09/06/2009
“A reação começou. É hora de aproveitar”
Quando começou a trabalhar na multinacional francesa Rhodia, uma das maiores companhias globais do setor químico, o jovem estagiário Marcos De Marchi teve de aprender rápido como uma grande empresa deveria se comportar em tempos difíceis. Era o auge da crise mundial do petróleo. Trinta anos depois, na presidência da companhia para a América do Sul, ele vive algo semelhante, mas em proporções muito maiores e com mais responsabilidade nos ombros. No entanto, a postura otimista diante da crise é hoje a mesma da dos anos 70. “Já vimos todo tipo de crise e, desta vez, estamos reagindo mais rápido”, disse De Marchi em entrevista à DINHEIRO. Sob o comando dele, a companhia não cortou nenhuma vaga e manteve o vigor financeiro. A seguir, ele explica como isso foi possível.
DINHEIRO – Como o sr. enxerga a atual posição brasileira na crise?
MARCOS DE MARCHI – A crise chegou ao Brasil no quarto trimestre como em outros países. Não ficamos imunes. Foi uma queda muito clara no setor industrial. Isso ficou provado em todos os indicadores de PIB e da indústria. Isso em primeiro lugar. Em segundo lugar, a partir de dezembro, começamos a ver um mês melhor que o outro sucessivamente. Aí está nossa diferença. Essa recuperação não tem sido vista em outros lugares, principalmente nas economias mais industrializadas. Janeiro foi melhor que dezembro, fevereiro melhor do que janeiro.
DINHEIRO – Quais indicadores endossam essa tendência de melhora?
DE MARCHI – Com certeza são os da indústria. É o principal termômetro. Março e abril indicaram uma recuperação, e maio também deve ter sido ainda melhor. Não sei se o pior já passou, não tivemos tempo suficiente para afirmar isso. Só que tenho hoje a impressão de que dezembro foi nosso ponto de mínima, o fundo do poço. Então, temos reagido. O Brasil não foi menos afetado, mas a saída está sendo mais rápida.
DINHEIRO – Por que o Brasil reagiu mais cedo?
DE MARCHI – São vários fatores. Primeiro, nenhum banco brasileiro quebrou. O consumo não foi afetado de forma expressiva. Pelo contrário, as vendas se mantiveram bem. Essa é uma característica peculiar nessa crise, ao comparar o Brasil aos países mais efetados.
DINHEIRO – A Rhodia atua em diversos setores. Qual foi mais afetado?
DE MARCHI – Os mais prejudicados foram aqueles ligados à indústria automobilística. Posso citar o segmento plástico, o de solventes para tintas e o de borracha, este um pouco menos porque é forte em reposição.
DINHEIRO – E qual saiu-se bem?
DE MARCHI – No lado bom da curva, na órbita em que atuamos, as melhores performances estão nas indústrias de filtro de cigarros e têxtil, ambas ligadas ao consumo e que tiveram uma ótima performance.
DINHEIRO – No caso da indústria automotiva, passado o susto, houve uma recuperação, não?
DE MARCHI – Uma coisa é olhar a curva de vendas para o consumidor final. A outra é de produção da indústria automobilística. A indústria química, nosso ramo, é afetada pela oscilação da produção. É verdade que as vendas de automóveis reagiram. No setor produtivo, no entanto, há uma retração de 20% sobre a mesma época do ano passado.
DINHEIRO – Mas como é possível manter o ritmo de vendas sem ajustar a produção?
DE MARCHI – Basicamente, reduzindo estoques. Sabidamente, as empresas se desfizeram de estoques para gerar caixa e se ajustar ao cenário mais crítico. A gente se engana quando olha apenas para o número de vendas ao consumidor. Não é um termômetro confiável. Além disso, as exportações caíram muito. Isso obrigou as montadoras a desacelerar..
DINHEIRO – E as demais regiões?
DE MARCHI – A América do Norte e a Europa ainda não esboçaram uma reação. Algumas notícias positivas surgem, mas são coisas pequenas.
DINHEIRO – A maioria das multinacionais tem feito projeções para o fim da crise. Qual a previsão da Rhodia?
DE MARCHI – Numa crise dessa natureza, é difícil fazer qualquer previsão. A Rhodia tem evitado fazer prognósticos. Mas, pessoalmente, posso acreditar que, se não houver uma nova quebradeira de bancos, e depois de todo o dinheiro injetado pelos governos, a economia mundial tende a ir subindo a partir de agora. Porém, se houver uma nova onda de empresas caindo, a previsão perde a validade.
DINHEIRO – A Rhodia, uma empresa química, deve ter sido prejudicada pela variação do petróleo. Certo?
DE MARCHI – Essa oscilação não atrapalhou só a Rhodia, prejudicou todo o setor químico. Isso pode ser visto nos balanços das companhias. Como a freada pegou todo mundo de surpresa, e os estoques estavam altos, aconteceu uma queda no preço do petróleo e, com essa retração, um recuo generalizado de preços de tudo aquilo que é proveniente do petróleo. Daí aconteceu o seguinte: as empresas estavam cheias de estoques caros e tiveram que desovar as mercadorias a um novo patamar de preços, muito menores, ajustados mais a um petróleo de US$ 50 do que ao de US$ 150.
