POLÍTICA
02/08/2010
Vitor Vogas
vvogas @ redegazeta.com.br
Agora é com eles. Depois de levantar os problemas sociais em seis dos municípios mais pobres do Estado e apresentá-los aos leitores ao longo de três reportagens na série “Desafios do Espírito Santo”, A GAZETA cobrou dos três principais candidatos ao governo as propostas para, se eleitos, minimizar tais problemas.
E não são poucos: no Estado que adentra o “novo ciclo de desenvolvimento”, os seis municípios visitados – Mantenópolis, Pancas, Ibatiba, Brejetuba, Montanha e Ponto Belo – parecem ter estacionado na década de 1950, quando começou a política de erradicação dos cafezais. As cidades são excessivamente dependentes da monocultura cafeeira – e, no caso do Extremo Norte, da pecuária e da cana de açúcar. A baixa diversificação econômica foi o grande nó que a reportagem constatou para essas regiões deixarem a incômoda situação de pobreza.
Nas regiões visitadas – destacadamente o Extremo Norte –, as pessoas se queixam da falta de hospitais regionais com resolutividade. Sempre que precisam fazer exames e tratamentos mais complexos, têm de se deslocar para os polos regionais ou para a Região Metropolitana, abarrotando hospitais já superlotados.
Ninguém discute que a Educação proporciona a ascensão social. Mas, na zona rural de cidades como Brejetuba, encontramos famílias que refletem uma situação comum: a perpetuação da pobreza, em função da baixa escolaridade que atravessa as gerações e restringe as oportunidades de emprego.
Outro grave problema atestado foi a disseminação do tráfico de drogas e da violência pelo interior do Estado, em cidades como Ibatiba, onde os índices de homicídios per capita são elevados. Além disso, muitos pequenos agricultores vivem abaixo da linha de extrema pobreza. Encontramos casos de pessoas que ganham, em média, R$ 10,00 por dia.
Números da pobreza
950 mil capixabas
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esse era o número de pessoas vivendo em pobreza absoluta no Estado, em 2008.
314 mil capixabas
Era o número de pessoas vivendo em pobreza extrema no Espírito Santo em 2008, também segundo estudo do Ipea divulgado em julho.
As propostas de Casagrande, Luiz Paulo e Brice
Candidatos ao governo mostram o que farão, caso sejam eleitos, para melhorar a vida de quem mora nas regiões mais carentes do Estado e que foi mostrada na série Desafios do Espírito Santo
EMPREGO E RENDA
RENATO CASAGRANDE (PSB). Levaremos estradas, comunicação, educação, capacitação de pessoas, incentivos para localização de investimentos produtivos no interior, apoio às atividades agrícolas, aos pequenos e médios negócios, saneamento, habitação, equipamentos para a saúde. Construiremos um ambiente próspero e pronto para receber grandes investimentos. Vamos investir R$ 1 bilhão por ano e fortalecer o fundo de combate às desigualdades.
LUIZ PAULO VELLOZO LUCAS (PSDB). Dos 78 municípios, 64 têm vocação agrícola. A agricultura, serviços, comércio e turismo no ambiente rural podem proporcionar rendas adequadas, se incorporarem padrões empresariais e tecnológicos modernos. Uma das minhas prioridades é o Projeto Terra Rural que, além da melhoria dos serviços públicos, envolve investimento e infraestrutura em sistema viário, telecomunicação, internet e energia.
BRICE BRAGATO (PSOL). Planejar os investimentos a partir de segmentos de base local: metal mecânica, diversificação da fruticultura, valorização das confecções, etc. Atrair pequenas empresas para os municípios, com menor custo ambiental com a criação de incentivos fiscais. Criar uma universidade estadual com campi avançados, construindo um ambiente de conhecimento e de pesquisa tecnológica para a pequena produção agropecuária.
SAÚDE
CASAGRANDE. O maior fluxo de pessoas nos hospitais é por não ter recebido cuidados básicos e preventivos que levam a um corpo e a uma mente saudáveis. Queremos cuidar da saúde, e não da doença. Vamos investir para ampliar o programa de saúde da família. Isso ajudará a reduzir as filas nos hospitais. Também investiremos em unidades de saúde. A deficiência de atendimento no Norte já foi identificada e está considerada em nosso programa.
LUIZ PAULO. A superlotação dos hospitais só pode ser resolvida com a universalização da prevenção e atenção básica. Os municípios com baixa arrecadação têm que receber ajuda do Estado para cobrir os custos com o PSF. Cada uma das 12 microrregiões deve ter estrutura que resolva a maioria das demandas de especialidades, e de procedimentos de média e alta complexidade. Minha meta é reduzir em 50% as necessidades de deslocamento dos pacientes do SUS.
BRICE. Reforçar os investimentos na atenção primária. Fortalecer a estrutura hospitalar para atender a média complexidade, com novas construções ou convênios com os filantrópicos das microrregiões. Dotar os serviços de equipamentos, exames, insumos, medicamentos. Criar incentivos aos profissionais para trabalharem no interior. E implantar um efetivo controle social do SUS, assegurando protagonismo dos movimentos sociais.
