Entrevista Takamitsu Sato presidente da ABIC

6 de novembro de 2013 | Sem comentários Consumo Torrefação
Por: Brasil Econômico

06/11/2013 
 

ENTREVISTA TAKAMITSU SATO presidente da ABIC / NATHAN HERSZKOWICZ diretor-executivo da ABIC


“NÃO ABSORVEMOS GRÃOS DE FORA. É UM EXEMPLO CLARO DE PERDA DE MERCADO”
Há 11 anos trabalhando em conjunto na Associação Brasileira da Indústria do café (Abic), Takamitsu Sato e Nathan Herszkowicz fazem diariamente um brinde usando xícaras de café para comemorar a evolução da indústria nacional, ainda que o sabor amargo de desafios não superados persis-ta na boca. Para o respectivo presidente e diretor executivo da entidade que criou o respeitado selo de pureza do produto, o mais recente sinal de amadurecimento do setor acontece com a chegada dos cafés especiais na mesa do brasileiro. No entanto, eles alertam para os gargalos estruturais que ameaçam a soberania e competitividade nacional caso a “arcaica” política agrícola cafeeira não seja revista.


Daniel Carmona


dcarmona@brasileconomico.com.br São Paulo


Apesar do crescimento do consumo interno, a exportação brasileira de café caiu cerca de 15% em volume no ano passado. Somado aesse contexto, fatores como queda no preço da commodity e a supersafra ampliam os desafios para o setor. Como superar essas variáveis a curto prazo?


Nathan Herszkowicz: Aumentar o consumo é a solução definitiva para a crise. Há dez anos, o Brasil produzia 40 milhões de sacas e a Colômbia, segunda colocada, tinha 12 milhões. Era uma relação de três para um. Produzimos 50 milhões hoje, ante 27 milhões do Vietnã. O Brasil é ainda o maior exportador, mas perdeu força para determinar o preço. Nós exportamos 33 milhões em 2011 e perdemos 5 milhões no ano passado, fechando em 28 milhões. Esse ano devemos exportar mais, talvez não chegue ainda aos 33 milhões. Se deixarmos o mercado, por qualquer erro estratégico, já há um outro player pronto para assumir nossa posição. O que isso quer dizer? Devemos mudar o foco da oferta para o aumento do consumo do café dentro e fora do país. Também não podemos apenas vender café como commodity, mas temos que ser mais agressivos de modo também a reduzirmos nossos excedentes.


Takamitsu Sato: Se olharmos para o futuro, vamos entender que o consumo do café é muito promissor. No passado, café era sinônimo de bebida para velhos no Brasil e perdia para o chá nos países da Ásia. Mas os jovens têm mudando esse cenário liderando a tendência de aumento de consumo de café. Mas por qual motivo está caindo a nossa exporta-
ção já que o mundo bebe cada vez mais café? O que está em nosso alcance, e também na mão do governo, é mudar isso. Os impostos impactam a produção e derrubam a nossa competitividade.


O preço baixo não ajuda a alavan -car o consumo? Ou o desafio é ganhar na outra ponta, com valor maior agregado? Herszkowicz: Nos últimos 10 ou 15 anos, a conclusão que chegamos é que a população brasileira não é sensível ao preço. O café virou um produto barato dentro do orçamento familiar. Comum quilo é possível fazer até 20 litros de bebida. Um litro custa R$ 1. Isso é mais barato que água. O motor do consumo não é o preço, é a qualidade, a inovação. Aí observamos um movimento, uma migração lenta, mas consistente, na direção de cafés de qualidade melhor, com valor agregado maior, que são os cafés superiores e gourmets. As pesquisas mostram que os consumidores mais jovens, de 19 a 29 anos, não são sensíveis ao preço. Eles buscam sabor e prazer. Já os consumidores acima de 50 anos procuram marcas tradicionais. Entre esses extremos há uma faixa intermediária que é mais sensível ao preço e às promoções. Os jovens hoje dão sustentação para a migração aos cafés de maior qualidade, que representam entre 3% e 4% do volume total, mas de 7% a 8% do faturamento. Tudo isso era zero até o ano 2000. Nada existia.


