A cafeicultura vive um novo ciclo no Estado. Especialistas comparam a bebida feita aqui com as melhores do mundo
Foto: Guilherme Ferrari – O barista Vagner Uliana produz o
especialíssimo café da propriedade Fjordland, que está entre os melhores do
país
24/06/2016 – 18h06 – O cafezal de folhas verdes, escondido aos pés da
Pedra Azul, em Domingos Martins, estava carregado. A esperada colheita, que
acontece uma vez ao ano, começou no início de abril e promete ir até dezembro,
quando o fruto estará vermelho como uma cereja. Todos os 20 mil pés da
propriedade Fjordland, pertencem ao norueguês Erling Lorentzen, viúvo da
princesa Ragnhild Alexandra da Noruega. Mas é o capixaba Vagner Uliana, de 34
anos, que toma conta de cada pé. Dali saem apenas seis sacas de um café
especialíssimo, considerado um dos melhores do Brasil. “É uma produção pequena.
E vários especialistas, inclusive da Noruega, já falaram que produzimos um café
incrível. Competimos com os melhores do mundo”, se orgulha Vagner, que é
barista.
A cafeicultura vive um novo ciclo no Estado. Após a era da cultura
tradicional, no início dos anos 2000, os agricultores passaram a investir em um
café de alta qualidade. Agora, colhem elogios. “A proposta inicial era apenas de
explorar o turismo, com o passeio guiado com os cavalos, que vai até os
cafezais. E para atender os turistas acabamos montando uma cafeteria. Há cinco
anos, no entanto, descobrimos que tínhamos potencial para produzir esse café tão
bem falado”, diz Uliana.
O café orgânico Heimen nasce a cerca de dois mil metros de altitude. O fruto
atinge maturação lenta e plena em sombra floral de clima frio e seco. O puro
café arábica é descascado sem uso de água, colhido no estágio “Bordeaux”,
preservando açúcares naturais da fruta e nascentes da fazenda. Mas, talvez, o
seu grande segredo seja o esterco dos cavalos da raça Norwegian Fjord Horse,
utilizado como adubo dos cafezais. “O esterco vai para a mata, onde se faz uma
compostagem de quatro a seis meses para que ele adquira nutrientes que são
utilizado nas plantações. Não usamos agrotóxico e os cafezais crescem no sistema
de sombreamento. A maturação dos grãos é muito lenta e só recolhemos quando ele
está rico em nutrientes, bem maduros”, conta o barista.
O caminho do grão
Depois de colhido os grãos passam de 15 a 20 dias na secagem. É verificada a
umidade – que deve ficar entre 11% e 12% – e, em seguida, eles são armazenados
em sacarias especiais. “Depois, o café é beneficiado, separado e classificado
por tamanho. E se algum grão tiver defeito é retirado”, explica Vagner.
Descendente de italianos, ele cresceu entre os pés de café, já que os avós
tinham pequenas plantações no quintal. “Mas a região nunca foi forte na produção
do grão. Sempre foi reconhecida pelo plantio de hortaliças”, lembra ele,
acrescentando que o cenário tem mudado. Tanto que alguns noruegueses costumam
vir uma vez ao ano para provar o café produzido na região de Pedra Azul. O
torrador norueguês Tim Wendelboe, um dos maiores nomes do meio cafeeiro do
mundo, também já teceu elogios ao Heimen.
Até chegar a esse nível foi preciso uma longa caminhada. Vagner conta que foi
em 2012, depois de uma consultoria com Ensei Neto, um dos maiores especialistas
no assunto no Brasil, que eles encontraram a fórmula do sucesso. “A gente errava
muito no pós-colheita e na secagem. Colhíamos maduros em temperaturas elevados,
fermentava e acabava destruindo. A torrefação também é uma parte fundamental do
processo. Qualquer erro nesta fase e você destrói tudo o que fez”. Uma parte da
produção (bem pequena, é verdade) é enviada para a família real da Noruega. A
outra é comercializada no estabelecimento que fica aos pés da Pedra Azul.
