Claudia Carmello – 04/06/2014 às 17:52
Há tempos estou pra escrever sobre esse tema que me chamou atenção enquanto eu pesquisava programas legais de Portland, a cidade americana do momento entre hipsters-eco-conscientes-gourmets e afins, onde estive no Carnaval (e escrevi sobre neste post).
A cultura do café gourmet é fortíssima por lá, e acho que foi no site da Stumptown Coffee, epicentro desse movimento em Portland, que li uma frase mais ou menos nessa linha (devia estar no blog deles, porque não acho o trecho exato pra reproduzir aqui): “nós não pagamos aos nossos produtores de café no mundo todo o preço do comércio justo, porque isso ainda é baixo. Buscamos a melhor qualidade, os melhores grãos e produtores do mundo, e comprar café nestes padrões é bem mais caro do que esse isso”. (Achei em matéria do Portland Tribune que em alguns casos eles pagam 3 ou 4 vezes mais do que o “preço justo”).
Acendeu uma luzinha quando li isso. Fair trade ainda é pouco? Tive aquele estranhamento de quando uma surpresa, dois segundos depois, já vira uma obviedade, sabe?
Verdade que quando você está viajando pra uma região pobre do seu país – ou país mais pobre que o seu, digamos, o Laos, a Bolívia –, se você vai comprar uma peça de arte local em uma loja de comércio justo ela custa bem mais do que numa loja genérica da vizinhança. Em geral a mercadoria também é mais bacana. Mas mesmo quando ela é igual, esse “pagar caro” é caro mesmo, em valores absolutos, ou só não é tão irrisório quanto na loja genérica que explora o artesão ou traz o artigo de um lugar ainda mais pobre que aquele?
Esse “pagar caro” é comparável ao que você pagaria por um produto similar, e talvez até de design ou conceito bem menos interessantes, em São Paulo, em Los Angeles ou em Madri? A dúvida tem muito a ver com turismo sustentável por dois motivos:
1- Não seria a mesma discussão do “basta não minimizar seu impacto negativo no destino visitado pra ser sustentável ou é preciso também causar um impacto positivo”? (Opto pela segunda opção).
2- Quando falamos da dimensão econômica do turismo sustentável, a gente deve se preocupar somente em corrigir as distorções do mercado, ou seja, promover “parcerias comerciais [em cada elo da cadeia do turismo] baseadas em diálogo, transparência, respeito e maior igualdade entre as partes”, como prega o conceito geral do fair trade? Ou estamos falando também em estimular parcerias comerciais que busquem cada vez mais qualidade na experiência turística? (Também aposto no potencial transformador e sustentável, a longo prazo, da segunda opção).
A proposta dessas cafeterias bacanas de Portland me parece muito exemplar pra pensarmos num turismo mais bacana para o mundo.
Na Stumptown Coffee eles declaram visitar cada um de seus cafeicultores pelo mundo de 2 a 3 vezes a cada safra, para trocar experiências, orientar e acompanhar as decisões ao longo da colheita, processamento, transporte etc. E você pode conhecer a história e a cara de cada um desses fazendeiros pelo site (aqui).
Já na Coava, eles optaram por não servir nenhum blend de café por acreditar que as blendagens mascaram o esforço e a competência do produtor. E o objetivo do negócio seria ressaltar a reputação dos produtores talentosos pelo mundo – como por exemplo David Mancia, de Honduras, um dos parceiros da Coava.
Acho que o approach é muito interessante porque o jangadeiro do litoral baiano, a dona da pousada domiciliar no Vale do Jequitinhonha, a artesã que fez do seu ateliê uma lojinha em Paraty, pra citar exemplos fictícios, vai se beneficiar tanto mais do turismo quanto melhor o serviço que ela prestar, e quanto mais turistas de todas as tribos se interessarem por aquela experiência de viagem.
Que toda pousada domiciliar possa cobrar um valor adequado para conseguir se manter como um negócio saudável, promovendo práticas sustentáveis e usando fornecedores locais também pagos de forma justa é um sonho para qualquer ativista do turismo sustentável.
Mas e se a pousada melhorar cada vez mais os seus serviços (e for orientada e estimulada para tal), a ponto de atrair qualquer tipo de viajante, inclusive aquele que coloca qualidade em primeiro lugar e não necessariamente pesa a conduta ética do empreendimento, isso não representa a autonomia desse empreendedor local? A liberdade de subir o seu preço porque está oferecendo mais serviço, mais conforto, ou mais charme, e de competir de igual pra igual com qualquer outro concorrente, sustentável ou não?
Pensar que o fair trade ainda é pouco pode ser um bom motor pra realmente promover a autonomia das comunidades envolvidas em um desenvolvimento mais sustentável do turismo.
Fotos de Michael Martin para UNFCCC, divulgação de Stumptown Coffee e de Coava Coffee.