Cobrar “royalties” sobre a produção de álcool seria uma enorme insensatez. “O mundo inveja vocês por causa do álcool”, disse Jack Welch, ex-CEO da General Electric (GE). Às vezes precisamos pagar (e muito) para que uma personalidade estrangeira como Welch relembre: devemos parar de reclamar do que nos falta, pois assim nos esquecemos do que já temos. Têm surgido aqui e acolá algumas críticas quanto à expansão da cana, mas muitos não sabem que, plantando esse “petróleo verde”, estamos gerando cerca de 1,5 milhões de empregos diretos e indiretos, além de 1,8 milhões de empregos induzidos. Reforçando, num mundo em que o futuro do petróleo é sujo, inseguro e caro, o Brasil dispõe da maior jazida de energia renovável do planeta. Após faturar mais de R$ 40 bilhões no ano passado com a cana-de-açúcar (o certo seria “cana de energia”, pois é uma das melhores conversoras de energia), mostramos para um mundo perplexo com as mudanças climáticas que o álcool é uma das curas para o vício do petróleo.
Embora essa “gasolina ecológica” seja algo do qual deveríamos nos orgulhar e tirar proveito, na última semana foi ventilado que o governo poderia cobrar “royalties” sobre o álcool. Esse vampirismo fiscal está na contramão das economias modernas, onde os impostos migram das áreas de trabalho e renda para materiais e energias poluentes. Seria inteligente taxar um produto que, considerando os juros sobre a dívida externa entre 1979 e 2004 representou uma economia de US$ 121 bilhões, pela substituição da importação de petróleo
Seria mais sensato a voracidade tributária incidir sobre produtos que poluem o ar, o solo e os mares, pois o século XXI precisa ser mais amigável com o meio ambiente. Ora, se querem inovar e parar com essa gritaria da alta do preço do álcool no período da entressafra, por que não permitir a venda direta do álcool das usinas para os postos para diminuir o preço, instalando medidores de vazão nas destilarias como nas cervejarias
Mas vem de fora o aumento da nossa auto-estima, já que a Universidade de Cambridge avisa que o Brasil poderá ser “a Arábia Saudita das energias renováveis”.
Em uma entrevista do ex-vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, elogiando o álcool brasileiro, o nosso repórter tupiniquim perguntava se a cana não seria a motoserra do desmatamento. A expansão do setor nos últimos 25 anos vem ocorrendo no Centro-Sul, distante da floresta amazônica ou do Pantanal. Além disso, a cana tem um consumo de pesticidas menor que o de citros, milho, café e soja, baixo uso de inseticidas, tem o menor índice de erosão do solo na agricultura brasileira, recicla todos os seus resíduos e exibe a maior área de produção orgânica do País (como cultura isolada).
É claro que ainda existem problemas ambientais e trabalhistas que precisam ser discutidos com a sociedade, mas nada que possa inibir São Paulo de aprender com o país de Al Gore, onde os carros de Maryland rodam com as suas placas exibindo “Our Farms, Our Future”, ou seja, “Nossas Fazendas, Nosso Futuro”.
Por ter sido uma atividade originária no Brasil colônia, a cana relembra escravidão, senhores de engenho e acaba associando-se a práticas condenáveis pela sociedade. Mas o cenário é que, enquanto a formalidade no emprego no País tem a média de 45%, a cana em São Paulo atinge 88%, além do que, no Centro-Sul, o governo não subsidia o setor em nenhuma etapa até a comercialização final do produto.
Ao contrário da citricultura e dos frigoríficos (envolvidos em acusações de cartelização no Ministério da Justiça), o setor de cana-de-açúcar abriga um moderno sistema de remuneração chamado Consecana, composto por usineiros e produtores de forma igualitária.
O que mais ouvimos hoje é que todos querem voltar à natureza, mas ninguém quer ir a pé. É fácil exigir a nossa preservação ambiental sem discutir a contaminação ambiental dos países ricos. Para continuar a manter o seu padrão de vida, eles terão que mudar a sua matriz energética, e como não dá para deixar para mais tarde, o Brasil exibe o único caso de sucesso na utilização de um combustível limpo em larga escala do planeta.
Se Gilberto Freyre escreveu que o Brasil nasceu do canavial, os brasileiros não terão apenas praias e futebol para se orgulharem, pois semelhante a reis que listavam o açúcar como patrimônio valioso em seu testamento, o Brasil deixará para as gerações futuras o álcool. Quem viver, verá.
(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3)(Antonio Cabrera – Presidente do Grupo Cabrera. Ex-ministro da Agricultura e Reforma Agrária e ex- secretário da Agricultura do Estado de São Paulo)