O café de qualidade é uma forma de agregar valor e tornar a cafeicultura cada vez mais sustentável. O importante não é mais a quantidade do café e sim a qualidade dos grãos. Para conquistar isso, é preciso que cada etapa do processo de produção esteja dentro dos padrões técnicos ideais. Cada etapa é essencial para, no final, ter uma bebida diferenciada.
Produtor visionário
E tem gente que já busca isso há anos. Com o conhecimento que a terra dá, com a sensibilidade do olhar apurado durantes os anos plantando, colhendo, cuidando da lavoura. Uma dessas pessoas é Laudelino Grunewald.
Cafeicultor em Itarana, ele começou a investir em café de qualidade em uma época em que ninguém reconhecia o município como uma fonte de cafés especiais. Há cerca de 20 anos, Laudelino já dizia: “café verde é prejuízo, tem que se colher só o café maduro”.
Café especial é produzido em Itarana, no Espírito Santo (Foto: Vinícius Gonlçaves/ TV Gazeta)
A propriedade de Laudelino fica na comunidade de Barra Encoberta, em um local com alta altitude e clima ameno, por isso a maturação do café é desigual.
Desse modo, Laudelino começou a praticar a colheita seletiva, ou seja, retirar somente os grãos maduros do pé. “Ele sempre produziu um excelente café, ele sempre queria um algo a mais, agregar valor,” conta o filho, Sidney Grunewald.
Nessa busca por um café acima da média e pelo reconhecimento do mercado na valorização da sua produção, Laudelino foi atrás de conhecimento técnico e procurou a Pronova, cooperativa de produtores de café de qualidade que hoje pertence à Cooperativa Agropecuária Centro Serrana (Coopeavi).
Lá o cafeicultor começou a receber as orientações de Edevaldo Costalonga, consultor de qualidade da cooperativa. O consultor explica que o café de Laudelino era muito bom.
Quando ele começou a investir num café de qualidade, as pessoas achavam que era loucura, porque Itarana não era conhecido como um município produtor de cafés especiais. Mas Laudelino acreditava no seu projeto e continuava indo atrás de um café cada vez melhor, mesmo sem o devido reconhecimento do mercado.
Reconhecimento que hoje seu filho, Sidney, começa a ver. Laudelino morreu em 2016 e Sidney tem dado continuidade ao sonho do pai, que também é o sonho dele e de toda a família.
Para Edevaldo, Laudelino deixou um legado para a comunidade e seu filho assumiu esse papel de forma exemplar. Com exigência ao realizar seu trabalho, Sidney segue todas as orientações técnicas à risca, o que é essencial para uma produção de alto nível.
Os seis mil pés de arábica têm rendido bons frutos e cada vez melhores. O café da família Grunewald já foi para Itália, EUA, São Paulo. Já teve lote que conquistou 92 pontos.
Café de qualidade é produzido em Itarana, no Espírito Santo (Foto: Vinícius Gonçalves/ TV Gazeta)
Para um café ser considerado especial, ele precisa atingir no mínimo 80 pontos de nota quando avaliado de acordo com a metodologia criada pela SCAA – Specialty Coffee Association of América.
O café avaliado entre 80 e 84 pontos é considerado “bebida mole”. E o café avaliado de 85 pontos para cima é classificado como “bebida estritamente mole”.
O papel da mulher
Este ano o trabalho dos Grunewald foi duplamente premiado. Se um café de qualidade é feito em família, as mulheres têm um papel primordial para um bom resultado, elas costumam ser responsáveis pelo pós-colheita – principalmente pela secagem do café nos terreiros.
O especialista em qualidade de café, Edevaldo Costalonga, que acompanhava Laudelino e agora acompanha o trabalho de Sidney, explica que o pós-colheita é fundamental, porque é onde se define a qualidade do café.
Se o grão não for bem mexido no terreiro para secar da forma correta isso vai influenciar diretamente no gosto final. Em muitas propriedades, a organização é feita com o homem coordenando a colheita e a mulher cuidando do terreiro.
Alessandra trabalha na produção de café em Itarana, no Espírito Santo (Foto: Vinícius Gonçalves/ TV Gazeta)
Alessandra Sassemburg Grunewald, esposa de Sidney, cumpre essa função com muito gosto. Filha de agricultores, ela já acompanhava os pais na lavoura. Depois, se formou e se tornou professora. Há dois anos, com o marido assumindo o plantio do pai, Alessandra passou a ter mais uma jornada: além de professora, cafeicultora.
É uma forma de reduzir custos, porque a mão de obra durante a colheita é escassa e o custo é muito alto. Porém, mais do que isso, Alessandra se vê ajudando a agregar valor ao produto da família.
“É uma satisfação muito grande, é uma coisa que eu faço parte, acredito. Acompanhando meu esposo acabei me apaixonando pelo trabalho, por tentar fazer sempre um produto de melhor qualidade,” conta.
Todo essa dedicação dela e do marido foi recompensada. Alessandra ficou em primeiro lugar na categoria arábica feminino no 2° Concurso de Microlotes de Café “Single Origin”, promovido pela Coopeavi. E o marido, Sidney, ficou em primeiro lugar na categoria masculina.
