22/10/2009
“No Brasil, Jesus teria que se aliar a Judas”, diz Lula Governo Dilma não seria 3º mandato: “Rei morto, rei posto”
Crítica sobre campanha disfarçada é “debate pequeno”
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que até “Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão” se fosse eleito para governar o Brasil. Na primeira entrevista à Folha após dois anos, declara que “a transferência de voto não é como passe de mágica”. Diz, porém, que se empenhará em transferir o seu prestígio e o do governo para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, sua candidata. Nega que a eleição dela fosse equivaler a um terceiro mandato. “A Dilma no governo tem de criar a cara dela. Rei morto, rei posto.”
Lula afirma ser “debate pequeno” a declaração do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, de que faz comícios pró-Dilma em viagens pelo país. Novamente de dieta para emagrecer, diz que apoiou a manutenção no cargo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), por “segurança institucional”. Segundo Lula, a oposição ia “fazer um inferno neste país”.
FOLHA – Por que o sr. escolheu Dilma como candidata, cristã nova no PT que nunca disputou eleição, sem fazer discussão no partido?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA – Não estava em debate quem era PT mais puro-sangue, menos puro-sangue. Era questão de viabilidade política. Dilma é a mais competente gerente que o Estado já teve. A capacidade de trabalho, a competência, o passado político e o presente, isso me faz garantir que é excepcional candidata.
FOLHA – Esse argumento não é muito tucano? O sr. nunca havia sido gestor, virou presidente e faz um governo bem avaliado.
LULA – Não é tucano, não. Além de gestora, é extraordinário quadro político.
FOLHA – Já há faixas na rua dizendo que Dilma eleita equivale ao seu terceiro mandato.
LULA – Exatamente o contrário. Uma mulher que tem a personalidade que a Dilma tem vai exigir que eu tenha o bom senso de quando elegi o Jair Meneguelli presidente do sindicato de São Bernardo, o José Dirceu presidente do PT. Rei morto, rei posto. A Dilma no governo tem de criar a cara dela, o estilo dela, o jeito dela de governar.
FOLHA – O sr. defende uma coalizão e uma disputa plebiscitária. Se a coalizão é importante, por que o candidato deve ser do PT e não de um partido aliado?
LULA – Porque seria inexplicável para grande parte da sociedade o maior partido de esquerda do país, que tem o presidente, não ter um sucessor.
FOLHA – Fechou ontem [anteontem] a aliança com o PMDB?
LULA – Haverá acordo nacional, e a chapa PT-PMDB.
FOLHA – Michel Temer é o nome para vice?
LULA – Quem discute vice é o candidato.
FOLHA – Se Ciro seguir emparelhado ou à frente de Dilma em março, quando o sr. e ele combinaram de decidir, que argumento o sr. pode usar para convencê-lo a desistir da Presidência e concorrer em SP?
LULA – Jamais farei isso.
FOLHA – O sr. patrocina a articulação para ele ser candidato em SP.
LULA – Não é verdade. Sou o único que não tem autoridade moral para pedir para alguém não ser candidato. Fui candidato a vida inteira. Só cheguei à Presidência porque teimei.
FOLHA – Como o sr. explica um governo popular e a oposição líder nas pesquisas da sucessão?
LULA – Ainda não temos candidatos.
FOLHA – Os motivos? Recall?
LULA – Lógico que é recall. Um candidato da oposição, governador de São Paulo, já foi candidato a presidente, já foi senador, já foi ministro, tem uma cara muito conhecida no Brasil inteiro. A transferência de voto não é como passe de mágica.
Vamos trabalhar para que a gente possa transferir todo o prestígio do governo e do presidente para a nossa candidatura.
FOLHA – Todo dia a Dilma aparece com o sr. no noticiário, viajando. O presidente do Supremo Tribunal Federal classificou de vale-tudo as viagens que viram comícios.
LULA – Você passa o tempo inteiro plantando sua rocinha. É justo que, quando ficar no ponto de colher, você vá colher. Ninguém pode ser contra a Dilma ir às obras comigo. Se for candidata, a lei determina que tem prazo em que não poderá mais ir. Até lá, ela é governo.
FOLHA – Mendes diz que o governo testa o limite da Justiça.