SEGURANÇA
CASAGRANDE. A organização do Estado hoje permite enfrentar esta situação, com a realização de concursos anuais para manter um número de policiais adequado às necessidades. Queremos ampliar ações de repressão e de prevenção nas áreas sociais e de saúde. Pretendemos ainda dar continuidade à implantação dos centros de tratamentos toxicômanos, trabalhar em parceria com as famílias e fortalecer as instituições ligadas às igrejas.
LUIZ PAULO. É o primeiro item do meu programa de governo, e minha meta é colocar o Estado entre os três melhores nesses indicadores. Vou acompanhar semanalmente a evolução dos índices de violência e assumir pessoalmente a integração das instituições das áreas de Segurança, Justiça e prefeituras. Vou criar Centrais de Penas Alternativas para agilizar os processos e não misturar presos de pequenos delitos com criminosos de alta periculosidade.
BRICE. Preparar melhor a PM para o trabalho preventivo e dotar a Polícia Civil de condições e equipamentos para apurar os homicídios e punir os criminosos. Amplo trabalho preventivo e educativo, com campanhas permanentes entre os jovens. Atuação integrada dos vários setores do governo, abrangendo educação, esporte, etc. Criação de Centros Regionais para tratamento ambulatorial e internação de dependentes.
EDUCAÇÃO
CASAGRANDE. A meta é atender a todos. Para isso, além do aumento de vagas, precisamos tornar a escola mais atraente, oferecendo atividades complementares, esportes, oferta de disciplinas profissionalizantes, currículo dinâmico e articulado com a demanda e cultura regional, calendário e horário especiais para atender aquele que trabalha na roça, dar suporte ao aluno (materiais didáticos, transporte e alimentação).
LUIZ PAULO. A universalização da educação da pré-escola ao ensino médio profissionalizante, e a elevação da qualidade do aprendizado medido pelos índices de desenvolvimento de ensino do MEC serão as duas metas fundamentais no meu programa na área. A atração dos jovens do meio rural para a Educação é um objetivo a ser perseguido no contexto do Projeto Terra Rural, usando os recursos da tecnologia e atividades complementares de cultura e esporte.
BRICE. Criar formas flexíveis de organização escolar para a zona rural, bem como a adequada formação profissional dos professores, considerando a especificidade do aluno. Idêntica preocupação orienta a educação de grupos étnicos, como os negros, indígenas e quilombolas, que precisam ter garantia de preservação da identidade e da cultura, assumindo a política de educação no campo como política pública.
AGRICULTURA
CASAGRANDE. No Estado a agricultura familiar é grande e ocupará uma parte muito importante de nossa proposta orçamentária. Continuaremos melhorando os caminhos do campo, incentivaremos o associativismo para facilitar a compra de equipamentos e comercialização dos itens. Investiremos em qualidade de produto, com respeito à natureza, pois o mercado exige cada vez mais. Vamos manter e ampliar a assistência técnica e a oferta de crédito.
LUIZ PAULO. Quando fui secretário de Agricultura, criei o Centro Tecnológico do Café, exemplo de política de desenvolvimento feita em parceria com os produtores e que permitiu o aumento da qualidade e produtividade do setor. Pequenos produtores organizados em associação ou cooperativa têm acesso a crédito, tecnologia de produção e comercialização, e transformam a agricultura numa atividade empresarial capaz de proporcionar remuneração adequada.
BRICE. Fortalecer a agricultura familiar com incentivos fiscais, assistência técnica e linhas de financiamento para equipamentos e safra. Implantar o programa de aquisição de alimentos nas instituições públicas, criando ciclos locais e sustentáveis. Toda merenda das escolas municipais deve vir dos agricultores do município. E criar cooperativas de prestação de serviços, como forma de organizar os pequenos agricultores.
Leia o depoimento do repórter Vitor Vogas sobre a realização da série Desafios do Espírito Santo
\”Minha grande motivação foi identificar as pessoas que precisam ser descobertas\”
Em meio à produção da série “Desafios do Espírito Santo” – quando ela ainda nem tinha esse nome –, o material que ia colhendo nas cidades visitadas fazia crescer em mim a expectativa de poder publicar um trabalho importante e diferente nas páginas políticas de A GAZETA. E foi tomado por essa empolgação que comentei sobre a produção da série com uma pessoa muito querida. Para minha surpresa, porém, a resposta que dela recebi destoou muito daquela que eu esperava:
– Não vai dar certo – disse ela. – Ninguém quer saber de Montanha, Ibatiba ou Pancas. Os leitores daqui não vão se interessar por isso – foi seu argumento.
Sem pensar muito, respondi:
– Ué, mas é exatamente por isso que nós temos que publicar a série. Senão, como vão se interessar?
