31/03/2012
Escrito por Judson Ferreira Valentim – judson@cpafac.embrapa.br
Nos últimos 35 anos ocorreram mudanças radicais na percepção da sociedade em relação aos processos de desenvolvimento econômico, bem-estar social, uso e conservação dos recursos naturais na Amazônia. Na década de 1970, essa região era vista como um vazio demográfico que oferecia riscos à segurança nacional e limitação ao crescimento do país. O governo federal investiu em políticas para ocupação e integração da Amazônia ao restante do território brasileiro. Nessa época, o Acre era apontado como o Estado com a maior proporção de terras de alta fertilidade e aptidão para a agricultura do Brasil, atraindo grande número de investidores das regiões Sul e Sudeste.
Hoje, a sociedade tem entre suas principais preocupações a busca por alternativas sustentáveis que garantam trabalho, renda e qualidade de vida para as populações. Essas mudanças de percepção resultaram em nova visão em relação à Amazônia. Na primeira década do século 21, os recursos naturais e a vasta diversidade cultural da Amazônia representam ativos capazes de oportunizar ao Brasil um modelo de desenvolvimento que permita conciliar benefícios econômicos, sociais e a provisão de serviços ambientais para a sociedade do presente e do futuro.
A Embrapa Acre também passou por profundas transformações. Implantada em 1976 como Unidade de Pesquisa de Âmbito Estadual de Rio Branco (Uepae de Rio Branco), sua trajetória fez do compromisso com o desenvolvimento sustentável do Estado o principal pilar para a sua atuação. O Acre se caracterizava pela produção de base extrativista (borracha e castanha-do-brasil) e importação de quase tudo que consumia. Cerca de 60% da carne bovina era trazida da Bolívia e de outras regiões do país, o que encarecia o produto e restringia seu acesso pelas populações de menor renda.
Entre 1972 e 1974, foi registrado declínio da produção brasileira de borracha, de 22 mil para 18 mil toneladas. Para atender a demanda do mercado interno, seria necessário o plantio de 200 mil hectares de seringais de cultivo. Em 1976, os noticiários locais divulgavam a decisão do governo do Acre de plantar 1 milhão de hectares de café.
Nesse contexto, a Embrapa nasce com a missão de desenvolver tecnologias para implantação de sistemas de produção agrícola e pecuários, em áreas recém-desmatadas, visando aumentar a produção de alimentos e abastecer o mercado local. No início, as pesquisas tinham como enfoque principal o desenvolvimento de tecnologias para as culturas do arroz, feijão, mandioca, milho, seringueira, café e atividades pecuárias (bovinos de corte e leite, caprino, ovino e bubalino).
Em um ambiente de planejamento centralizado na esfera federal, surgem os primeiros projetos de pesquisa com a cultura da seringueira, articulados com o Programa de Incentivo à Produção de Borracha Vegetal (Probor II), e com café, coordenados pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC), para definição de coeficientes técnicos necessários ao financiamento dos plantios no estado, pelo governo federal.
Com a redemocratização do País e descentralização do processo de gestão pública para estados e municípios, a partir de 1990, a Embrapa precisou realinhar o seu modelo de pesquisa. A transformação da Uepae de Rio Branco em Centro de Pesquisa Agroflorestal do Acre trouxe novos desafios: o desenvolvimento de soluções tecnológicas para a produção sustentável e a geração de benefícios econômicos e sociais por meio do manejo dos recursos naturais do bioma Amazônia, tanto em áreas de floresta como em locais desmatados.
Para assegurar um processo simultâneo de desenvolvimento e validação das tecnologias, a Embrapa priorizou ações em parceria com instituições públicas, privadas e não governamentais (nacionais e internacionais). Outra estratégia que tem contribuído para o êxito das suas ações é a pesquisa participativa com os diferentes grupos de produtores rurais (colonos, extrativistas, ribeirinhos, médios e grandes empreendedores).
Em 35 anos de existência, a Embrapa Acre contabiliza inúmeras vitórias na caminhada rumo ao desenvolvimento tecnológico do estado. Entre os principais impactos da adoção das tecnologias desenvolvidas pela Empresa nessas mais de três décadas destaca-se o aumento de 134% na taxa de lotação das pastagens, de 0,76 UA (unidade animal) por hectare, em 1976, para 1,78 UA, em 2006. Essas tecnologias evitaram o desmatamento de 1,4 milhão de hectares de floresta para o estabelecimento de pastagens. Isso foi possível, graças ao desenvolvimento e disseminação de cultivares de gramíneas e leguminosas forrageiras adaptadas às condições ambientais e à adoção de práticas de recuperação, melhoramento e manejo das pastagens, recomendadas pela pesquisa. Em 2010, o uso da leguminosa amendoim forrageiro em 134 mil hectares de pastagens consorciadas gerou benefícios econômicos de 48,7 milhões de reais.
O Modelo Digital de Exploração Florestal (Modeflora) já foi aplicado em 57 mil hectares de floresta, resultando em benefícios econômicos anuais de 6,9 milhões de reais para o setor florestal. No contexto extrativista, a adoção das Boas Práticas de manejo melhorou a qualidade e agregou valor à castanha-do-brasil, beneficiando milhares de famílias. Na agricultura, a disseminação de cultivares de banana resistentes à sigatoka-negra, além de cultivares de abacaxi, laranja, limão e mandioca, adaptadas às condições ambientais locais, contribuem para garantir segurança alimentar e renda aos produtores familiares do Acre.
As tecnologias da Embrapa ajudaram a mudar a realidade do estado, que saiu da condição de importador para exportador de carnes e outros produtos, embora ainda dependa da importação de uma vasta lista de produtos agropecuários e florestais. Dados da Secretaria de Estado da Fazenda revelam que em 2010 a carteira de exportações acriana registrou a saída de mercadorias no valor de 540 milhões de reais. O segmento pecuário exportou 87 mil toneladas de carne bovina, 1,6 milhão de litros de leite in natura (embora importe grande quantidade de leite longa vida e derivados), mais de 51 mil animais vivos, 13 mil toneladas de couro, 278 toneladas de frango abatido e 40 mil litros de biodiesel. A agricultura exportou mais de 7,5 mil toneladas de farinha de mandioca e 150 toneladas de banana. O setor florestal registrou a venda para o mercado externo de 800 toneladas de açaí, 450 toneladas de borracha, 25,5 milhões de preservativos e mais de 550 metros cúbicos de laminados e pisos de madeira.
No século 21, um novo capítulo se inicia na trajetória da Embrapa Acre. Agora o desafio é promover o avanço da Ciência e viabilizar inovações tecnológicas para mitigação dos impactos ambientais das atividades agropecuárias e florestais e a adaptação dos sistemas de produção às mudanças climáticas, como forma de garantir a sustentabilidade ambiental e a existência desta e de futuras gerações.
* Engenheiro-agrônomo, doutor em Forragicultura, pesquisador e chefe-geral da Embrapa Acre