Se o potencial a ser explorado está nos gêneros de maior valor agregado, como acelerar esse processo? O que é necessário para agregar valor? Ou seria preciso investir na criação de uma marca Brasil?


Sato: Somos um grande exportador de commodity, mas não exportamos com valor agregado.
Até estamos importando bem mais do que exportando. O grande dilema é como reequilibrar isso. Nossos grãos estão presentes no mundo todo, mas a marca do café do Brasil nunca existiu. Sempre foi omitida. Esse foi um erro da política cafeeira ao longo dos anos. A política do governo sempre foi de estimular a produção, mas nunca a qualidade. Ao passo que a Colômbia começou há quarenta anos a investir US$ 40 milhões por ano para trabalhar a imagem de excelência de seu café. Eles não podiam produzir em grande quantidade, então apostaram na qualidade, no preço, na imagem. Eles conseguiram, mas nós nunca nos preocupamos com isso. Nunca investimos para divulgar o café do Brasil lá fora. A meta era bater as cotas de exportação. E o governo estabelecia um preço mínimo como garantia, com compra do estoque excedente. Isso foi erro, que ficou evidente com a quebra das cotas de exportação nos anos 90. Foi só então que surgiu a política de qualidade. Só então acordamos, mas o trabalho nunca foi feito, nunca existiu, nem por parte do governo nem por parte do setor cafeeiro de maneira geral.


Herszkowicz: O grande business do Brasil é a exportação do café in natura, o grão verde e cru. Depois vem o solúvel e, em terceiro e com pouca quantidade, vem o café industrializado. O industrializado, torrado e moído, é mais para o nosso consumo interno do que para exportação. Em 2002, a exportação de café industrializado do Brasil era zero. Ela chegou aUS$ 40 milhões em 2008, e dali pra frente caiu. Esse ano deve fechar algo como US$ 22 milhões. Isso é muito pouco, frente aos US$ 7 bilhões que deve alcançar a exportação do grão cru mais o café solúvel (US$ 600 milhões). A indústria e todo o setor perdem competitividade pela falta de uma política de marca, somado a mecanismos que ampliem a competitividade da produção e processamento do nosso café.


Você falou em branding e a discussão da criação de uma marca Brasil de café é antiga. Na atual conjuntura, há mecanismos que possibilitem romper com essa histórica inércia?


Herszkowicz: Os grandes players mundiais como illy, Starbucks, Lavazza e Nestlé compõem mais de 50% de seus blends com grãos brasileiros. E nós pagamos caro por esse produtos de elevado valor agregado, mas que saíram do Brasil com preço baixo. Onde isso pega? Nós não conseguimos desenvolver um programa de marketing com forte suporte governamental para sustentar uma marca que existe através de publicidade, divulgação, participação em eventos. Ou seja, uma política de longo prazo que incentivasse o consumo de café brasileiro. Em todos os países produtores mundiais, a começar pela Colômbia e mais recentemente Etiópia, Quênia, Vietnã, os recursos nunca saíram do setor privado propriamente dito, mas do governo. É necessário muito dinheiro e por muito tempo. Não é choradeira de nossa parte pedir ao governo e ao Ministério da Agricultura que utilizem os recursos do Funcafé (Fundo de Defesa da Economia Cafeeira). Hoje há mais de R$ 4 bilhões no fundo que poderiam perfeitamente iniciar o pro -grama de marketing que já foi delineado pelo setor privado.


O governo tem demonstrado interesse em tirar tudo isso do papel?


