Burocracia para receber R$ 35 bi em créditos de impostos encarece produtos
Vivian Oswald
BRASÍLIA. A realidade dos exportadores confirma a urgência de se tornarem concretas as medidas em estudo pelo governo para acelerar o recebimento, pelo setor, de cerca de R$ 35 bilhões em créditos tributários.
A burocracia para receber esse dinheiro é um dos maiores entraves às exportações de produtos manufaturados e motivo de perda de competitividade dentro e fora do Brasil, de acordo com empresas ouvidas pelo GLOBO. A saída para muitos empresários é importar insumos estrangeiros para industrializar aqui dentro sem precisar pagar os tributos internos, ou simplesmente industrializar lá fora para escapar dos impostos.
Cerca de R$ 25 bilhões em ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e de R$ 7 bilhões a R$ 10 bilhões em PIS/Cofins que já foram pagos pelo setor geraram créditos que as empresas não usaram nos últimos anos.
Quem produz bens manufaturados no Brasil com o objetivo de exportar tem direito a receber, por lei, um crédito no valor dos tributos recolhidos que poderá ser compensado em outros impostos. Como os créditos acabam sendo maiores do que o imposto a ser pago, os exportadores teriam dinheiro a receber. Na prática, no entanto, como as empresas nunca recebem essa diferença por causa da burocracia, a incidência de impostos pesa sobre as exportações brasileiras.
Como o volume de crédito gerado está atrelado ao montante produzido pela empresa, a opção de várias companhias tem sido fazer o mínimo necessário.
Com isso, no país que é o maior produtor de soja do mundo, as empresas desistem de exportar o óleo de soja, por exemplo. Vendem só os grãos.
— Há empresas que compram esmagadoras (de grãos) em outros países, exportam in natura e transformam no exterior.
O país perde renda e emprego — diz o presidente da Federação das Indústrias do E s t a d o d o M a t o G ro s s o (Fiemt), Mauro Mendes.
Setor de couro e calçados inova para sobreviver O mesmo problema assombra o setor de calçados e couros, que ainda se queixa do impacto do câmbio valorizado sobre as exportações. O presidente da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), Ricardo Peres, afirmou que a dificuldade de receber os créditos é o maior complicador deste setor. O segmento tem tentado reduzir custos e investir em inovações para sobreviver.
— Nossos clientes têm importado insumos. E muitos curtumes têm exportado o couro wet blue diretamente em vez de agregar valor. E olha que foram criadas taxas de exportação para desestimular estas vendas externas. Isso é péssimo porque diminui a renda do país, não gera empregos e ainda deixa no Brasil o impacto ambiental do tratamento do couro — disse Peres, que também é dono da empresa Noko Química e admite estar comprando parte de seus insumos no exterior.
Segundo o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, as empresas preferem não correr o risco de ter que ficar esperando indefinidamente por créditos do ICMS que nunca vêm.
— Não adianta ir à Justiça. A demora não vale a pena.
Produtor histórico de café, o Brasil tem ficado para trás na competição por itens que não sejam o grão em si. Não se trata de falta de qualidade do produto nacional, garante o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de café (Abic), Nathan Herszkowicz. Ele defende que a indústria de café processado brasileira é pouco competitiva porque acaba exportando os impostos, uma vez que não consegue reaver os créditos.
Marcas estrangeiras têm trazido sem concorrência para o país blends do mundo inteiro, num mercado de consumidores cada vez mais entendidos.
— As estrangeiras estão ganhando este mercado de presente no Brasil. As empresas brasileiras não têm como fugir dos custos dos tributos para industrialização e ainda há uma proibição de importar os grãos verdes para fazer as paletas especiais com sabores do mundo — disse o diretor da Abic.
Fim do repasse da Lei Kandir também preocupa O maior exportador do mundo é a Alemanha, que não planta um só pé de café. Mas compra o brasileiro e vende industrializado aqui no país. O setor de minério padece do mesmo problema, segundo o vice-presidente da AEB. Muitas empresas preferem se dedicar à exportação da matéria-prima.
O fim do repasse dos recursos previstos na Lei Kandir aos estados a partir de 2011, como quer o Executivo, também pode criar um problema adicional para as exportações brasileiras de produtos industrializados. Para o ano que vem, foram garantidos R$ 3,9 bilhões.
— Se os estados deixarem de receber os repasses, vão cortar os créditos. Os manufaturados já enfrentam o problema do câmbio.
Se criar mais um, teremos duas consequências: a mais imediata é a queda das exportações de quem está instalado aqui. A de médio prazo é que vai desestimular a atração de empresas que queiram produzir no Brasil — afirmou Castro.
Outro gargalo é o chamado risco de apagão logístico: — Não temos estrutura para atender o mercado externo quando a demanda internacional crescer. Já ouvi importador dizer que vai comprar soja na Argentina porque sabe que a sua entrega não competiria com outras nos portos brasileiros — garante um exportador