DINHEIRO – Qual será o ponto de equilíbrio do petróleo?
DE MARCHI – Não tenho previsão sobre isso. É cedo. A volatilidade está alta porque a cotação depende de fatores como produção, demanda e expectativas de consumo. Independentemente disso, a gente tem de manter a empresa preparada para qualquer cotação, suficientemente ágil para saber responder nesses momentos. Isso vale para qualquer empresa. No caso da Rhodia, fizemos a lição de casa. No primeiro trimestre do ano, em plena crise, conseguimos gerar caixa.
DINHEIRO – O sr. citou Brasil e China como os primeiros a sair da crise. Isso está ligado às ações dos governos?
DE MARCHI – Certamente os pacotes de estímulo têm influência. No entanto, o fato de o mercado interno brasileiro ser um mercado forte ajuda muito nessa hora. E mais: nossa estrutura de custos também contribuiu. Simultaneamente à freada, veio a desvalorização do real em relação ao dólar. Então, aqueles que exportavam muito foram, em parte, compensados pelo aumento da competitividade. No caso chinês, é a própria dinâmica interna que pesa muito, além da base de custos da deles.
DINHEIRO – O governo brasileiro reduziu alguns impostos, mas excluiu muitos setores dos planos de estímulo. Onde o governo errou e onde acertou?
DE MARCHI – O governo reagiu muito positivamente. Na minha visão, tudo que precisava ser feito foi feito de forma muito clara. As primeiras atitudes, de liberar depósitos compulsórios, deixar bancos maiores incorporar instituições menores para evitar quebradeiras, a atitude de pressionar para que a taxa de juros elevadíssima caísse rapidamente e a decisão de cortar o IPI de setores que tiveram maior impacto foram medidas corretas. A velocidade da queda da taxa de juros é o único ponto passível de crítica.
DINHEIRO – No atual ritmo de corte, a Selic ficará em um patamar adequado em quanto tempo?
DE MARCHI – Prefiro não dar data nem números. Explico. O Brasil deve ter uma taxa de juros real condizente com sua atual classificação de risco e status no cenário internacional. Não há razões para uma taxa de juros como essa. Se o medo é a inflação, os últimos resultados dão apoio a um corte mais agressivo. A inflação está tranquila. A grande jogada seria aproveitar o momento e baixar a uma taxa de juros que faça o País voltar a investir. Voltar a investir significa o empresário brasileiro voltar a investir. Do jeito que está, mesmo mais baixo que meses atrás, desencoraja investimentos.
DINHEIRO – Isso não parece óbvio?
DE MARCHI – E é. Acho que tudo isso o governo está entendendo perfeitamente. A velocidade da reação precisa ser revista. A reação começou. É hora de aproveitar o momento. À medida que estamos subindo mais rápido que os outros países, temos que explorar oportunidades e mudar de patamar.
DINHEIRO – Qual percentual da produção da Rhodia no Brasil é exportada e como o câmbio tem afetado a companhia no País?
DE MARCHI – Cerca de 30%. Como a Rhodia tem um leque grande de atividades, fatores como câmbio apresentam efeitos distintos em cada segmento. No balanço geral, as oscilações não fazem tanta diferença. Mas nesse contexto existe um fator importante: grande parte da nossa matéria-prima é brasileira. Mais de 80% vem de fornecedores locais. O etanol, um dos produtos mais utilizados, é em reais.
DINHEIRO -A crise alterou planos de investimento?
DE MARCHI – Acabamos de fazer um grande investimento na produção do nosso produto principal, que é o fenol. Desembolsamos um volume de recursos próximos a US$ 70 milhões. Esse projeto acabou de ser feito, e começou a crise. Portanto, temos uma boa capacidade criada.
DINHEIRO – Qual o papel da Rhodia Brasil nos números da companhia?
DE MARCHI – A Rhodia Brasil representa 15% do faturamento mundial da companhia, de 4,8 bilhões de euros, e está na segunda posição no ranking mundial, atrás apenas da matriz, na França. Não há nenhuma multinacional química que seja tão forte no Brasil. A Rhodia é o maior consumidor de etanol para fins químicos desde a década de 1940. E o Brasil é o principal produtor global. Ou seja, nossa pegada está alinhada ao perfil local. E, por isso, investiremos US$ 50 milhões neste ano.
DINHEIRO – Com dinheiro próprio?
DE MARCHI – Não temos o perfil de captar dinheiro no Brasil. Geralmente é da matriz ou de linhas lá de fora. Mas temos olhado com atenção para o BNDES em função da flexibilização do banco com as empresas.
DINHEIRO – E os empregos?
DE MARCHI – Assim que a crise chegou, apertamos o cinto, mas não fizemos nenhuma demissão. Temos consciência de que a mão de obra química é muito difícil de se formar. A gente cortou aqueles custos que dava para cortar, como viagens. Tudo isso para garantir a saúde do nosso caixa. Por isso, na saída da crise estaremos muito bem preparados.