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Condema).
“Não concordamos com uma profundidade para o túnel que venha a restringir os futuros navios em direção a Barnabé-Bagres”, diz o presidente da Codesp.
O executivo da Codesp, como outros segmentos da comunidade portuária e política da região, admite a viabilidade de uma segunda ligação seca entre as duas margens. Seria uma ligação entre a entrada da cidade, conhecida como Saboó, e a rodovia Cônego Domenico Langoni, que dá acesso a terminais situados em áreas de Guarujá e Santos, na sua parte continental.
Essa alternativa terá uma extensão de cerca de 4,5 quilômetros, com um vão superior a 60 metros, suficiente para dar passagem a navios de grande porte. “Temos um tráfego tão grande na região que indica a viabilidade da obra. Chegam a Santos, na margem direita, até 15 mil veículos/dia em ocasiões de pico”, dimensiona o presidente da Codesp. As análises, até agora, caminham no sentido de que a travessia do estuário atenda, primeiro, os veículos leves, cuja fila de espera, na orla de Santos, atinge cerca de um quilômetro. As esperas são superiores a uma hora, nos feriados e fins de semana.
Sem considerar a hipótese de duas ligações, o prefeito de Santos, João Papa, defende que a obra seja construída junto à entrada do município, que faz limite com Cubatão. Ele diz que essa opção teria um caráter metropolitano, fora do perímetro urbano, o que ajudaria a aliviar o trânsito das áreas urbanas. “Também atenderia à expansão portuária, em direção à área continental”, acentua. Papa lembra que há projetos para transformação da Base Aérea de Santos (situada em Guarujá), em aeroporto civil, decisão que exigiria investimentos em acessos. O prefeito acrescenta que uma obra desse porte, se localizada na Ponta da Praia, “pela declividade muito acentuada, influenciará o meio urbano”. Na sua visão, esse trecho continuaria com as balsas, modernizadas, em contrapartida a uma obra na entrada da cidade em direção ao Guarujá, com trânsito para todo tipo de veículo, desde carretas a bicicletas, em vias distintas. Há milhares de trabalhadores que residem no município de Guarujá e que trabalham em Santos e São Vicente, com utilização da bicicleta como meio de transporte.
A torcida para que o projeto tome o formato de ponte, do prefeito de Santos, baseia-se na expectativa de a região passar a dispor de um novo ícone, um marco arquitetônico de ampla visibilidade. “Túnel ninguém vê”, diz.
Essa hipótese embute vantagens e desvantagens. A primeira baseia-se na possibilidade de a obra sair e chegar em áreas da União, sob jurisdição ou não da Codesp, sem custos para desapropriações. “Usei esse argumento junto ao governador”, diz o prefeito. A desvantagem da ponte reside na altura do vão. Quanto maior, mais necessidade de extensão das pistas para darem a declividade adequada, com aumento de custos. Para um túnel a dificuldade é a mesma. Quanto maior a profundidade, mais áreas serão necessárias nas margens.
O consultor portuário Marcos Vendramini, da VKS Partex, estuda três opções para a ligação. Uma delas, que ele dá preferência, também subaquática, consiste no traçado desde a embocadura do lado-Santos, em região intermediária do porto, seguindo sob o terminal de passageiros para cruzar o canal de navegação, com saída sob as linhas de transmissão de Itatinga (usina de energia elétrica), com término em área de Guarujá de acesso aos terminais da margem esquerda, sistema viário do aeroporto metropolitano e rodovia Cônego Domenico Langoni. “Guarujá tende a seguir o mesmo caminho de Santos, em termos de logística. Entendo que a opção escolhida não deve privilegiar apenas o menor custo, o aspecto turístico, ou ter caráter eleitoral. Deve, sim, contemplar cenários futuros de integração logística entre as duas cidades”, sustenta.
Agnes Barbeito, presidente da Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (Abtra), com 18 empresas associadas, defende a realização da obra, de preferência junto ao sistema rodoviário Anchieta/Imigrantes. Ela ressalva que não discutiu o tema com a classe, enquanto se apoia em tempo, custos de transporte, segurança e a anunciada expansão do canal de Panamá, rota comum a embarcações que tocam na costa brasileira. Com cerca de 80 quilômetros de extensão, sua infraestrutura levará o atual calado de 11 metros para 15 metros, com 49 metros de boca (largura) dos navios. “Propiciará a navegação da geração super-post-Panamax, embarcações de 316 metros de comprimento, que podem transportar 8,1 mil contêineres. Ao decidirem por suas rotas, terão de encontrar a mesma infraestrutura em Santos”, afirma.
Outro fator a pesar na decisão final é o da conclusão do Rodoanel, que facilitará o trânsito de veículos do porto para o interior paulista, com menor tempo de percurso e custos.
O terminal Tecondi, do qual Agnes é vice-presidente, costuma ter um custo de R$ 400 para transportar um contêiner do Saboó, na margem direita, até o Tecon, na esquerda, com 45 quilômetros de percurso. Nesse valor está incluído o frete de R$ 8 por eixo, que para uma carreta se transforma em R$ 48. O tempo para essa operação, em um sentido, está em torno de 1h20, que poderá ser baixado em um terço, com utilização de túnel ou ponte. “Com uma nova via, também teremos menor incidência de roubos de carga, pois naquele trecho há uma zona de sombra (ela não capta sinais tipo GPS), onde perdemos o monitoramento do veículo”, lembra.