Herszkowicz: Interesse tem, mas os recursos não saem. O dinheiro do Funcafé é muito utilizado para sustentar a atividade produtiva. É essa mudança de perfil e de visão em relação à política agrícola que precisamos. A partir do fundo, com US$ 30 ou US$ 40 milhões investidos anualmente, teremos de volta US$ 80 ou US$ 90 milhões certamente. Nós sabemos fazer café como ninguém, mas não somos eficientes no marketing. E só assim é que os excedentes vão de-
saparecer, elevando os preços e dando sustentabilidade a toda a cadeia. Há uma clara necessidade de revisar os princípios da política agrícola do café.


Sato: Temos que mudar a nossa mentalidade. Até agora o importante para nós era apenas e somente produzir. Só que o mercado mudou. Há quem produza gastando menos do que nós, inclusive. Não basta produzir, tem que saber vender. Falta mentalidade para a nossa política de café. Nossa política é arcaica demais. Na crise, quando o preço está baixo demais, o que o governo faz? Ele socorre através de financiamento ou compra. Isso já não é mais solução há muito tempo. Está faltando visão. O governo precisa estar mais atento. Se isso não mudar, nossos problemas cíclicos serão, obviamente, os mesmos do passado.


Herszkowicz: Tirar café nunca foi solução. Nunca foi. O que você tira do mercado brasileiro, os concorrentes lá de fora suprem. E aí a exportação não evolui. Essa visão tem que mudar. Os excedentes tem que estar previstos para serem transformados em política comercial, agressiva, com visão. O excedente ao invés de ser um problema deveria servir para consolidar a posição brasileira lá fora.


A abertura do Brasil para grãos verdes através do sistema de drawback seria suficiente para reforçar o papel da indústria e trabalhar os excedentes atuais?


Herszkowicz: Como o Brasil sempre foi o maior produtor do mundo, uma parte dos cafeicultores imagina que isso representa uma ameaça ao mercado brasileiro. Mas não é uma ameaça. A importação, seja para drawback, seja para consumo interno, representa um volume pequeno e não vai acontecer a toda hora, já que os preços externos são, geralmente, maiores que os internos. Mas a indústria precisa de grãos de alta qualidade provenientes de países conhecidos para poder compor alguns blends com sabores e características diferenciadas. E a origem distinta do blend acaba servindo de marketing para vender o produto com valor agregado maior e de
forma diferenciada. Mas isso o brasileiro não pode fazer, não pode concorrer com o mundo em pé de igualdade. Nós só trabalhamos com café em grãos nosso. Se tivermos uma quantidade pequena de grãos de outros países poderemos concorrer com as marcas de fora oferecendo produtos blendados com base brasileira e complemento de outras origens, assim como os outros fazem com os nossos próprios grãos. Já existem grandes empresas europeias que se interessaram pelo mercado brasileiro, mas não vieram porque o Brasil não permite a entrada de grãos de fora. Isso é um exemplo típico de perda de mercado. Quem é contra argumenta que vamos ganhar um concorrente de fora e perder mercado em volume aqui no Brasil. Ou aumentar a oferta de grão no Brasil e cair preço. Mas não enxergamos nada disso. Pelo contrário, o drawback, sob certo ponto de vista, aumenta o uso do café brasileiro. É justamente o contrário.


Sato: O drawback é o mínimo que temos que admitir. O café solúvel brasileiro, por exemplo, hoje atravessa uma crise de competitividade pela falta de outros grãos, sem falar do custo de produção mais elevado no Brasil.


Qual o nível de amadurecimento para o drawback?


Herszkowicz: Há quatro anos foi feito um estudo e constituído um grupo de trabalho para planejamento estratégico do café. A partir disso saiu uma agenda estratégica, mas ela ficou na gaveta do governo. Nela estava incluído uma proposta para drawback com garantias e restrições para torná-lo seguro. Por exemplo: a mercadoria teria que ser paga à vista, para evitar o financiamento. Uma cota de volume também fazia parte desse pacote de garantias para o setor produtor.


Sato: Aos poucos vamos caminhando, mas ainda está muito difícil. Estamos preconizando para sentar todos na mesa, sem sectarismo, pensando em conjunto no futuro do nosso negócio. Até pouco tempo, esses representantes sequer sentavam juntos.

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