Por Vanda Araújo/vanda@safras.com.br
O Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas-GV Agro, lançado no final de novembro último para atuar como um centro de excelência do agronegócio brasileiro, deve lançar no segundo semestre deste ano, o primeiro curso de Agroenergia do Brasil em nível de Mestrado, em parceria com a Esalq e a Embrapa. Também está em estudo avançado a criação de um segundo curso, o de MBA em Agroenergia.
À frente das articulações, ou melhor, cuidando pessoalmente de todos os processos para que ambos os cursos saiam logo do forno, está o ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, coordenador geral do GV Agro, que sonha em ver o Brasil como grande artífice de uma mudança de civilização.
“Quero gastar os próximos 40 anos de minha vida (não sei se é muita pretensão) trabalhando na proposta de mudar a civilização, de sair do petróleo, produto fóssil, finito e ecologicamente negativo para um combustível renovável, que permita o crescimento econômico das regiões tropicais do planeta. A agroenergia é um novo paradigma mundial, a grande modificação do agronegócio no mundo”, sustenta o ex-ministro, que no final da tarde da última terça-feira (30), encontrou espaço em sua agenda lotada no GV Agro para essa entrevista exclusiva por telefone à Agência SAFRAS.
Agrônomo, produtor de soja e de cana-de-açúcar com fazendas em São Paulo, em Balsas/MA, e expandindo sua produção de cana em terras de terceiros, em Minas Gerais, Rodrigues tem se dividido desde que saiu do Ministério da Agricultura, em julho último, após três meses e meio frente à pasta, entre a vida acadêmica e a empresarial.
Voltou a ser professor- assumiu cadeira na área de Economia Rural na UNESP, de Jaboticabal/SP, onde leciona há 40 anos – e tornou-se pesquisador visitante no Instituto de Estudos Avançados- IEA, da USP. Na agricultura, montou o Conselho Superior de Agronegócios da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo-FIESP, e assumiu, em dezembro, a criação da Comissão Interamericana de Etanol, numa continuação de sua vertente cooperativista, como ele mesmo define.
“Voltei para a agricultura em dois segmentos, optando por uma atividade em nível empresarial que muito me agrada: estou conseguindo levar o tema agricultura a outros parceiros, para fora da agricultura”, diz o ex-ministro.
Nessa entrevista, ele fala de Agronegócio, do prazer em escrever, do romance em andamento, de seu gosto pela música -não sei porque estou falando dessas vaidades mas também tenho um CD gravado, “Prazer de Cantar”-, e deixa escapar uma particularidade dificilmente associada a um homem de tantos compromissos: a cada três meses envia correspondência para toda a turma da USP, de Piracicaba/SP, com quem se formou há 42 anos, contando feitos e notícias dos colegas que o escrevem e toda semana envia cartões de aniversários aos ex-colegas, às vezes extensivos também aos filhos, filhas e esposas.
“Faço isso do meu computador no sítio”, conta Roberto Rodrigues, que já escreveu dois livros – “A Turma de Ouro”, em 90, e a “Turma de Ouro 2”, em 2006, em homenagem aos velhos tempos de Agronomia, em Piracicaba.
CONSULTORIA EM AGROENERGIA TERÁ AMPLIAÇÃO RIGOROSA
Além do curso de Mestrado em Agroenergia, de lançamento previsto para o segundo semestre, é proposta do GV Agro coordenado por Rodrigues, aperfeiçoar o sistema de cursos e seminários que a Fundação Getúlio Vargas desenvolve. O centro de excelência em Agronegócio, que também prioriza outras três áreas- GV Agro Pesquisa, GV Agro Comunicações e GV Agro Projetos de Consultoria -, evoluiu bem nesses dois primeiros meses de existência na avaliação do ex-ministro, sobretudo na área de Comunicações.
“Vamos ampliar o escopo da revista Agroanálise e estamos em entendimento com vários canais de televisão- Canal Rural, Terraviva, entre outros – na tentativa de levar mensagens do agronegócio para além da área acadêmica”.
