Se não bastasse a seca, frio, geada e granizo, recentemente tivemos chuvas em excesso que, em muitos municípios cafeeiros, chegaram a 300 – 400 mm em 24 horas. Poucos dias depois, estabeleceu-se um estresse anaeróbico e os cafeeiros reagiram ao encharcamento/alagamento do solo derrubando frutos, muitos deles já em início de expansão, conforme relatos de grande queda de frutos na Bahia, Espírito Santo e Minas Gerais.
O solo é formado por partículas sólidas e poros, que sob condições normais estão ocupados por água ou por ar (contendo 21% do oxigênio). Num solo encharcado, tanto por excesso de chuva ou irrigação, todos os poros estão praticamente ocupados pela água enquanto nos solos secos, todos estão preenchidos pelo ar.
Em solos na capacidade de campo, bem aerados, as raízes acionam a respiração aeróbica e nesse processo, produzem 36 ATP (energia) por molécula de glicose segundo a rota aeróbica (Figura 1). A glicose aparece nos órgãos subterrâneos, depois da sacarose ser produzida nas folhas pela fotossíntese e transportada até as raízes, onde é quebrada em glicose + frutose. Posto que são centenas de milhares de moléculas de glicose, essa quantidade de energia (36 ATP/glicose) formada pela rota aeróbica é suficiente para que as raízes cresçam e exerçam com eficiência seu papel na absorção de água e nutrientes do solo. Em contrapartida, a parte aérea se desenvolve plenamente lançando nós, folhas e frutos, com uma taxa mínima de queda.
Nos solos encharcados, com zero de oxigênio (anoxia), cada glicose sofre um desvio da rota aeróbica para a rota anaeróbica, produzindo duas substâncias muito tóxicas às células; o ácido lático (lactato) e/ou etanol, mais 2 ATP (Figura 1). Atente que a energia produzida pelas plantas em solos encharcados (2 ATP/glicose ) é 94,4% menor que aquela produzida em solos aerados (36 ATP/glicose) e numericamente, 18 vezes menor.
O cafeeiro arábica é uma espécie particularmente sensível ao excesso de água no solo e essa sensibilidade, é explicada pela reduzida quantidade de energia produzida nesta condição anaeróbica que leva a um declínio no crescimento de raiz e parte aérea; pelo acúmulo de produtos tóxicos como o lactato e o etanol que desestabilizam o metabolismo celular, causando estresse; e pela elevação da síntese de etileno nas folhas, que induz a queda de folhas e frutos.
A produção de etileno nas folhas de plantas em solos encharcados correlaciona-se ao acúmulo de ACC (Ácido 1-aminoCiclopropano Carboxílico), um precursor da síntese de etileno. Nessa condição de baixo nível de oxigênio (hipoxia), o ACC é transportado até as folhas, onde é convertido a etileno. No cafeeiro o acúmulo desse hormônio enfraquece a parede celular das células do pecíolo, provocando a queda de folhas; desestabiliza a parede celular das células do pedúnculo, na região proximal ao ramo, levando a queda de frutos verdes fixado ao pedúnculo e, finalmente; rompem as células dos frutos na região de inserção com o pedúnculo, induzindo a queda de frutos cerejas sem o pedúnculo, que fica atado ao ramo.
Pelo exposto, é bom ressaltar que chuva em excesso é prejudicial à lavoura cafeeira, principalmente pelos efeitos na queda de folhas e frutos em plantas adultas (sem falar no aumento de doenças do fruto) e na capacidade geral de sobrevivência de mudas recém-plantadas.
Nesse momento em que finalizo este texto me veio à mente a música escrita e cantada por Luiz Gonzaga, que peço licença para reproduzir. Enquanto isso, vamos então, “pedi pra chover, mas chover de mansinho” até meados/final do outono, para que o cafeeiro ainda consiga lançar folhas para segurar a safra 2022 e ramos com muitos nós, que serão a sede física para os frutos que formarão a safra 2023.