“O prazer que o bom café agrega não tem custo – tem valor” Luiz Hafers
Texto Luciana Franco
‘‘Nossas lideranças atuais respondem às aflições passadas, não às
oportunidades futuras‘‘
Produtor de café e ex-presidente da
Sociedade Rural Brasileira, Luiz Hafers defende mudanças drásticas na condução
da cafeicultura para que o produto nacional ganhe competitividade e seja
valorizado no mercado internacional.
Luiz Marcos Suplicy Hafers nasceu em Santos, SP, em 1935.
Trabalhou como corretor e exportador de algodão na empresa da família entre as
décadas de 50 e 70. Iniciou a vida de produtor rural em terras arrendadas em
1958. Comprou sua primeira fazenda de café no norte do pararia em 1962. Sempre
atuante, Hafers também participou de grandes reflorestamentos na década de 1970
e presidiu a Sociedade Rural Brasileira de 1996 a 2002. Fã ardoroso do
romancista Guimarães Rosa, o produtor comprou em Minas Gerais uma propriedade
citada no livro Grande Sertão: Veredas. “Minha fazenda ficava onde Riobaldo
encontra o diabo. Olha só que referência boa”, conta em tom de graça.
Hafers é também um apaixonado pela cafeicultura. Tanto que, apesar da crise
que persiste na atividade há mais de uma década, ele mantém íntegra a vertente
de cafeicultor. Ex-dono de uma fazenda com 600 hectares de terras, Hafers
reduziu sua área para modestos 150 hectares, divididos em duas propriedades :
uma na Bahia, outra no Paraná. “Já vendi terras por necessidade, hoje vendo por
opinião. Acho melhor reduzir a área e aumentar a produtividade que manter os
cafezais abandonados, sem os devidos tratos culturais”, disse em entrevista
concedida à Revista GLOBO RURAL em meados de junho, quando revelou suas
insatisfações com a atual condução das políticas para o setor, mas reforçou sua
convicção na importância do desenvolvimento da cafeicultura nacional.
Globo Rural – Como o senhor vê a crise
internacional?
Luiz Hafers – A minha suspeita é
que esta crise na verdade é um grande esgotamento de soluções propostas. A crise
financeira americana aconteceu porque desmontaram regras antigas e não se
colocou nada no lugar. Os americanos foram absolutamente irresponsáveis na
condução da política financeira. O dólar é uma moeda falsa há muito tempo, porém
uma moeda conveniente nas trocas de todo o mundo.
GR – O que o senhor quer dizer com moeda
falsa?
Hafers – Eu conto rapidamente o que
aconteceu em 1953 no Paraná. Seria uma grande produção de café, mas a safra foi
frustrada e encrencou todo mundo que trabalhava com o grão. Um sujeito me pedia
desesperado que eu o pagasse, mas eu não tinha dinheiro. Então dava um crédito
visado. Ele passava esse cheque para frente como pagamento de outras contas. Com
isso, todo mundo pagou todo mundo. Veio a safra de 1954 e as contas estavam
pagas, mas o que houve foi uma emissão de dinheiro falso. Nos Estados Unidos não
vai ter safra de café e eles estão vivendo muito acima das capacidades,
inclusive de dívida. Essa coisa foi sendo empurrada e as regras clássicas de
precificação, oferta, demanda e estoque foram rompidas. E os produtores de
commodities são os que mais sofrem com essa situação.
GR – 0 senhor pode dar um exemplo?
Hafers – O café
hoje no Brasil é um exemplo clássico. A estatística é boa, mas os preços estão
horríveis. Eu explico: o Brasil é produtor e consumidor de café com poderes mais
ou menos equilibrados, mas no mercado internacional são milhares de produtores
de café e quatro consumidores cartelizados. É evidente que o poder é diferente.
E os grandes fundos de investimento ainda entraram no mercado comprando e
vendendo independentemente de safra. Com isso, o preço de café tem se comportado
simetricamente com a diferença de produção líquida dos grandes fundos. Isso
acontece há mais de cinco anos e significa dizer que os preços sobem 20 centavos
quando os fundos compram 20 mil contratos. Se eles vendem 15 mil contratos, os
preços caem 15 centavos. Não podemos ficar à mercê
disso.
