Não se trata de um pacote, enfatiza Mantega, mas ações a ‘conta-gotas’; entre elas, a redução da cobertura cambial
Adriana Fernandes e Isabel Sobral, BRASÍLIA
Um dia depois do anúncio do terceiro déficit semanal consecutivo da balança comercial, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem que o governo prepara um conjunto de medidas para conter a queda do dólar e o seu impacto nas contas externas do País. As primeiras medidas serão anunciadas ainda hoje.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) fará uma reunião extraordinária para aprovar as mudanças, entre elas a redução da cobertura cambial, que é a obrigação de os exportadores internalizarem no País os dólares recebidos.
O governo também deve adotar medidas para conter o ingresso no País do capital de curto prazo, aumentando a taxação sobre investimentos estrangeiros em renda fixa e empréstimos de curta duração. Antes de serem aprovadas pelo CMN, as decisões serão submetidas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto.
A expectativa é que as medidas ajudem a frear o intenso fluxo de dólares para a economia brasileira, que tem derrubado a cotação da moeda americana e valorizado o real. A queda do dólar é apontada como um dos principais motivos da forte aceleração das importações e provoca queixa dos exportadores, que alegam perder rentabilidade nas vendas ao exterior.
“É possível acabar com cobertura cambial”, adiantou ontem o ministro, numa tumultuada entrevista na Câmara dos Deputados, após uma reunião sobre a reforma tributária com a bancada do PMDB. Em 2006, o governo já havia flexibilizado as regras da cobertura cambial, permitindo que 30% das receitas com exportações ficassem no exterior. Na época, a intenção inicial era acabar com a cobertura cambial, mas prevaleceu a estratégia de mudança gradual.
O ministro destacou que a flexibilização da cobertura cambial facilitou a vida dos exportadores e reduziu custos para as empresas. “Poderemos tomar outras medidas nessa direção.”
Segundo ele, a Lei das ZPEs (Zonas de Processamento de Exportações), em tramitação final no Congresso, já prevê o fim da cobertura cambial para os setores beneficiados. “Na Lei das ZPEs existe esse dispositivo. Se vocês não perceberam, estou mencionando aqui.”
Mantega procurou deixar claro que não se trata de um “pacote cambial”, sinalizando que as medidas sairão “a conta-gotas”. Mas,no debate com o PMDB, alertou que o dólar está “derretendo” e este é um problema que “deve ser encarado” pelo governo.
Ele contou que já fez vários alertas ao presidente Lula. Segundo Mantega, o dólar está em queda por causa do agravamento da crise e dos riscos de recessão nos Estados Unidos. “Isso nos preocupa porque encarece os produtos brasileiros que são exportados, principalmente os manufaturados.”
No debate com o PMDB, Mantega defendeu apolítica de acumulação de reservas internacionais. O nível alto das reservas é um dos fatores que têm permitido ao Brasil enfrentar com tranqüilidade a crise. “Fomos muito criticados porque essa acumulação traz custos, mas valeu a pena e vamos continuar nessa política”, disse Mantega, acrescentando que a crise é muito séria e deve se agravar.
O ministro previu que as reservas devem chegar a US$ 200 bilhões (até segunda-feira, eram de US$ 194,204 bilhões), o que confirma, na sua avaliação, o sucesso dessa estratégia.
COLABOROU RENATA VERÍSSIMO
Empréstimo deverá ter tributação escalonada
Uma das medidas que o governo estuda para conter a desvalorização do dólar é ampliar a taxação sobre o capital de curto prazo que ingressa no País por meio de empréstimo em moeda estrangeira. A idéia é estabelecer uma tributação escalonada de acordo com o prazo de permanência dos recursos. Atualmente, os bancos e as empresas tomam empréstimos em moeda estrangeira e pagam o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) com alíquota de 5,38% se os recursos permanecem no País por até três meses. A partir daí, não há tributação. A idéia é estender a tributação pelo prazo de até 12 meses. Por exemplo, 5,38% até três meses, 4% de três a seis meses e de 3% de seis a 12 meses. Tributação escalonada já vigorou entre fevereiro de 1996 e abril de 1997. A medida pode vir por decreto presidencial porque não exige o cumprimento do princípio de anterioridade e não precisa ser aprovada pelo Congresso. O objetivo da medida é evitar que empresas e bancos captem grandes quantias no exterior para lucrar com as operações de arbitragem, ao investir os recursos em aplicações que pagam taxas de juros bem mais altas que as praticadas no exterior.