Ao embarcar nessa viagem pelo Espírito Santo mais pobre, isolado e à margem do poder público, minha grande motivação foi justamente a de poder identificar e apresentar os problemas sociais dessas localidades e, principalmente, as pessoas que, nas sábias palavras de Dona Altamira Rodrigues, trabalhadora rural de Montanha, “ainda precisam ser descobertas”. Descobertas pelos governantes, pelos candidatos nas eleições de outubro, mas também por nossos leitores.
No curso das minhas andanças, encontrei gente de todo tipo. Algumas companhias não foram lá tão agradáveis, como o representante de uma “espécie” infelizmente nem um pouco em extinção neste nosso Brasil coronelista: o capanga de político. Por outro lado, tive o prazer de conhecer lavradores, donas de casa, professoras, assentados e outros “personagens” que, invariavelmente, nos abriam as portas de suas casas para, sem nenhuma cerimônia ou restrição, compartilhar suas histórias de vida, normalmente bastante sofridas. E foram essas mesmas histórias que alimentaram as nossas reportagens, emprestando-lhes humanidade e confirmando as principais carências verificadas naqueles municípios.
Em todos os sentidos (o acolhimento à reportagem, o sofrimento, a humildade e a humanidade), o caso mais exemplar foi certamente o de Dona Elvira da Conceição, a senhora de 65 anos que “vive” em Pancas e estampou a manchete de A GAZETA na edição de 25 de julho (abertura da série). Depois de décadas lutando de sol a sol em fazendas de grandes proprietários, o símbolo da série não tem nada: renda, terra ou casa própria. E, conforme confidenciou à reportagem, se pudesse conversar com o próximo governador, tudo o que lhe pediria é “um remedinho” e pelo menos “um banheirinho”, para não ter de continuar “indo nos matos”.
A situação vivida por ela – e, certamente, por muitos capixabas – chama a atenção para outro problema. Se a mão do Estado não alcança determinadas regiões, pior ainda é quando a mão do homem, que poderia ajudar quem necessita, prefere piorar a situação. Em uma palavra, a exploração que ainda existe sobre os pobres, tão antiga e aparentemente implacável quanto a própria existência da pobreza e da desigualdade social.
Naturalmente, para combater essa pobreza, não creio que o caminho seja o puro e simples assistencialismo. Um bom começo, é claro, é garantir o crescimento econômico do Estado, pois a falta de trabalho e a baixa diversificação econômica constituem o grande nó que a reportagem constatou para esses municípios deixarem a incômoda situação de pobreza. Ora, o Estado por si não pode criar tantos empregos diretos (quando o faz, geralmente, significa “inchaço da máquina”).
O que pode e deve fazer é induzir o desenvolvimento também nessas regiões e distribuir os investimentos de uma maneira mais equilibrada, para a economia se expandir e a oferta de empregos aumentar nesses locais. Ao mesmo tempo, pareceu-me evidente a ausência ou a timidez de políticas sociais desenvolvidas pelo governo estadual, tendo como foco específico essas cidades de mais baixa renda.
Afinal, como A GAZETA oportunamente estampou na primeira página do dia 25, um Estado que cresce tanto e que promete atrair tantos e tão grandes projetos nos próximos anos não pode simplesmente ignorar a existência de Elviras e Altamiras. Gente trabalhadora, que, como disse o agricultor José Moreira, 70, de Pancas, segue firme “com a forcinha que Deus dá”, mas que, como “completou” o colega de ofício César Pancieri, 51, de Montanha, “às vezes sozinho não consegue”.
É preciso, assim, um governo que realmente “descubra” essas pessoas, sem deixar de lado, é claro, o resto da população – lição deixada por José Nilson, agricultor sem-terra de Mantenópolis e, como os demais, sem quase nada. “Não pediria para melhorar só para nós. Pediria mais honestidade e para fazer o que precisa não só para os pobres, mas para todos.”
Por tudo isso e pelo retorno espetacular que obtivemos com a série, por parte dos colegas e sobretudo dos leitores, creio poder dizer que felizmente o meu interlocutor estava errado. A série despertou um interesse admirável, e A GAZETA com certeza acertou ao apostar nesse trabalho que mais uma vez demonstra nosso compromisso com os leitores, contribuindo, neste início de campanha, para o debate sobre o Espírito Santo que queremos.
Por fim, queria “quebrar o protocolo jornalístico” para fazer uma dedicatória. Osvaldina Grassi (Dona Neca) tem 85 anos e hoje vive em Vila Velha. Vinda do interior do Estado, tem história de vida incrivelmente semelhante à de muitos personagens abordados na série. Ela não vai poder ler minhas matérias, pois não teve condições de estudar. Mas foi nela que me inspirei ao escrever as reportagens. Por todo apoio e amor sempre infalível, dedico esta série a minha avó.
Agradeço, ainda, a minha editora, Andréia Lopes, pela oportunidade e parceria ao longo do trabalho, e a todos os colegas que contribuíram para a produção do material que chegou às mãos dos leitores.