Importação de café por parte do Brasil é discussão polêmica e antiga
22 de Dezembro de 2014
Empresa pretende usar matéria-prima de outras origens nos blends; veja quem ganha e quem perde com a compra de café verde do exterior
POR LÍVIA ANDRADE / Revista Globo Rural
Na última quinta-feira (18/12), Paul Bulcke, presidente global da Nestlé, anunciou o investimento de US$ 200 milhões na primeira fábrica de cápsulas de café da multinacional fora da Europa. O empreendimento será construído em Montes Claros (MG), ao lado da unidade de Leite Moça da empresa, e será destinado à fabricação das cápsulas da linha de máquinas Nescafé Dolce Gusto. Na ocasião, Bulcke afirmou que 90% do café utilizado será do Brasil, mas frisou a necessidade de importar 10% de cafés de outras origens para a elaboração dos blends.
Estes 10% reacenderam a antiga polêmica sobre a importação de café verde de outras origens. A atual legislação brasileira impede a compra do grão cru de outros países com o argumento que o produto poderia trazer novas doenças e pragas aos cafezais nacionais. “Não sei se o Brasil tem rigor para o controle sanitário necessário”, diz Edgard Bressani, CEO do O’Coffee, grupo que tem mais de 1.000 hectares de café arábica em Pedregulho, no interior paulista. No entanto, países produtores como a Colômbia e Vietnã já importam sem prejuízo para o parque cafeeiro local. A situação traz à tona uma outra preocupação. Se a importação passar a ocorrer, dependendo da forma como for feita, poderá comprometer o lado mais frágil da cadeia: os cafeicultores brasileiros.
Os produtores de café são a favor da agregacão de valor à matéria-prima que eles produzem. Ao mesmo tempo, temem uma competição desleal, já que a legislação trabalhista brasileira é muito mais rigorosa que nos outros países produtores, o que torna o custo de produção do grão no Brasil mais alto. Na hipótese desses cafés de diversas origens começarem a ser importados com alíquota zero de importação, que é o pleito da indústria, isso poderá colocar em xeque a cafeicultura nacional. “Abrir as portas é dar um tiro no pé. A indústria não está preocupada com a produção nacional. Ela quer ter opção de comprar de quem estiver vendendo mais barato”, afirma Bressani.
No caso do café conilon ou robusta, variedade usada na indústria de café solúvel e também para elaboração de blends com o arábica, a situação é ainda mais delicada. “Somos contra porque não temos como concorrer com o conilon de Vietnã”, diz Luiz Carlos Bastianello, vice-presidente da Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel, a Cooabriel, que congrega mais de 3.600 cafeicutores capixabas. O Espírito Santo é o maior produtor de conilon do Brasil com uma produção de 9,3 milhões de sacas. “Na época da colheita, eu não consigo um trabalhador por menos de R$ 60 por dia. No Vietnã, eles pagam US$ 4”, explica.
Atualmente é possível a importação de cafés de outras origens, desde que torrado. O problema é que uma vez torrado, o café inicia o processo de oxidação, o que interfere na qualidade. Outro revés é a impossibilidade das indústrias e cafeterias trabalharem a torra que desejam. “Nós temos cafés de outras origens na Octavio. Nossos parceiros de fora torram os grãos e despacham em pequenos lotes no mesmo dia via aérea”, diz Edgard Bressani, CEO do grupo O’Coffee, a qual pertence a cafeteria Octavio.
O lado da indústria
A Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) apoia toda iniciativa de construção de novas fábricas no Brasil e sempre se manifestou favorável à importação de café verde de outras origens. “Estamos numa posição estranha de não permitir a importação de grão verde, mas de importar gigantes quantidades de café torrado e moído que compõem os blends de cápsulas vendidas no mercado brasileiro”, diz Nathan Herszkowicz, diretor-executivo da Abic.
“Abrir as portas é dar um tiro no pé” (Edgar Bressani, CEO do O’Coffee)
Segundo estatísticas da o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), de janeiro a novembro, o Brasil importou a cifra US$ 44,1 milhões de café torrado. Em contrapartida, as exportações da categoria no mesmo período foram de US$ 11,2 milhões. Um saldo negativo de quase US$ 33 milhões na balança comercial
De acordo Herszkowicz, o brasileiro está ávido por novidades e quer provar cafés de outros países. “Ao não trazer esta pequena quantidade de café verde de alta qualidade de outras origens, não fazemos estes blends e entregamos o nosso mercado consumidor para indústrias de outros países que ficam sem concorrentes em território nacional”, diz.
Maior valor agregado
A Associação Brasileira de Cafés Especiais, BSCA na sigla em inglês, apoia as iniciativas que agreguem valor e promovam os Cafés do Brasil. “Os conselheiros da BSCA entendem como positiva a instalação da fábrica da Nestlé no Brasil, desde que cumpridas à risca as intenções declaradas na carta assinada pela empresa”, diz Vanúsia Nogueira, diretora-executiva da BSCA.
O documento enviado pela multinacional traz itens como: 1) não importar café robusta; 2) iniciar a produção com 65% de café brasileiro e elevar este percentual, através de pesquisas no País, trazendo novas variedades em parceria com Embrapa; 3) exportar pelo menos três vezes o valor da importação; 4) colocar nas cápsulas que as mesmas são feitas com Cafés do Brasil, entre outros.
Com relação aos possíveis problemas fitossanitários, Vanúsia acredita que o Governo Federal tem estrutura e está preparado para realizar a fiscalização. “No caso específico da Nestlé, até onde sei, o volume será pequeno e o café virá de origens que já exportam para diversas partes do mundo com boa aceitação, como Colômbia, Quênia e Etiópia”, diz a diretora.
A assessoria de imprensa da Nestlé informou que nenhuma decisão foi tomada a respeito da possibilidade de importar café. No entanto, ressaltou que a empresa está trabalhando em parceria com vários agentes da cadeia produtiva e do governo e está confiante em um resultado positivo.