Na mesma sala em que se formou há 40 anos, na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba (SP), o ministro Roberto Rodrigues fez ontem um dos mais pessimistas desabafos à frente do Ministério da Agricultura, ao avaliar a situação atual da agropecuária nacional.
Os termos mais comuns de seu discurso, em tom emocionado, feito em um seminário sobre agroenergia, foram: crise, fantasmas, juros elevados, câmbio pressionado e o atual “trágico evento da febre aftosa”.
Resumindo tudo em poucas palavras, o ministro disse: “Estamos no fundo do poço”.
O agronegócio, motor da economia nos últimos anos, vai viver um cenário sombrio no próximo ano, segundo a avaliação de Rodrigues. Na análise do ministro, a crise é fruto da conjugação de vários fatores, que começaram com a forte elevação dos custos de produção no ano passado, com o excedente de produção, com a seca sem precedentes no Sul do país neste ano, com a elevação dos juros e com a política de manutenção do real valorizado.
Tudo isso levou os produtores a perder R$ 17 bilhões em renda. O ministro admite que parte dessa perda ocorreu exatamente pelos recursos limitados do governo. Em março, o Ministério da Agricultura solicitou R$ 1 bilhão que seriam destinados a programas de apoio à comercialização, o que garantiria melhores preços aos produtores. Apenas 40% desse valor foi repassado pela área econômica ao ministério.
Os custos de produção, o principal problema do ano passado, não afligem tanto os produtores neste ano, mas, sem renda, eles vão diminuir a área plantada em pelo menos 5%. Essa queda de área plantada, mais a redução no uso de tecnologia no plantio deste ano, deve reduzir a produção.
E a crise da agricultura deve chegar também ao consumidor em 2007, quando os efeitos da produção menor e os estoques reduzidos de alimentos vão pressionar a inflação.
“Trágico evento” Esse cenário de crise já se espalha por toda a cadeia do agronegócio, segundo o ministro. As vendas no setor de fertilizantes caíram 40%; as de calcário, 16%; e as de defensivos, 20%.
Outro setor que sofre as conseqüências da perda de renda dos produtores é o de máquinas e equipamentos, que está com vendas 40% menores.
Como se não bastassem todos esses problemas na agricultura, “veio esse trágico evento para complicar ainda mais”, disse o ministro, referindo-se ao foco de febre aftosa em Mato Grosso do Sul. E esse acontecimento “vai reduzir a rentabilidade em um setor que vinha muito bem”.
Segundo Rodrigues, não é hora de discussões desnecessárias sobre os culpados, mas de buscar uma retomada da imagem do produto brasileiro -no caso, a carne bovina.
Sobre o orçamento da defesa sanitária, o ministério tinha inicialmente R$ 169 milhões, valor que foi reduzido para R$ 37 milhões com o contingenciamento de verbas, mas que voltou para R$ 91 milhões. Desses, R$ 50 milhões foram utilizados e outros R$ 41 milhões ainda estão disponíveis.
O ministro disse que o orçamento inicial deste ano, de R$ 169 milhões, é o maior que o ministério já teve nesta década e que, talvez, mesmo se não tivesse ocorrido a redução da verba, o foco de aftosa poderia ter aparecido.
Rodrigues deixou claro que a tarefa de controlar a aftosa depende não só do governo federal, mas também de programas específicos dos Estados e dos próprios pecuaristas, que são a ponta final da cadeia produtiva.
“Estou frustrado com essa crise monumental. Não consegui resolver toda ela”, afirmou o ministro. “Mas tenho esperança de poder resolver esse quadro para que o agricultor volte a investir.”
Mas os problemas da agricultura não se resumem apenas à queda da produção e à febre aftosa. O ministro destacou que há uma série de outras questões a serem resolvidas. Entre elas, a de logística, a Lei da Biossegurança, o código florestal e a consolidação de uma legislação que garanta o cumprimento dos contratos.
Minimizar os estragos O governo tenta, agora, reduzir os estragos feitos à imagem da pecuária brasileira após o foco de febre aftosa em Mato Grosso do Sul. Uma missão do Ministério da Agricultura está em Paris (França) para dar todas as explicações à OIE (Organização Mundial sobre Saúde Animal). Depois, a missão vai a Bruxelas (Bélgica).
O ministro estará na terça-feira em Moscou para tratar do assunto com os russos. A intenção do governo é encurtar ao máximo as restrições impostas pelos importadores da carne bovina brasileira. Sobre as possíveis perdas que o país terá com o embargo dos importadores, o ministro diz que o cálculo é imprevisível porque depende da duração. Ele informou que o setor privado já trabalha com perdas entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão.
O ministro disse que o governo está preocupado também com a possível chegada da gripe aviária e há um mês está elaborando um plano emergencial de defesa.