O forte lobby de produtores de camarão liberou ontem o uso de parte dos manguezais para a atividade pouco antes do início da votação da reforma do Código Florestal no plenário do Senado. “É o lobby mais poderoso que já vi”, comentou Jorge Viana (PT-AC), relator do projeto.
Pelo acordo selado, os produtores de camarões poderão ampliar sua atividade por até 10% das áreas dos chamados apicuns da Amazônia e 35% dessas áreas no Nordeste. O governo deu aval ao acordo para vencer o que considerava ser o último obstáculo à votação das novas regras de proteção do meio ambiente. A extração de sal também ficou liberada nesses limites.
Não havia horário previsto para a votação terminar. A expectativa era levar a reforma do Código novamente ao plenário da Câmara na semana que vem e concluir, assim, um debate que já dura 13 anos.
O presidente da Associação Brasileira de Criadores de Camarão, Itamar Rocha, acompanhava as negociações do cafezinho do plenário, lugar reservado a parlamentares e convidados. Defendia a liberação completa da atividade, conforme previa o texto aprovado pela Câmara, mas gostou do acordo. Segundo ele, o negócio movimenta por ano R$ 1 bilhão. A intenção do setor é ampliar em até 50 vezes a área de cultivo, disse Rocha.
A proposta que seria votada ontem à noite, mas que poderia avançar na madrugada de hoje, não satisfaz totalmente nem ruralistas nem ambientalistas. Dos cerca de 900 mil km2 de vegetação nativa desmatada em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal, um terço poderá ser recuperado ou compensado, de acordo com as novas regras em discussão.
O relator estima que o novo Código exigirá a recuperação da vegetação nativa de cerca de 20 mil km2 por ano, nas próximas duas décadas. Os números não são precisos, porque dependem de informações do futuro Cadastro Ambiental Rural, que todos os produtores rurais ficarão obrigados preencher.
Pelo texto, ficam mantidas para o futuro as atuais regras de proteção da vegetação nativa num porcentual de 20% a 80% das propriedades privadas do País, dependendo do bioma. Também são mantidas para o futuro as regras de proteção das APPs, de 30 a 500 metros às margens de rios, dependendo da largura.
Pequenos produtores, com imóveis até 4 módulos fiscais (de 20 a 400 hectares, dependendo do município), terão condições especiais de recuperação da área desmatada, a começar pela dispensa de recomposição da Reserva Legal. Nas APPs, os pequenos terão de recompor de 15 a 100 metros às margens de rios. A estimativa é que o benefício alcançará 88% dos estabelecimentos rurais do País, cerca de 4,5 milhões de imóveis.
Imóveis desmatados até 2008 poderão regularizar a ocupação mediante regras que serão definidas pela União e detalhadas pelos Estados a partir de um ano após a aprovação da reforma do Código Florestal.
“Não é o ideal, mas pedimos a todos paciência”, discursou a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ao pedir a abertura das galerias para a entrada de produtores rurais acompanharem a votação. A CNA discutia, porém, o apoio de ruralistas a uma nova investida de liberar mais áreas para o agronegócio ontem.
“Estamos assistindo a uma derrota anunciada. Há uma tentativa de mostrar que o acordo no Senado não anistia desmatadores nem estimula novos desmates. Acho que é tudo falso, mas há uma profunda apatia”, avaliou Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia do Greenpeace, no início da votação.
Apoio. Ambientalistas buscavam apoio para uma emenda que declarava moratória a novos desmatamentos na Amazônia no período de dez anos. Na Câmara, a proposta de moratória por cinco anos foi abandonada pelo relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP) durante a negociação. Novos desmatamentos ficam autorizados pelo texto em votação ontem à noite e mediante licença, no limite da Reserva Legal das propriedades e em Áreas de Preservação Permanentes, desde que por utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental.