Quebra de safra reacende debate sobre a possibilidade de importação de um dos produtos nacionais mais queridos
O Brasil é um país de destaque no mercado global de café. É o maior produtor e exportador do mundo, e o segundo maior consumidor, atrás apenas dos Estados Unidos. Recentemente, porém, o governo passou a discutir uma questão inédita para o país: a importação de café verde, o grão cru de café.
Mas, se o país é o maior produtor e exportador, por que é necessário importar a commodity? No último ano, houve no Brasil uma quebra da safra de café robusta — cultivado principalmente no Espírito Santo — por causa da falta de chuvas. O café robusta, ou conilon, é conhecido pelo amargor e por fazer uma bebida mais escura e mais encorpada. É o tipo de café, inclusive, mais usado para a produção de café solúvel. No Brasil, a variedade mais produzida é a arábica. Em 2016, 84% do café produzido no país foi do tipo arábica.
No ano passado, a produção brasileira de café robusta foi de 7,987 milhões de sacas de 60 quilos, uma queda de 28,6% na comparação com as 11,186 milhões de sacas produzidas em 2015. Isso fez com que os preços do robusta alcançassem, em agosto, o maior nível da série histórica do Cepea (iniciada em 2001) — chegando a superar, inclusive, os preços do arábica, que historicamente são entre 15% e 20% superiores.
Além do preço elevado, a indústria teve grande dificuldade de encontrar o grão de robusta para comprar, segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Nathan Herszkowicz.
Por causa disso, no início da semana, o governo anunciou que iria permitir a importação de café verde do Vietnã — o maior produtor mundial da variedade robusta. Foi uma decisão inédita, já que o Brasil proíbe a importação de café cru. Na segunda-feira, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, afirmou que o governo permitiria a importação de uma cota de 1 milhão de sacas de café robusta até maio com tarifa reduzida de 2%. Segundo Herszkowicz, um volume pequeno para o consumo nacional, já que as indústrias de café torrado e moído e de solúvel consumiam até o ano passado 1 milhão de sacas por mês.
No entanto, pressionado pelos cafeicultores e pela bancada ruralista do Congresso, o presidente Michel Temer ordenou a suspensão provisória das autorizações dadas para a importação de café robusta pelo Brasil.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), inclusive, comemorou a decisão do presidente. Em nota, o presidente da CNA, João Martins da Silva Junior, afirmou que foi uma “vitória da agropecuária nacional”. “O presidente da República atende ao apelo dos produtores rurais que, por meio da CNA e da Frente Parlamentar do Café, garantiram haver estoque suficiente para atender à demanda da indústria”, afirma. “Vencemos, portanto, uma etapa importante na defesa do agro, um setor que gera emprego, renda e contribui decisivamente para o desenvolvimento do país”. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), contudo, os estoques privados de robusta somam apenas 1,087 milhão de sacas.
O que isso muda para o consumidor?
Com os preços do café robusta em alta e a dificuldade de encontrar o produto, a indústria precisou buscar uma alternativa. Para fabricar o café torrado e moído, na maior parte das vezes, são usados os dois tipos de café — arábica e robusta. A proporção cria o blend de cada marca.
Especialmente nas categorias de consumo de massa, torrado e extraforte, a indústria chegava a usar entre 40% e 50% de café robusta, diz Herszkowicz. Com a dificuldade em encontrar a variedade, contudo, grande parte das empresas decidiu mudar o blend em um ritmo mais acelerado do que o normal (as marcas tendem a manter o blend para que as características do café se mantenham, sem chamar a atenção dos consumidores). “Se até meados do ano passado se usava de 40% a 50% de robusta, hoje esse porcentual está entre 10% e 15%”, afirma Herszkowicz.
Como a variedade arábica é mais cara, o custo de produção aumentou para as empresas. No entanto, por causa da crise econômica, as companhais absorveram a alta de custo e o preço do produto final pouco se alterou, de acordo com levantamento da Abic.
“Para o grande público, isso acabou trazendo uma suave melhora de qualidade”, diz Herszkowicz. Isso porque a variedade arábica é considerada superior à robusta. No futuro, contudo, talvez as empresas tenham que repassar esse aumento de preço ao consumidor final, para manter as margens positivas.
E uma nova mudança para voltar ao blend anterior pode demorar. Para este ano, a projeção é de que a safra de robusta será igual à do ano passado, enquanto a de arábica deve cair entre 12,7% a 19,3% na comparação com a de 2016, segundo projeções da Conab. Portanto, prevendo um problema similar no segundo semestre deste ano, dificilmente as empresas vão fazer novamente a mudança de blend, argumenta Herszkowicz.
Para a indústria de café solúvel, por outro lado, a situação é bem mais complicada. Sem a possibilidade de trocar o robusta pelo arábica (por causa das características de cada variedade), as indústrias precisam manter o blend de 80% a 90% de robusta.
Segundo Herszkowicz, algumas fábricas chegaram a paralisar a produção por alguns dias no ano passado por não encontrarem matéria prima. Isso ameaça a posição de liderança do país como maior exportador de café solúvel do mundo, alerta Herszkowicz. No mercado doméstico, a escassez de robusta pode implicar em alta de preços.
Por que o Brasil nunca importou café?
Oficialmente, o Brasil justifica a proibição da importação de café verde alegando razões fitossanitárias. Isso porque, ao importar grãos de café crus de outros países, o produto poderia trazer ao Brasil doenças que não existem por aqui. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, contudo, publicou em 17 de fevereiro uma Instrução Normativa que estabeleceu os requisitos fitossanitários para a importação de café robusta do Vietnã.