ENTREVISTA Com Aldo Rebelo

Por: Dinheiro Rural

ENTREVISTA
31/08/2010
 
Não anistiamos o desmatamento
À frente do novo Código Florestal, o deputado Aldo Rebelo argumenta que ele é bom não apenas para os produtores rurais como também para os defensores do meio ambiente
 
GUILHERME QUEIROZ
Depois de 11 anos estagnada no Congresso Nacional, a revisão do Código Florestal está em movimento. E a retomada da discussão do novo texto da lei atiça as mais acaloradas divergências. No epicentro da controvérsia está o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), relator do texto aprovado em comissão especial e que seguirá para o plenário da Câmara. Para ele, a legislação ambiental brasileira se transformou numa colcha de retalhos, que levou 90% das propriedades rurais – 5,2 milhões delas – à ilegalidade. \”Tudo feito de forma arbitrária, sem levar em conta a realidade do País\”, avalia. Em entrevista à DINHEIRO RURAL, o deputado relata como se deu a construção da nova lei.


DINHEIRO RURAL – O sr. buscou construir um novo Código Florestal de consenso, sem se associar a ruralistas ou ambientalistas. Por que, depois de um ano de debates, ainda houve tanto descontentamento?
ALDO REBELO – Porque a matéria é controversa. E porque o Código Florestal de 1965 foi submetido a um processo de alteração muito grande, de tal forma que 90% das propriedades rurais do Brasil – 5,2 milhões delas – fïcaram na ilegalidade.
Em alguns casos, como no Rio Grande do Sul, mais de 99%. Corrigir essa deformação na lei para trazê-las de volta à legalidade, resistindo a pressões corporativas de setores do ambientalismo, não é fácil. Mas tivemos sempre o objetivo de proteger o meio ambiente e de legalizar a atividade da agricultura e da pecuária no Brasil.


RURAL – Que deformações?
REBELO – O código de 1965 foi votado no Congresso. As alterações no código, não. Foram portarias, decretos, medidas provisórias, resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Uma delas, de 2002, que é muito grave e há oito anos está aí sem nenhuma correção, colocou na ilegalidade 75% da produção de arroz, que sempre foi produzido em várzeas. Todo o gado criado no Pantanal, feito de forma sustentável, foi para a ilegalidade. A produção de banana na região do Alto do Ribeira (SP), a de maçã no Rio Grande do Sul, a de café no Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais, todas se tornaram ilegais porque as encostas se tornaram áreas de proteção permanente. Tudo isso foi feito de forma arbitrária, sem levar em conta a realidade do País.


RURAL – Que garantias terão tanto os produtores rurais quanto os ambientalistas de que qualquer órgão do governo não promoverá alterações?
REBELO – Corrigindo a lei, estabelecendo os limites com clareza, você inibe a arbitrariedade de outros órgãos do poder público. Por exemplo, nós asseguramos que a atividade em várzea, tanto para o arroz quanto para a criação de boi, está legalizada. Isso não poderá ser alterado. Nós autorizamos a atividade dos produtores de maçã, uva e café, salvo onde não forpermitido de acordo com um, estudo específico – o Zoneamento Ecológico Econômico. Mas temos avanços ambientais importantes, como a proibição de abertura de novas áreas por cinco anos. Hoje, a lei autoriza qualquer um a desmatar.


RURAL – Os ambientalistas se queixam de que o código não distingue os agricultores que foram postos na ilegalidade por novas regras daqueles que desmataram por má-fé. Como será feita essa distinção?
REBELO – São dois casos diferentes. No primeiro, que envolve aqueles que estavam autorizados a ocupar suas autoridades dentro de um limite que foi depois reduzido, provando que ocuparam quando a lei permitia, eles estarão dispensados de recompor dentro da exigência da nova lei. No outro caso, fica aberta a possibilidade para, desde que se comprometam a recompor as áreas desmatadas, voltarem à legalidade. Não é uma anistia, porque se trata de multa administrativa. Se ele não se legaliza, sua multa não prescreve.