GR – E que opção tem o cafeicultor?
Hafers – Ele está num impasse. Eu, como produtor, me
encontro nesse ponto. Eu tinha 600 hectares com lavouras de café e perdi uma
fortuna porque achei que ia haver uma recuperação de preços. Isso aconteceu nos
últimos seis anos. Recentemente, meu genro, que cuida das minhas propriedades,
voltou da fazenda dizendo que temos de cortar dois terços da nossa área atual.
Sabe, eu fui um grande vendedor de algodão e assisti ao desaparecimento da
indústria têxtil na Europa por causa da mão de obra. A indústria saiu da Europa
e migrou para o Japão, para Taiwan e para Hong Kong, com máquinas modernas, e os
outros países caíram em decadência porque não tinham capital para se modernizar.
Com esse exemplo eu levanto uma questão: o Brasil não pode ter negócios que
dependam de mão de obra barata, porque dessa maneira teremos uma crise social,
mas, por outro lado, se tivermos mão de obra cara, vamos ter uma crise
económica.
GR – Existe alguma alternativa para esse
impasse?
Hafers – Nós temos de copiar o vinho.
Até pouco tempo atrás tomávamos café por hábito, ainda que ruim fosse. O segredo
do café não é esse. É um café que lhe dê prazer. O que é útil tem preço, mas o
que dá prazer tem valor. Outra coisa. Trabalhamos em três áreas, o pequeno, o
médio – em que eu me encaixo – e o grande. O médio está em péssimas condições,
porque não tem nem o custo nem a escala. O meu vizinho tem quatro hectares e uma
capacidade menor que a minha, mas o filho colhe, a mulher trata, e com isso ele
tem um custo de oportunidade que, ou ele faz isso, ou ele vai ser boia-fria. O
grande produtor tem advogados para resolver as questões trabalhistas, ambientais
e de mercado. O médio está espremido. Eu acho que somente vão sobrar no mercado
o pequeno e o grande produtor.
GR – Como a crise está afetando esses três setores
hoje?
Hafers – O pequeno pouco, porque ele não
tem custo e existem as linhas do Pronaf – Programa Nacional de Agricultura
Familiar. O grande também sofre pouco porque ele é capitalizado. Os médios, que
somam 70% da cafeicultura nacional, são os mais prejudicados. Eu acho que nossa
liderança poderia ajudá-los, mas ela é obsoleta. Defendo a tese de que
precisamos de uma ruptura, não de uma condução. As nossas lideranças atuais
respondem à aflição passada, e não à oportunidade futura. Eu acho que o médio
produtor vai desaparecer, mas não é nosso interesse acelerar o seu
desaparecimento.
GR – Há quanto tempo essa situação é vigente?
Hafers
– Há dez anos que os custos crescem mais depressa que os preços pagos
ao produtor. Para se ter uma ideia, quando o café valia 50 dólares a saca – o
que achávamos uma catástrofe -, o salário mínimo valia 60 dólares. Hoje, o
salário mínimo ultrapassou os 200 dólares e o café vale 100 dólares. Atualmente,
70% dos custos da lavoura se referem à mão de obra e insumos, e esses custos
subiram de maneira acelerada, mas o preço do café não. Fomos tapeando isso,
primeiro com aumento de produtividade, que dobrou em 10 anos, mas um dos
problemas da produtividade e que ela precisa de capital, que não tinhamos.
Portanto, criamos dívida. Trata-se de uma equação bastante complicada.
GR – Conto está o mercado de café neste momento?
