Feriado na BMF, São Paulo lembra 80 anos da Revolução de 1932

Uma vitória da democracia


Vitória da democracia, apesar da derrota nas trincheiras. Historiadores e analistas políticos são unânimes em afirmar, 80 anos passados, que a Revolução Constitucionalista de 1932 mudou a história do Brasil, e não apenas a de São Paulo, ao lutar por ideais como liberdade e justiça contra a ditadura de Getúlio Vargas.


Já em sua edição de 4 de outubro, dois dias após a rendição, o Estado “garantia que o sangue derramado pela Constituição não se perderia e que a luta não estava acabada: apenas se transformava”, conforme o jornalista Antônio Carlos Pereira transcreve em Folha dobrada, documento e história do povo paulista em 1932, minucioso livro sobre a Revolução Constitucionalista.


Foram 84 dias de enfrentamento, período em que as forças federais mobilizaram mais de 300 mil homens, rotativamente, contra um contingente rebelde bem menor. Alguns autores calculam em mais de 200 mil os voluntários paulistas que se apresentaram, mas só uns 30 mil ou 40 mil estavam em condições de combate, conforme relata José Alfredo Vidigal Pontes no livro 1932 – o Brasil se revolta.


“Foi uma mobilização extraordinária e havia disposição de luta”, diz Hernâni Donato, autor de História da Revolução de 32. Segundo Donato, morreram mais de mil constitucionalistas – 353 voluntários, 249 combatentes das forças regulares (Exército e Força Pública) e cerca de 150 em outros Estados, “ademais daqueles 300 que História Naval Brasileira (da Marinha do Brasil), afirma terem sido degolados em uma só jornada junto de Porto Murtinho, Mato Grosso, no combate de 4-6 de agosto”.


As vítimas. Marco Antônio Villa, professor de História na UFSCar, fala em 634 mortos constitucionalistas em seu livro 1932, Imagens de uma Revolução. O número de vítimas entre os aliados de Getúlio foi, com certeza, bem mais baixo. Não há estatísticas precisas e confiáveis. “Guerra finda, não houve contagem precisa dos mortos e dos feridos”, escreve Donato, citando que parece não ter havido “nem mesmo vontade firme dos contendores de chegar a tais números”. O adido militar da Embaixada dos Estados Unidos contabilizou um total de 1.050 mortos.


Os primeiros paulistas a morrer foram os jovens Euclides Miragaia, Antônio de Camargo Andrade, Mário Martins de Almeida e Dráusio Marcondes de Souza, cujos nomes inspiraram a sigla MMDC, inicialmente uma sociedade secreta que depois se transformaria no movimento responsável pela convocação de voluntários na capital e no interior.


Os quatro foram metralhados num conflito de rua, em manifestações diante da sede do Partido Popular Paulista, braço político das Legiões Revolucionárias de Miguel Costa, preposto da ditadura.


A partir desse episódio, São Paulo chegou à conclusão de que a luta armada era a única saída. Os líderes civis da Revolução – entre os quais o jornalista Julio de Mesquita Filho, seu cunhado Armando de Salles Oliveira e o empresário Paulo Nogueira Filho – passaram a conspirar com outros civis e militares para derrubar Getúlio. O general Isidoro Dias Lopes, comandante da Revolução de 1924 contra o presidente Artur Bernardes, assumiu o Comando-Geral, enquanto o general Bertoldo Klinger era nomeado chefe das operações e o coronel Euclydes Figueiredo, comandante da Frente Norte, no Vale do Paraíba.


Numa reunião na manhã de 9 de julho, decidiu-se pela antecipação do movimento, previsto para o dia 14, por causa do risco de traição entre os conspiradores. “Às 21 horas, já me sentia dono da situação… São Paulo inteiro estava em minhas mãos”, relatou mais tarde o coronel Euclydes Figueiredo, designado para chefiar a revolta na capital. O interventor Pedro de Toledo, que havia dado apoio a Getúlio, renunciou ao cargo e foi nomeado governador.


Voluntários. Milhares de voluntários faziam fila nos postos de alistamento, recebiam uma semana de treinamento e partiam para a frente de batalha. As mulheres ocuparam o lugar dos adultos no comércio e na indústria, trabalhavam como costureiras fazendo uniformes, alistavam-se como enfermeiras. A indústria paulista adaptou máquinas para a fabricação de armas e munições com resultados extraordinários, como a produção de carros de combate e de trens blindados.