Café exótico
No sítio de Alto Caxixe, em Castelo, o cheiro do café coado na hora toma
conta do ambiente. Depois de anos o agricultor Carlos Alberto Altoé, 45 anos,
está colhendo uma safra especial. Bisneto de italianos, ele também foi criado no
meio dos cafezais e acabou assumindo parte da propriedade da família em 1985,
ainda bem jovem. Na época, com o conceito da cultura tradicional, o café era
colhido, jogado no chão onde se misturava com as folhas, e levado ao terreiro em
sacos. Depois de armazenado era vendido como café comum. Essa tradição durou até
2002.
Hoje, a forma como lidar com o grão é totalmente diferenciada. “O café já não
é mais jogado no chão, e sim colhido na peneira. Somente os grãos mais cerejas
são escolhidos para que consigamos um melhor aproveitamento. Eles ainda passam
por um processo de lavagem para retirada de grãos com defeitos e verdes, porque
o café especial não pode ter incidência de grãos verdes”. Além disso, para se
chegar ao café exótico, também é importante a questão de clima, solo, tempo de
colheita. Quanto mais demorada a colheita, melhores são os resultados.
O Espírito Santo é o segundo maior produtor de café do país, segundo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), com 26,3% de
participação na produção nacional. E a ascendente produção premium não é
restrita apenas a região de Pedra Azul. Brejetuba, Venda Nova do Imigrante e a
Região do Caparaó também estão nos roteiros das boas colheitas, cada região com
suas características específicas. Com uma plantação de 15 hectares, e
aproximadamente 50 mil plantas, Carlos continua na busca por safras
selecionadas. “São cerca de 500 sacas no ano e 60% desses cafés são especiais. O
resto é o excedente que não conseguimos colher no ponto certo”.
Os grãos de Alto Caxixe também estão extrapolando as fronteiras. A safra do
ano passado acaba de ser enviada para uma cafeteria localizada no litoral do
Chile. “Aprendemos que para um bom café dependemos do clima e da natureza. O
nosso diferencial é que temos três níveis de atitudes, que vai de 600 mil a mais
de 800 mil metros de altitude. Quanto mais alto, e com a colheita mais tardia,
melhor a qualidade do café”, entrega.
Descobridor de bons cafés
O mestre de torra Jhonathan Pizarolo é um caçador de grãos especiais,
aqui e em Minas
Suave, frutado, encorpado são adjetivos usados por
degustadores/classificadores para definir o café, que pode ser arábica ou
robusta. O mestre de torra Jonathan Piazarolo, 35 anos, é um descobridor de bons
cafés.
Responsável pela Trentino Cafés Especiais e considerado pela mídia
especializada um dos 10 mais importantes mestre de torra do país, ele circula
pelos cafezais capixabas e mineiros em busca de grãos perfeitos. A paixão pela
bebida veio quando ele ainda era criança, já que os pais tinham uma propriedade
em Santa Teresa. “Mas não era o ganha pão da nossa família”, ressalta.
O puro café arábica é descascado sem uso de água e colhido no estágio
Bordeaux, preservando açúcares naturais do fruto. Os grãos com defeito são
descartados
Foi em 1999 que ele começou trabalhar com torrefação de cafés em Santa
Teresa. E há oito ele decidiu criar a Trentino, homenageando a região dos
primeiros imigrantes italianos. O arábica deles é da variedade catuaí vermelho,
cultivado de forma orgânica na Fazenda Ninho da Águia, na Serra do Caparaó, em
Minas Gerais. Para ele, um dos pontos mais importante para se ter um bom café é
o terroir (solo) (lê-se terroá), que representa um número complexo de fatores
que influenciam a biologia do cafezal, determinando a qualidade final do grão e
da bebida. “É como acontece com o vinho”, compara.