Objetivo é desestimular entrada de capital especulativo
Uso do IOF nas aplicações de renda fixa é uma das alternativas discutidas
Ribamar Oliveira, BRASÍLIA
O governo discutia ontem a adoção de uma “cunha fiscal” que desestimule o ingresso de capitais especulativos interessados em obter ganhos na arbitragem entre a taxa de juro interna e a externa. A alternativa considerada mais adequada pela área técnica do governo era o uso do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
A nova tributação incidiria unicamente na entrada dos recursos para aplicações em renda fixa, como a compra de títulos públicos. Ela não penalizaria o estoque das aplicações, na saída desses recursos do País. Essa poderá ser uma das medidas a serem anunciadas hoje, com o objetivo de conter a excessiva valorização do real.
A alternativa ao IOF seria a reposição da alíquota de 15% do Imposto de Renda (IR) nas aplicações dos investidores estrangeiros em títulos públicos, que foi reduzida a zero na gestão do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Os técnicos da área econômica, no entanto, não aconselham essa medida, pois consideram que não teria o efeito pretendido de reduzir os atrativos das aplicações, já que o IR pago aqui pelo investidor é descontado em seu país de origem.
O objetivo do governo com a “cunha fiscal” é reduzir a rentabilidade que as aplicações em títulos brasileiras oferecem aos investidores estrangeiros. Dessa forma, a área econômica espera conter o ingresso de dólares, que provoca uma excessiva valorização do real e prejudica as exportações brasileiras.
A tributação atingiria unicamente as aplicações em renda fixa, ou seja, em títulos. As operações em bolsas de valores não seriam atingidas nem os investimentos diretos produtivos feitos pelas empresas estrangeiras. “Seria uma espécie de pedágio a ser pago pelo capital especulativo”, disse uma fonte.
A avaliação na área econômica é a de que os investidores estrangeiros em títulos públicos tiveram dois benefícios. O primeiro foi a redução a zero da alíquota do IR. O segundo foi a extinção da CPMF. “O fim da CPMF tornou ainda mais atrativa a operação de arbitragem”, disse uma fonte.
Atualmente, os investidores estrangeiros ganham ao apostar contra o real. Com a certeza de que a moeda será valorizado diante do dólar, eles ingressam com recursos e compram títulos, que pagam as maiores taxas de juros do mundo. Assim, ganham com a valorização do real e com os juros. Em 2007, a cotação do dólar recuou 17,2% em relação ao real e a taxa real de juro ficou em torno de 8%.
Recentemente, o megainvestidor Warren Buffett anunciou que sua empresa ganhou US$ 2,3 bilhões no Brasil no ano passado, apostando no real. Em comunicado aos acionistas, ele observou que, de 2002 para cá, o o real subiu e o dólar caiu todos os anos. Ficava fácil ganhar com as aplicações em títulos públicos do Tesouro brasileiro.
O governo Lula quer tornar menos atrativas essas aplicações, mesmo porque o País não precisa mais de recursos externos, pois acumulou nos últimos anos quase US$ 200 bilhões em reservas. “O nosso problema (de financiamento do balanço de pagamentos) não é de curto prazo, mas de médio e longo prazos”, disse ontem um dos participantes da reunião da semana passada com o presidente Lula.
A reunião teve a presença do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, do ministro da Fazenda, Guido Mantega, do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e dos economistas Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo, e o assunto foi o efeito da valorização do real sobre a balança comercial. O medo de que a vulnerabilidade externa do País volte assusta Lula.
Entre as medidas discutidas estão a “cunha fiscal” para os investimentos estrangeiros em renda fixa, a redução ou extinção da exigência de cobertura cambial pelos exportadores e a definição de uma política mais agressiva de exportação, que teria, até mesmo, novas desonerações tributárias.