São Paulo emitiu bônus e moedas do Tesouro Estadual para movimentar a economia, prejudicada pelo boicote federal e pelo bloqueio do Porto de Santos. O esforço de guerra garantiu, em poucas semanas, o pleno emprego, atraindo milhares de operários que, influenciados pelos comunistas, resistiam a se alistar. A Revolução também imprimiu cartões postais para incentivar a correspondência dos combatentes com suas famílias.


A propaganda foi essencial para alimentar o entusiasmo dos constitucionalistas, apesar de sucessivas derrotas nas trincheiras. “O Exército da lei mantém valentemente as suas posições”, dizia a manchete do Estado em 29 de setembro, quatro dias antes da rendição. O Jornal das Trincheiras, distribuído na linha de frente, refletia o otimismo de toda a imprensa. As três emissoras de rádio paulistas só falavam em vitória. Do lado do governo federal, o tom era o mesmo para anunciar avanços e sucessos das tropas legalistas.


A propaganda de Getúlio descrevia a Revolução Constitucionalista como uma revolta da elite paulista, liderada pelo “comunista” Francisco Matarazzo, que pretendia separar São Paulo do Brasil. O separatismo foi uma das teclas das acusações da ditadura contra os revolucionários.


“Falar em separatismo foi enorme equívoco, assim como é preconceituoso dizer que a Revolução foi iniciativa da elite paulista”, diz o professor Marco Antônio Villa, lembrando que houve mobilização política, que se estendeu além das fronteiras paulistas. Os historiadores citam manifestações de apoio em Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Manaus. Em Itacoatiara, no Rio Amazonas, a Marinha afundou dois barcos aliados de São Paulo.


Erros. Se os constitucionalistas acreditavam tanto na vitória, por que a ditadura esmagou a Revolução? O primeiro erro dos revolucionários, concordam os historiadores, foi o coronel Euclydes Figueiredo não ter avançado logo para o Rio, como pretendia, mas ter estacionado em Cruzeiro, à espera do apoio dos mineiros e gaúchos e, sobretudo, da chegada do general Klinger, que prometia trazer 6 mil homens de Mato Grosso. Desembarcou com dez subordinados, enquanto Rio Grande do Sul e Minas aderiam a Getúlio.


A falta de armas modernas e de munição também ajudam a explicar a derrota. Hernâni Donato acrescenta que houve sabotagem, evocando o testemunho do jurista Miguel Reale, então estudante. “Miguel Reale, que era sargento e só tinha um fuzil velho para revezar com seis companheiros na trincheira, ficou surpreso ao descobrir seis fuzis novos escondidos sob a cama num alojamento em Avaré.”


A desproporção de armamentos era enorme. São Paulo tinha sete pequenos aviões civis adaptados para enfrentar 24 aparelhos militares. Os paulistas despejaram panfletos de propaganda sobre o Rio, envolveram-se num combate aéreo em Cruzeiro e sofreram bombardeios em Santos e Campinas, além do Campo de Marte, na capital, onde as bombas não chegaram a explodir. Santos Dumont suicidou-se num hotel do Guarujá, ao ver sua invenção usada para matar compatriotas.


Quando os militares assinaram o armistício com o poder central, em 2 de outubro, os líderes civis protestaram. Consideraram uma traição, pois acreditavam que São Paulo ainda tinha condições de lutar. Julio de Mesquita Filho, que serviu no Estado Maior do coronel Euclydes, enquanto seus irmãos Francisco e Alfredo lutavam na linha de frente, apostou na vitória até o fim.


Presos após a derrota, os principais líderes da Revolução foram deportados para Lisboa. Eram 48 oficiais do Exército, 3 da Força Pública e 53 civis, entre os quais Julio de Mesquita Filho, seu irmão Francisco Mesquita, Armando de Salles Oliveira, Paulo Nogueira Filho, Pedro de Toledo, Antônio Mendonça e Guilherme de Almeida. Voltaram em 1933, com a anistia decretada por Getúlio.


“Entrego o governo de São Paulo aos revolucionários de 1932”, anunciou Getúlio Vargas no dia 16 de agosto, ao nomear interventor o civil e paulista Armando de Salles Oliveira, depois eleito governador pela Assembleia. Ao aceitar o cargo, ele convidou Julio de Mesquita Filho para coordenar a criação da Universidade de São Paulo, em 1934.

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