Para se chegar ao grão de qualidade superior – aquele que é exportado e/ou
utilizado para fazer expresso – é preciso persistência. Jonathan é um degustador
treinado – com boa base de paladar e olfato. Tanto que costuma participar do
cupping, como os entendidos chamam a degustação profissional da bebida. Para que
os cafés avaliados recebam uma pontuação justa, é de extrema importância que as
diferentes amostras sejam submetidas a uma torra e uma moagem padrão. Assim, seu
sabor não é comprometido se a torra ficou muito escura ou se a moagem não está
adequada. Tudo precisa estar igual para os paladares treinados conseguirem
apontar o melhor café. Para certificar-se de que a torra será exata e uniforme,
ele acompanha todo processo colocando os dados no seu computador.
O café é degustado em colher própria, que tem o formato de uma miniconcha de
feijão e os avaliadores dão notas de 0 a 10, avaliando 10 quesitos, entre eles
fragrância/aroma, uniformidade, ausência de defeitos, doçura, sabor e acidez.
Para ser considerado um café especial é preciso alcançar no mínimo 80 pontos.
“Diversas propriedades do Estado produzem cafés excelentes. Mas o Heimen está
entre os três melhores da minha vida”, entrega Jonathan.
Popularização do especial
Com essa produção estadual a todo vapor, o mixologista Diogo Cypriano viu uma
oportunidade de negócio. Apaixonado pela bebida, ele quer semear o consumo de
alto padrão entre a população, a um preço acessível. “Quero que as pessoas
possam experimentar o bom café produzido aqui. É como se elas estivessem tomando
um excelente champanhe”, diz.
Apaixonado pela bebida, Diogo Cypriano quer popularizar o consumo de
alto padrão
O Birita Coffe Beans nasceu no verão passado na Praia da Bacutia, em
Guarapari, mas já se mudou pra Vitória. Diogo trabalha com o café da região do
Caparaó e sempre que pode incentiva seus clientes a provar os cafés classe A
produzidos no Estado. “Às vezes proponho ao cliente de, no lugar de tomar um
energético, optar pelo café”. No local a aposta é da bebida com notas de
chocolate intenso e um pouco de amêndoa.
Diogo Cypriano, que é especialista em drinques, passou a se interessar por
cafés depois que morou na França. “Fiz vários cursos de vinhos e bebidas. Na
França as pessoas valorizam o vinho, quero que aqui a gente valorize o café.
Estudei e em apaixonei pela bebida”, conta. Apaixonado assim como Vagner Uliana,
barista de Pedra Azul. “Posso tomar um dos melhores cafés do mundo todos os
dias. Sou um privilegiado”.
Cinco erros que mais cometemos
1. Comprar café de baixa qualidade.
2. Não moer o café em casa e usar moagem inadequada para o método.
3. Usar água de torneira (com excesso de cloro).
4. Exceder na quantidade de café ou de água.
5. Preparar mais café do que o necessário para consumo imediato.
Dicas para escolher o seu café torrado
Observe a data da torra.
Procure comprar cafés com até um mês de torrado
ou no máximo três meses.
Certas embalagens garantem uma vida um pouco mais
longa ao café torrado.
Procure por cafés embalados a vácuo ou em embalagem
laminada, selada, com válvula.
Depois de um mês de torrado, o café começa a
perder as características sensoriais.
Compre quantidade pequena para não
ficar com café velho no armário.
Prefira café em grão para moer em casa e na
hora.
Foto: Guilherme Ferrari
Frutado e encorpado são alguns dos adjetivos usados por degustadores para
definir o café
Cardápio de café filtrado
Este método permite uma percepção muito maior das sutilezas de aromas e
sabores da bebida.
1. Hario V60
O formato interno cria um fluxo de água mais intenso, extraindo o café mais
rapidamente, garantindo mias doçura e acidez.
2. Aero Press
É uma extração “forçada” através de uma espécie de seringa. Produz uma bebida
interna, com mais corpo, limpa e balanceada.
3. Clever
Possui uma válvula no fundo que propicia controle total do tempo de infusão,
garantindo uma bebida muito bem balanceada, com bom corpo e sabor delicado.
4. Chemex
O filtro da chemex, grosso e dobrado em forma de cone, forma uma parede
tripla em um dos lados que faz a diferença. Produz uma bebida limpíssima que
facilita a percepção dos sabores