Forte geada queimou o principal produto do Paraná na década de 1970.
‘É uma geada que não dá para esquecer’, diz cafeicultor de Londrina.
Geada queimou toda a plantação de
café do
Paraná em 1975 (Foto: Arquivo/RPC)
O dia 18 de julho de 1975 não sai da memória de muitos moradores do Paraná,
principalmente os que moravam no norte do estado. Uma forte geada naquela
madrugada atingiu plantações da região e queimou quase todas as plantações da
época. O café, principal produto agrícola do estado na época, foi dizimado.
“Eu lembro até hoje. É uma geada que não dá para esquecer”, conta o
agricultor Mauro Sato, de Apucarana, no norte do Paraná, que no dia 18 de julho
viu a história da família ser destruída. A geada negra completa 40 anos neste
sábado (18).
“Chegou a congelar a terra, formou uma camada de gelo. Bem cedinho, o café já
estava preto. Normalmente a planta escure quando sai o sol, mas em 1975, o café
já amanheceu escuro, preto, de madrugada já tinha queimado”, lembra Sato.
O agricultor Mauro Sato tinha 21 anos em 1975 e ajudava os pais na plantação
em Apucarana, onde trabalha até hoje. Ele lembra que o desânimo foi muito
grande.
“Foi difícil ver os estragos, foi um desânimo. Chegamos a chorar porque não
sabíamos o que fazer. Perdemos todo o café. Então decidimos cortar todos os pés,
e iniciamos o replantio. Como éramos pequenos agricultores, na época, era
difícil pensar em plantar outra coisa”, relata.
O engenheiro agrônomo Francisco Barbosa Lima, que trabalhava no Instituto
Brasileiro do Café (IBC) no dia da geada, recorda os efeitos daquela geada. “Os
termômetros registraram -3,5º C no abrigo e -9º C na relva. Um frio sem igual
que queimou os cafezais do topo à raiz”, diz Lima, que atualmente trabalha no
Ministério da Agricultura.
Principal produto do estado
O café era o grande produto
do Paraná, principalmente na década de 1960. Chegou ao estado a partir do norte
pioneiro e se espalhou, por causa da ferrovia, até o noroeste.
De acordo com Lima, na década de 60 o estado concentrava cerca de 50% da
produção nacional. Ao todo, eram 1,8 milhão de hectares de café, com uma média
de 20 milhões de sacas colhidas.
Em 1975, o produto já tinha perdido terreno. Novas leis e a chegada do trigo
e da soja fizeram famílias buscarem outros caminhos. “Ainda assim, era a
principal cultura. Tínhamos mais de 1 milhão de hectares com café”, lembra o
engenheiro agrônomo.
A geada daquele 18 de julho castigou toda a produção do estado. “Não sobrou
nada. No ano seguinte, o número de sacas colhidas foi zero”, recorda Lima. Em um
ano, 300 mil hectares de café foram erradicados, segundo levantamento feito pelo
próprio IBC na época.
“Foi catastrófico para o Paraná e para os cafeicultores, em especial. Afetou
muito a economia e a parte emocional dos produtores, porque eles só tinham as
plantações de café”, explica Paulo Sérgio Franzini, secretário-executivo da
Câmara Setorial do Café do Paraná.
Franzini explica que há dois tipos de geada. A geada branca é quando há
formação de gelo sobre a planta. Já a geada negra é causada pela soma das baixas
temperaturas com o vento. “Naquele dia, tivemos os dois tipos de geada. Atingiu
tanto as plantações que ficavam nas partes mais baixas quanto as das partes
altas”, conta.
‘Foi terrível’, lembra cafeicultor
O cafeicultor Geraldo
Grecco, 85 anos, também guarda na memória o amanhecer daquele 18 de julho de
1975. Mesmo 40 depois, ele se emociona ao se lembrar do que viu.
“Foi terrível. Você deitou com as lavouras tudo verde e, no clarear do dia,
de 8h, 9h, começou a ficar marrom e queimou tudo. Não salvou nada. Perdi tudo.
Era tanto gelo que você andava na terra e aquilo estralava no calçado”, relata o
produtor que ainda planta café em Londrina, no norte do estado.
Grecco conta que tinha mais de 90 mil pés de café. Só foi salvo o que já
tinha dado fruto. “O pouco produto colhido foi vendido e acabou rendendo. Porém,
no ano seguinte, não tinha nada”, diz.
O agricultor lembra que o recomeço foi muito difícil. “Teve que cortar no
tronco. Quem teve coragem cortou, que não teve abandonou, arrancou, fez qualquer
coisa. Não tem como falar. É uma decepção imensa. Você cuida o ano inteiro,
tratando e, dentro de meia hora, queima e não tem mais recuperação”, conta.
Atualmente, 53 mil hectares
Quarenta anos depois, o café
já não é a principal cultura na agricultura do Paraná. Atualmente, segundo o
Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria de Agricultura e do
Abastecimento do Estado (Seab), são 53 mil hectares do produto no estado.
De acordo com Franzini, a maior parte das plantações está concentrada no
norte do estado, principalmente no norte pioneiro. “O café hoje é uma atividade
de pequenos produtores. É uma atividade muito importante na diversificação da
pequena propriedade”, diz.
“Hoje, em termos econômicos, há um equilíbrio melhor do que havia lá no
passado. Com o modelo do sistema mais adensado, e agora mecanizado, o produtor
pode reduzir o custo de produção, pode se tornar competitivo no mercado, mesmo
em um período de preço baixo”, comenta.
Sobre o futuro do café, o economista vê potencial no estado para aumentar a
produção, com o uso da tecnologia. “É uma combinação do produtor investindo em
tecnologia, pesquisa para o desenvolvimento da atividade, e a assistência
técnica presente, além da vontade do produtor. O cafeicultor não perdeu a
vontade. Ele herdou essa vontade lá do passado e continua com essa expectativa”,
destaca Franzini.
‘Filhos do Café’
Um documentário produzido pela
RPC em 1980, chamado “Filhos do Café”, destacou os efeitos da
geada negra no norte do Paraná, principalmente na região de Londrina. A cidade,
conhecida como “Capital do Café”, concentrava as maiores negociações envolvendo
o produto, tanto para o Brasil quanto para o exterior.
Dividido em três partes, Filhos do Café conta a formação das cidades do norte
do Paraná, o café como principal atração para a colonização, a geada negra e os
impactos econômicos, e as mudanças no trabalho e no desenvolvimento da
região.
Veja o video com o Documentpario Filhos do Café