Na área de Consultoria, o centro se propõe a seguir a tradição da GV Consult que migrou para GV Agro Projetos fazendo contatos para ampliar de forma rigorosa a consultoria em Agroenergia, entre outras áreas de interesse do agronegócio. Já o GV Agro Pesquisa deve dar ênfase a estudos de projetos coordenados, realizados por alunos. “São estudos baseados em teses de mestrado, doutorado, tudo ainda em ebulição”, explica.
O GV Agro quer ser caracterizado, também, pela apresentação de propostas transformadoras de políticas públicas e privadas. “As políticas públicas e privadas devem ser capazes de garantir o crescimento do agronegócio. O subsídio do setor público é tema recorrente, de política de renda. Temos que descobrir no Brasil instrumentos anticíclicos, que evitem desastres. Agora, por exemplo, está em estudo o Fundo de Catástrofe. É preciso que o mercado entenda o seguro rural como regra de estabilidade de renda”, diz Rodrigues.
ETANOL: AGENDA AMBICIOSA, LENTAMENTE ELABORADA
Outra ação de destaque envolvendo o GV Agro nesses dois primeiros meses de atuação foi o lançamento, em 18 de dezembro último, na Flórida/EUA, da Comissão Interamericana de Etanol, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID e o estado da Florida/EUA. A Comissão recém criada pretende fomentar o uso de etanol no continente americano e sobretudo incrementar pesquisas técnicas e científicas no segmento.
Recentemente, o ex-ministro enviou carta ao Instituto Interamericano de Cooperação Agropecuária- IICA, com diagnóstico e potencial do segmento, além deu m levantamento com vistas à criação de um conhecimento harmonioso do que existe no hemisfério sobre o assunto.
Conforme o ex-ministro, o Brasil é o primeiro do mundo em produção de etanol e os avanços tecnológicos tendem o colocar o país no topo mundial. Destaca que o BID também tem interesse num projeto próprio de Agroenergia e que vem trabalhando junto com o GV Agro em vários temas.
“A questão da institucionalização da Comissão é que ainda está pendente, estamos desenhando esse mecanismo, mas nosso objetivo é criar a estrutura necessária para atuar onde desejamos. Teremos que avançar em padronização de produtos, em regras de investimento, enfim, é uma ambiciosa agenda que vem sendo elaborada lentamente”, ressalta Rodrigues.
ETANOL: CONSUMO INTERNO AUMENTARÁ EM 12 BILHÕES DE LITROS EM 1O ANOS
O coordenador geral do GV Agro vislumbra um mercado ultrapromissor para o etanol – recurso natural renovável, feito de cana-de-açúcar na América Latina e de milho nos Estados Unidos-, mas chama atenção para a necessidade de pesquisas nessa área, não apenas com milho, mas com madeira por exemplo. Conforme Rodrigues, o etanol à base de cana-de-açúcar é infinitamente mais competitivo que o milho e a produção brasileira só tende a crescer.
“Sou partidário da idéia de que o consumo interno de etanol aumentará em 12 bilhões de litros nos próximos 10 anos. Se isso acontecer, teremos um esforço de produção muito grande”, enfatiza.
Nas contas do ex-ministro, o Brasil tem 6 milhões de hectares plantados com cana-de-açúcar, dos quais 3 milhões voltados à produção de açúcar. O país também dispõe de 200 milhões de hectares de pastagens, dos quais 22 milhões aptos para produção de cana.
“Daqui a 10 anos poderemos produzir oito vezes mais etanol do que hoje, sem falar em alternativas tecnológicas que ainda não estamos usando”, prospecta.
AGROENERGIA: INVESTIMENTOS DEPENDEM DE VONTADE POLITICA
Mesmo diante de todo o potencial brasileiro, o ex-ministro da Agricultura, que está engajado também na articulação de um fundo para investimentos em Agroenergia (Etanol e Biodiesel), defende a ampliação de apoio a esse segmento, com prioridade às negociações internacionais.
Este, inclusive, é um dos seis pontos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) exclusivo para o setor agrícola brasileiro, proposto por ele na semana passada ao ministro da Agricultura, Luis Carlos Guedes Pinto, em complementação ao PAC lançado pelo presidente Lula no dia 22 de janeiro.
As outras medidas estruturantes apontadas para compor o PAC da Agricultura abrangem maior aporte de recursos para a defesa sanitária, implantação efetiva do seguro rural com ênfase na criação do fundo de catástrofe, política de fomento a cooperativas com vistas a agregar valor a produtos voltados à exportação e incentivo ao financiamento de pesquisas junto à Embrapa.
“No caso da energia, está faltando vontade política do governo para estabelecer regras e projetos na área”, detecta o coordenador do GV Agro. Quanto aos demais pontos propostos, diz que “todos são conhecidos do governo e trata-se mais de uma questão política de definição do que qualquer outra coisa, uma vez que implicam entre outros aspectos, em recursos orçamentários”.
Otimista quanto à safra brasileira de grãos de 2006/07, que começa a ser colhida agora em março, Rodrigues visualiza uma retomada de fôlego no ciclo produtivo no Agronegócio, setor que na sua avaliação enfrentou um conjunto inédito de dificuldades a partir de 2004.
Conforme o ministro, a expectativa de incremento da demanda por etanol de milho nos Estados Unidos produziu uma redução dos estoques de milho no mercado e ao subir de preço, o milho terminou puxando a soja, com reflexos também no algodão. No trigo, a safra do hemisfério norte quebrou, o que acabou puxando o arroz. No café, a política de comercialização amparada na visão de mercado funcionou e a saca, hoje, é negociada a US$ 130,00. O setor sucroalcooleiro vai muito bem, o que na sua opinião leva a crer num momento de remuneração ao produtor. Destaca, no entanto, que essa remuneração não conserta a questão da dívida agrícola, reflexo da perda de renda sem precedentes no agronegócio brasileiro nesses últimos 40 anos.
NA BRECHA DO AGRONEGÓCIO, PREDILEÇÃO RECAI SOBRE MÚSICA E LITERATURA
A vida de dedicação ao Agronegócio, cujos cargos exercidos, invariavelmente invejáveis, não param de empilhar – já foi presidente da Sociedade Rural Brasileira-SRB, da Associação Brasileira de Agribusiness-ABAG, da Organização das Cooperativas do Brasil-OCB e da Aliança Cooperativa Internacional- não chega a privar o ex-ministro das coisas simples, comuns a todas as pessoas.
Gosta de cantar – sempre que visita o Rio Grande do Sul é flagrado por fotógrafos entoando uma canção em homenagens a ele – de escrever, e está com três livros no prelo para lançamento.
“Escrever não é uma coisa nova”, faz questão de ressaltar. Já fez um livro em parceria com Ivan Wedekin, secretário de Política Agrícola no primeiro mandado do governo Lula (ele com mais de 80 crônicas e o amigo com mais de 30 poesias)- “parafraseando, o pequeno dicionário amoroso da Esalq”- em que contam o lado divertido da vida em Piracicaba, e tem mais de 500 artigos escritos publicados, muitos dos quais farão parte dos dois livros que pretende lançar este ano. Ambos tem o mesmo perfil, falam da agricultura brasileira, da evolução do cooperativismo e já estavam prontos antes da ida do ex-ministro ao Ministério.
O outro livro – um romance – já tem mais de 90 páginas escritas, mas está totalmente parado em função do acúmulo de atividades.
A inspiração para esse romance veio de “Conversa na Catedral”, do peruano de Arequipa, Mario Vargas Llosa e de uma obra-prima da literatura brasileira, “Grande Sertão:Veredas”, de João Guimarães Rosa, em que o narrador Riobaldo Tatarana discorre sobre sua infância até a entrada no cangaço, quando se estabelece às margens do Rio São Francisco, como um pacato fazendeiro.
“Estou tentando fazer algo parecido com isso, uma mescla, mas que chega ao dedão do pé desses dois autores”, diz em tom de pilhéria. No seu livro, quatro personagens, em parte semi-reais e fictícios- um médico, um mecânico, um fazendeiro e um velhinho dono de um rancho se envolvem num crime, numa história ambientada em região de produção agrícola em que é explorada também a economia em torno do café, da banana e da cana-de-açúcar. “É uma colcha de retalhos, procuro dar uma visão histórica da região com um cunho policialesco”, antecipa o Rodrigues escritor.