Hafers
– Hoje, a saca de café é negociada a 250 reais e o custo de produção é
extremamente discutível. Este ano a safra é pequena e o custo de produção será
mais alto. Uma outra coisa que aconteceu é que mudou o perfil do colhedor. Os
meus colhedores colhiam, em média, quase cinco alqueires por dia, hoje não
chegam a 4 alqueires, e qualquer sujeito medianamente disposto ganha mais
fazendo qualquer outra coisa. Se você for a minha fazenda, dá até vergonha
quando para o ônibus, só desce mulher e idoso, porque o que nós pagamos não
atrai as pessoas normais. Estamos caminhando para um impasse terrível e a
liderança dessas massas está muito mais preocupada com a sobrevivência das
cooperativas que com os produtores.
GR – Sua visão parece ser bem pessimista. Existem
soluções?
Hafers – Olha, o único café que funciona é o conillon.
O arábica está destroçado. O que acontece com o conillon e que nós,
arrogantemente, dizíamos que ele não era café. O mundo toma 30% de conillon e o
Brasil 50%. Esse café é melhor que o arábica ruim e produz o dobro com o mesmo
investimento, o que o torna muito mais competitivo. O estado do Espírito Santo
há dez anos produzia 2 milhões de sacas de arábica e 2 milhões de conillon. Hoje
continua produzindo 2 milhões de sacas de arábica e 9 milhões de conillon. Eu já
fui contra o marketing. Hoje sou a favor. O café colombiano é comercializado 100
dólares acima do café brasileiro e não vale isso. Isso acontece porque eles
conseguem vender por opinião e nós estamos vendendo por precisão. A grande razão
do nosso péssimo preço é a necessidade financeira.
GR -A Organização Internacional do Café estima queda na produção
mundial. Como os preços não reagem a esse indicador?
Hafers –
Primeiro por conta da nossa enorme pobreza financeira. Nós não vendemos por
opinião, vendemos por necessidade. O café da Colômbia é muito mais valorizado
que o nosso e isso acontece porque todo mundo sabe que eu tenho de vender. No
momento não há razão nenhuma para que o mercado mude de atitude. Tanto assim
que, quando os fundos de investimentos compram, eles puxam o mercado. Faz dez
anos que não há registro de geadas ou de seca forte. Fatores como estes
sustentariam urna alta do mercado.
GR – E como é a situação do cafeicultor Hafers neste
contexto?
Hafers – Eu já vendi três fazendas e acho que vou
vender mais uma. Vendi três por necessidade, mas acho que vou vender mais uma.
Desta vez será por opinião. Atualmente tenho 150 hectares, mas no ano que vem
minha área deve se situar em cerca de 60 hectares. Eu reduzi área, mas a maioria
dos cafeicultores do meu porte abandonou as lavouras. Eles simplesmente não as
tratam. A realidade é que hoje os sitiantes que estão bem não tem o café como
principal produto. No Paraná, como aterra é boa, há opção, mas, em Minas Gerais,
por exemplo, não há muita saída.
GR -A produção de cafés gourmets não favorece a
atividade?
Hafers – A llly instituiu a ideia de se tomar um bom
café. A Starbucks vende uma xícara de café por 4 dólares. Se a empresa pagou 500
reais por saca – o que é um preço alto -, ele tem um custo de 5 centavos por
xícara. Quem ganha dinheiro é quem vende, e não quem produz. A tendência do café
brasileiro é ficar no custo de subsistência ou numa grande companhia, que é toda
mecanizada. Mas eu acho que devemos atrasar a quebra do produtor médio para dar
tempo para ele mudar para outras atividades.
GR – 0 senhor acha que movimentos como a Marcha em Brasília
auxiliam na resolução desse tipo de problema? (O movimento foi realizado em
Brasília em 23/6 com a participação de produtores de todos os estados que se
manifestaram contra as atuais políticas para a cafeicultura.)
Hafers
– Eu não acredito na política conflitiva nem radical. O pessoal gosta
muito da bravata e eu acho que a radicalização só faz valorizar o radical do
outro lado e os dois sobrevivem do conflito. Outro problema é que a lavoura, em
geral, não consegue mais se comunicar com a opinião pública. A opinião pública
se omite ou se aborrece com os problemas da agricultura. Eu tenho interesse na
solução, não na razão, no todo, e não no particular. Eu tenho interesse na minha
convicção, e não na minha conveniência. Por isso estou fora de moda.