RURAL – Os ruralistas se queixaram muito da alteração feita pelo sr., tirando a autonomia dos Estados de fazer suas próprias leis ambientais. Por que a mudança de última hora?
REBELO – Foi para conciliar interesses. Achei a crítica (dos ambientalistas) pouco inteligente. Aliás, achei a crítica indigente. Dizer que haveria uma guerra fiscal entre os Estados por uma margem de APP de 15 meti-os é min, argumento indigno de técnicos (do Ministério do Meio Ambiente). Essa foi a única alteração que propusemos e foi com o objetivo de proteger o pequeno produtor, que ficaria inviabilizado pelo simples fato de sua propriedade ter três ou quatro córregos onde teria que ceder 30 metros de cada lado. O argumento é uma insensatez, é quase uma irresponsabilidade. Mas como concordaram em reduzir a reserva legal de 30 para 15 metros nas pequenas propriedades, achei prudente retirar a discrïcionariedade dos Estados para demonstrar boa vontade. Mas fio\’ mais por insistência do que inteligência.


RURAL – Esse texto não jogaria para a inconstitucionalidade leis estaduais como a de Santa Catarina?
REBELO – Creio que o texto de Santa Catarina já está sendo discutido no Supremo. O Estado pode legislar; mas não restritivamente em relação à lei federal. O que pode resolver a questão de lá é o programa de regularização ambiental, que vai consolidar áreas de proteção a ambiental previamente ocupadas pela agricultura e pela pecuária, desde que essa decisão seja precedida do ZEE, do plano de bacia hidrográfica ou de estudo especializado de um órgão público.


RURAL – Como foi construir, ao longo de um ano, uma proposta tendo que dialogar com dois lados que se acusam mutuamente de intransigentes?
REBELO – Eu tinha avantagem de não pertencer a nenhuma das duas frentes parlamentares , nem da agropecuária nem do meio ambiente. Tive sempre bom diálogo com os dois lados. O que facilitou minha atividade foi a capacidade de ouvir o País inteiro. Ouvi todas as organizações não governamentais, as estrangeiras, as nacionais, acionais, as estaduais. Ouvi as universidades. Percorri 18 Estados. Fui formando um inventário dos problemas. Parti da realidade dos fatos. Não parti dos preconceitos. Não parti do princípio de que o meio ambiente é inimigo do produtor rural e vice-versa. Tirei como referência o interesse da população e do País.


RURAL – De que lado o sr. sentiu mais dificuldades para a construção dessa solução?
REBELO – Com o lado do meio ambiente Ë muito intransigente, muito mais preconceituoso. Também por conta dos interesses externos. Muitas dessas ONGs são sediadas no Exterior, recebem, financiamento dos países ricos e não estão aqui de uma, forma inocente. Há uma guerra comercial no mundo em torno da agricultura, do etanol, do algodão, da carne. É uma guerra muito dura, e os países ricos usam suas ONGs como instrumento dessa guerra. Acho legítimo que façam isso. Mas acho legítimo também que a gente defenda os interesses do nosso país. Acho legítimo que o Greenpeace defenda os interesses da agricultura europeia. Da mesma forma em que eu defenda os interesses da agricultura e do meio ambiente do meu país. Não posso é ajudar o produtor americano ou da França.


RURAL – A moratória de cinco anos pode acabar comprometendo investimentos que implicam na abertura de áreas de floresta?
REBELO – Fui advertido para a essa possibilidade e procurei corrigir, colocando uma condição que não estava no projeto original. A correção prevê que a moratória não atinja projetos já licenciados, em processo de licenciamento ou aqueles que tenham sido protocolados até a publicação da lei. Creio que, dessa, forma, você reduz o impacto nas áreas de fronteira agrícola ou até a antecipação dos investimentos nessas áreas.


RURAL – Representantes do setor agropecuário se mostraram muito mais satisfeitos com o novo código do que ambíentalistas. Como o sr. reage às associações em ser amigo do setor?
REBELO – Sou- um defensor da reforma agrária, não um inimigo da agricultura. Se as pessoas acham que ser defensor da reforma agrária é ser da agricultura elas não sabem o que é uma coisa vem outra. Defendo a agricultura do meu país: a pequena a média e a, grande. Agora, entre um produtor americano e um, brasileiro, é claro que vou ficar do lado do brasileiro. Enfrento os defeitos dessa grande agricultura de exportação do meu país, mas também defendo suas virtudes.

Mais Notícias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.