“Tanto ele quanto eu tentamos envolver todo amor e carinho por esse produto… Não é só um produto comercial, passa a fazer parte da vida da gente, é um alimento que a gente tá produzindo e a gente quer oferecer para o consumidor o melhor do nosso trabalho”, reforçou Alessandra.
Para Sidney e Alessandra, a aposta na melhoria de vida por meio da produção do café de qualidade tem se mostrado o caminho certo. “Fiquei muito feliz, foi a realização de uma meta que eu tinha criado. Era um lema do papai, ‘diminuir quantidade, melhorar qualidade’. E tá dando certo”, diz Sidney.
Alessandra e Sidney apostaram no café especial e agregam mais valor à produção (Foto: Vinícius Gonçalves/ TV Gazeta)
O Concurso Single Origin foi criado em 2016 pela Coopeavi. Diferente do outro concurso que a cooperativa já realiza, o Prêmio Pio Corteletti, este foi criado para acontecer no início da colheita, como uma forma de estimular os cafeicultores a ficarem atentos na qualidade do café desde o início.
Mas este foi o primeiro ano da categoria para as mulheres. Giliarde Cardoso, gerente do negócio café da cooperativa, reforça que os cafés especiais são feitos por agricultores familiares. O cuidado da mulher nesse processo é indispensável. Quando se faz um prêmio, em geral, é o nome apenas do homem que aparece.
“A ideia de promover um concurso voltado para as mulheres é uma forma de dar reconhecimento a figura feminina e a importância que ela representa para a cafeicultura de qualidade”, explica Giliard.
A cooperativa tem núcleos femininos e veio justamente de um desses núcleos a sugestão para a criação de um concurso para as mulheres.
O resultado foi ainda melhor do que o imaginado. “Além do número de inscrições, o que nos surpreendeu foi a qualidade dos cafés apresentados. Dentro de vários inscritos, os 29 finalistas são cafés gourmets acima de 85 pontos. Entre os cinco primeiros colocados, a diferença de pontuação foi muito próxima, todos os cafés acima de 89 pontos. Cafés muitos superiores”, conta Giliard.
Outro ponto que pode ser uma surpresa para o mercado, segundo o gerente de café da Coopeavi, é o destaque de Itarana no concurso.
Dos seis primeiros colocados da categoria arábica feminina e masculina quatro são do município. “Para o mercado em si foi uma quebra de paradigma. Itarana não é conhecido como referência em café arábica de qualidade”, completou Giliard.
O município tem o conilon como principal cultivo, mas nos locais mais altos a produção de arábica tem surpreendido. E para Giliard tem potencial para crescer ainda mais.
Os outros dois vencedores de Itarana no concurso foram: Silvanius Kutz, que ficou em terceiro na categoria arábica masculino, e Geisilane Timm, ficou em segundo na categoria feminina.
Propriedade de Edivan e Geisilane no Alto de Jatibocas em Itarana, no Espírito Santo (Foto: Vinícius Gonçalves/ TV Gazeta)
Geisilane Timm Grunewald e o marido Edivan Grunewald vivem na comunidade de Alto Jatibocas. O sobrenome é o mesmo de Sidney, mas o que eles têm em comum mesmo foi o investimento em um café diferenciado.
Há três anos a família de Edivan resolveu fazer a colheita seletiva e mudar a forma como cuidavam do café. O cafeicultor acredita que este é o futuro. “Vejo que está tendo mais mercado de café especial, estão dando mais valor para o café que bom. Alguém que já experimentou o café bom, vai experimentar o café de novo”, acredita.
A diferença entre uma saca de café comum e uma de café especial pode chegar, segundo ele, a R$ 200 ou R$ 300. Em Itarana, os produtores estão começando a perceber que este é o caminho. Edivan recebe visitas de outros produtores para conhecer o café, entender como é a produção.
Edivan e Geisilane investiram na produção de café especial em Itarana, no Espírito Santo (Foto: Vinícius Gonçalves/ TV Gazeta)
Na última colheita, Edivan conta que depois de panhado os melhores cafés, percebeu que teria um lote muito bom. Ele resolveu então inscrever a esposa no concurso da cooperativa.
Geisilane ajuda na colheita e também na hora da secagem dos grãos. Assim como Alessandra, Geisilane desde nova já ajudava os pais com a lida na lavoura e agora trabalha com o Edivan. Quando ela viu que o café tinha sido premiado foi uma surpresa. “Foi muito bom, eu não esperava não. Mas já que deu certo, fiquei muito feliz”, disse a agricultora.
Mas tudo isso é apenas o começo. Para Giliard, o prêmio não é um fim e nem tem esse objetivo. O prêmio é um despertar, “um despertar para os demais produtores olharem para o café de qualidade como uma oportunidade”, explica.
Dessa forma, trabalhar para agregar valor em toda sua produção e fazer de cada saca de café um produto especial. E ter a recompensa por isso. Exemplos de que é possível não faltam.
Edivan e Geisilane na plantação de café em Itarana com Giliarde Cardoso, gerente do negócio café da Coopeavi (Foto: Vinícius Gonçalves/ TV Gazeta)