LULA – É um debate pequeno. Cada brasileiro tem o direito de falar o que bem entender, mas vamos continuar inaugurando.
FOLHA – Teme chapa Serra-Aécio?
LULA – Não.
FOLHA – Pediu a Aécio para não ser vice de Serra?
LULA – [Riso] Não, não.
FOLHA – Por que não abandonou Sarney na crise do Senado?
LULA – Não entendi por que os mesmos que elegeram Sarney, um mês depois, queriam derrubá-lo. Coincidentemente, o vice não era uma pessoa [Marconi Perillo, do PSDB de Goiás] que a gente possa dizer que dá mais garantia ao Estado brasileiro do que o Sarney. A manutenção do Sarney era questão de segurança institucional.
FOLHA – Se Sarney caísse, acabaria a sustentação política do governo?
LULA – A queda do Sarney era o único espaço de poder que a oposição tinha. Iam fazer um inferno neste país.
FOLHA – O sr. disse que Sarney não poderia ser tratado como um cidadão comum. Não é incorreto numa democracia, onde ninguém está acima da lei? Um presidente falar isso não transmite mensagem ruim?
LULA – É verdade que ninguém está acima da lei, mas é importante não permitir a execração das pessoas por conveniências eminentemente políticas. Sarney foi presidente. Os ex-presidentes precisam ser respeitados, porque foram instituições. Não pode banalizar a figura de um ex-presidente.
FOLHA – O sr. apoiou Sarney, reatou com Collor, é amigo de Renan Calheiros, de Jader Barbalho e recebeu Delúbio Soares recentemente na Granja do Torto. Todos são acusados de práticas atrasadas na política e até de corrupção. Ao se aproximar dessas figuras, não transmite ideia de tolerância com desvios éticos?
LULA – O dia em que você for acusado, justa ou injustamente, enquanto não for julgado, terá de ser tratado como cidadão normal. Não tenho relações de amizade, mas institucionais.
FOLHA – O cidadão o vê abraçado com essas figuras…
LULA – O cidadão tem de saber que eles foram eleitos democraticamente. E o eleitor dessas pessoas é tão bom quanto elas.
FOLHA – O sr. trabalhou pela reabilitação de Antonio Palocci. O caso do caseiro é superável eleitoralmente?
LULA – Desejo que todos os que foram acusados, e acho que tem muita gente acusada injustamente, que todos sejam julgados. Palocci teve um veredicto. Não tem mais nenhuma pendência com a Justiça. Pode ser o que quiser ser.
FOLHA – Ele pode ser candidato a governador de São Paulo?
LULA – Ele tem inteligência para saber se o momento é de uma candidatura ou não.
FOLHA – Seu aliado Ciro Gomes diz que há “frouxidão moral” na hegemonia da aliança entre PT e PMDB, da qual o sr. é o principal avalista. Como o sr. responde?
LULA – A aliança com o PMDB e os demais partidos permitiu governança muito tranquila. Se confirmada a aliança, será feito documento público para saber os compromissos assumidos.
FOLHA – E a frouxidão moral?
LULA – Conceito do Ciro.
FOLHA – Não quer responder.
LULA – Opinião do Ciro.
FOLHA – Não o incomoda?
LULA – Não. Ciro esteve no meu governo. A única coisa que não tem aqui é frouxidão moral.
FOLHA – Ciro disse que o sr. e FHC foram tolerantes com o patrimonialismo para fazer aliança no Congresso. Ou seja, aceitaram a prática de usar bens públicos como privados.
LULA – Qualquer um que ganhar as eleições, pode ser o maior xiita deste país ou o maior direitista, não conseguirá montar o governo fora da realidade política. Entre o que se quer e o que se pode fazer tem uma diferença do tamanho do oceano Atlântico. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.
FOLHA – É o que explica o sr. ter reatado com Collor, apesar do jogo baixo na campanha de 1989?
LULA – Minha relação com o Collor é a de um presidente com um senador da base.
FOLHA – Dá aperto no peito?
LULA – Não tenho razão para carregar mágoa ou ressentimento. Quando o cidadão tem mágoa, só ele sofre. Quando se chega à Presidência, a responsabilidade nas suas costas é de tal envergadura que você não tem o direito de ser pequeno.