Cidades devem antes se adaptar ao clima atual
As estradas no Sul e Sudeste não estão deterioradas somente pela falta de manutenção, mas por conta de mudanças climáticas. O pedágio urbano veio para ficar. Para combater o aquecimento global, as cidades devem se adaptar antes ao clima atual. Essas são algumas das observações feitas pelo pesquisador Carlos Afonso Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ele coordena o Programa Internacional da Geosfera-Biosfera (IBGP, na sigla em inglês), que reúne cientistas de todo o mundo para pesquisar as mudanças ambientais globais. Tem rodado o País para falar sobre o tema, mais conhecido após a divulgação, este ano, de relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).
Alceu Luís Castilho – O senhor diz que, antes de se adaptarem ao aquecimento global, as cidades devem se adaptar ao clima atual. Por quê?
Carlos Afonso Nobre – Posso dar o exemplo de Itajaí (SC). Depois de sofrer imensamente inundações, em 1983, ela fez um plano de adaptação, todo um sistema que prevê uma possível inundação com seis, oito, doze horas de antecedência. Aí a população sabe antes para onde ir, os serviços continuam a funcionar, as escolas funcionam em outros locais. A cidade se preparou, já está adaptada às inundações do Vale do Itajaí. Se o clima ficar com extremos mais comuns, a adaptação a essas mudanças tornará tudo muito mais fácil.
ALC – O senhor cita, em contrapartida, cidades que não se adaptaram ao clima.
CAN – Em grandes cidades e metrópoles do País as populações não conseguiram ainda se adaptar às chuvas intensas. Em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, todo ano há uma amostra da dificuldade em se adaptar ao clima atual. Nessas cidades vai ser muito mais difícil quando o clima começar a mudar, e as chuvas de verão começarem a se tornar mais intensas e freqüentes. A lição de casa é se adaptar aos extremos de hoje.
ALC – No caso da agricultura, o que é possível fazer preventivamente? O senhor diz que aumentos significativos de temperatura podem com o tempo empurrar a produção de café, por exemplo, cada vez mais para o sul, até o extremo de termos de importar da Argentina…
CAN – A adaptação na agricultura tem muitas dimensões. Se o clima mudar muito, a temperatura subir 4, 5 graus, o que esperamos que não aconteça, há muitas culturas que não poderão ser cultivadas nos lugares atuais. Você não consegue adaptação por mudança de variedades genéticas no caso de uma mudança climática muito grande. Nesse caso será preciso ter um novo zoneamento agrícola e novas culturas terão de ser cultivadas. Infelizmente, as culturas alimentares com as quais nos acostumamos não gostam de climas muito quentes. Já foi uma dificuldade, vencida com sucesso, adaptar a soja a climas tropicais. Mas não é possível fazer isso generalizadamente. Se o aumento não for de grande dimensão, será possível buscar uma série de adaptações, com variedades mais resistentes ao novo clima, melhoria genética. Mas isso tem de ser feito imediatamente: descobrir uma nova variedade pode levar 15, 20 anos. No caso da agricultura, a Embrapa já está procurando desenvolver uma capacidade de adaptação.
ALC – Os prefeitos costumam trabalhar com uma visão de curto prazo, por conta dos efeitos eleitorais. Como resolver essa questão?
CAN – É preciso haver uma articulação entre as esferas de poder. O Congresso tem de desenvolver a legislação que sirva como embasamento para atividades de adaptação, que gradativamente vão chegando. Na medida em que os prefeitos e cidades procurem desenvolver uma forte estratégia de adaptação ao clima presente, tudo ficará mais fácil.
ALC – O senhor falou que a situação das estradas no Brasil não tem como motivo único a falta de recursos para manutenção. As mudanças climáticas são outro motivo para a deterioração?
CAN – No Sul, as chuvas aumentaram de volume nos últimos 30 anos. E estão acontecendo em forma de pancadas mais fortes. É uma coisa pequena, mas significativa. Se não se leva isso em consideração, o que se projeta para a recuperação da malha viária é insuficiente. Você não pode se basear no clima de 30 anos atrás. A degradação da malha rodoviária tem a ver com a característica das chuvas: chuvas muito fortes danificam de maneira muito grave a malha rodoviária. Se essas chuvas estão se tornando mais freqüentes, mesmo que o total de chuvas diminua, é um fator que tem de ser levado em conta na política rodoviária brasileira.
Alceu Luís Castilho é correspondente da Associação Paulista de Jornais (APJ), em Brasília.