Além de proteger o coração, estudos apontam outros benefícios do café, como a prevenção ao mal de Alzheimer
Por muito tempo, o café encenava melhor o papel de vilão: provocava agitação, dependência e fazia mal para o estômago. Definitivamente, não era indicado para a saúde do coração. Atualmente, a probabilidade é que ele passe de bandido a mocinho. Reduzir o colesterol, evitar doenças coronarianas, proporcionar efeitos antidepressivos e até mesmo ajudar a emagrecer são alguns dos pontos a favor que a bebida vem ganhando e que se tornaram objeto de pesquisas conduzidas em diversos países.
A aposta nos aspectos saudáveis do café é tão grande que o Brasil vai ganhar, em breve, um centro de estudos que concentrará esforços na investigação dos prováveis efeitos benéficos. A Fundação Zerbini, do Hospital das Clínicas de São Paulo, a partir de um protocolo de intenções assinado com a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), prepara-se para criar a Unidade de Pesquisa Café-Coração do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Já foi assinado o contrato de cooperação técnica e financeira com a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, que ‘viabilizará o desenvolvimento das pesquisas’, segundo Gabriel Bartholo, gerente-geral da Embrapa Café. A previsão é que, ainda este ano, seja dado andamento aos estudos da unidade.
Tamanho interesse é o resultado do cruzamento de duas coordenadas: a científica e a econômica. A primeira diz respeito a pesquisas populacionais e laboratoriais, realizadas nas últimas décadas, que apontam uma série de benefícios à saúde relacionados ao consumo regular de café.
‘Estudos indicam que substâncias presentes no café podem prevenir demências e mal de Alzheimer. Seus compostos antioxidantes protegem do diabetes. E o consumo moderado regular inibe o alcoolismo e a depressão’, afirma Darcy Roberto Lima, doutor em Medicina pela Universidade de Londres e professor do Instituto de Neurologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Falta consenso entre os médicos
Chegar a conclusões efetivas sobre a capacidade de o café proteger o coração parece ser o principal desafio dos pesquisadores. Para Luiz Antonio Machado César, coordenador da Unidade Café-Coração do Incor, ‘hoje, não há motivos para dizer ao paciente que pare de tomar café e há motivos para dizer que o consumo pode fazer bem’.
Esses motivos são sustentados pelos novos estudos na área. Investiga-se, por exemplo, como o café interfere na taxa de colesterol. Rosana Perim, gerente de Nutrição do Hospital do Coração (Hcor), da Associação Sanatório Sírio, estudou as diferentes formas de preparo e concluiu que o café filtrado ou coado não altera os níveis de colesterol no sangue, mas, em processos de preparo sem filtragem, há um discreto aumento. Segundo ela, o consumo moderado diminui a oxidação do LDL (colesterol ‘ruim’), que causa inflamação nas artérias, desencadeando a doença coronariana.
Esse efeito está ligado aos compostos antioxidantes do café. Estudos conduzidos atualmente na Universidade de Brasília (UnB) concentram-se na análise do ácido caféico (AC). ‘Em nossos estudos, verificamos que o AC é capaz de atuar eficientemente como antioxidante’, diz Angelo de Queiroz Mauricio, mestrando do Instituto de Química da UnB e integrante do grupo de pesquisas em radicais de oxigênio.
O ex-presidente da Federação Mundial de Cardiologia, Mario Maranhão, vê com entusiasmo as pesquisas sobre as potencialidades do café. Ele aposta ‘na perspectiva de o café, indiretamente, reduzir a chance de infarto do miocárdio’, baseado em pesquisas que mostram um efeito antidepressivo na bebida.
‘A depressão aumenta em até quatro vezes a possibilidade de infarto e, ao cabo de um ano, aumenta em cinco vezes a chance de um novo episódio. Ao combatê-la, melhoramos as condições de saúde cardiovascular’, afirma Maranhão.
Antidepressivo
O efeito antidepressivo do café foi apontado em uma grande pesquisa populacional realizada nos EUA, conhecida como ‘pesquisa das enfermeiras’, por ser essa a profissão da população observada. Os dados mostraram uma menor incidência de depressão profunda e de suicídio entre aquelas que eram consumidoras habituais da bebida.
No Brasil, uma pesquisa realizada entre 1987 e 1998, envolvendo mais de 100 mil estudantes de dez a 18 anos, também verificou uma relação inversa entre o consumo de café e a depressão. Coordenada por Darcy Lima, da UFRJ, e com o apoio do Instituto de Estudos do Café da Universidade Vanderbilt, de Nashville (EUA), os dados preliminares da pesquisa também mostram uma menor incidência de alcoolismo entre as crianças e os adolescentes que tomam aproximadamente três xícaras de café por dia.
As conclusões desses trabalhos, porém, ainda não são consenso entre os médicos. O presidente do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, Ricardo Moreno, não recomenda café nos casos de depressão.