Efeito estufa ameaça safra de grãos

Por: Correio Popular

ECONOMIA
12/08/2008 
 
Perdas no Brasil podem chegar a R$ 7,4 bilhões já em 2020 e atingir R$ 14 bilhões em 2070, segundo estudo inédito
 
Maria Teresa Costa
teresa@rac.com.br

Estudo elaborado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Embrapa mostra que o Brasil poderá sofrer perdas nas safras de grãos de R$ 7,4 bilhões já em 2020 e atingir R$ 14 bilhões em 2070 se não adotar medidas para reduzir os efeitos das mudanças climáticas e investir em pesquisas para adaptar as culturas para enfrentar o aquecimento global.


As culturas destinadas à produção de energia, como a cana, irão se beneficiar do aquecimento, mas a produção de alimentos será drasticamente atingida, segundo os pesquisadores.


O resultado é preocupante. A mandioca pode desaparecer do semi-árido, o café terá poucas condições de sobrevivência no Sudeste. Segundo os pesquisadores, a região Sul, que hoje é restrita às culturas adaptadas ao clima tropical por causa do alto risco de geadas, deve experimentar uma redução desse fenômeno, tornando-se assim propícia ao plantio de mandioca, de café e cana, mas não mais de soja, uma vez que a região deve ficar mais sujeita a estresses hídricos. A cana, no entanto, pode se espalhar pelo País, a ponto de cobrar a área de ocorrência.


O estudo foi divulgado ontem, em São Paulo, pelos pesquisadores e coordenadores do trabalho, Hilton Silveira Pinto, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicada à Agricultura (Cepagri/Unicamp) e Eduardo Assad, da Embrapa Agropecuária, no 7 Congresso Brasileiro de Agribusiness, promovido pela Associação Brasileira de Agribusiness (Abag).


Os cenários futuros traçados na pesquisa utilizaram a tecnologia de Zoneamento de Riscos Climáticos, um programa de computador desenvolvido a partir de 1996 pelo governo federal. É esse zoneamento que orienta atualmente toda a estrutura de crédito agrícola do Brasil e informa o nível de risco de mais de 5 mil municípios brasileiros para as culturas mais comuns do País.


No cálculo do aquecimento, o grupo utilizou nove culturas — algodão, arroz, café, cana, feijão, girassol, mandioca, milho e soja — e traçou cenários para 2020, 2050 e 2070 levando em consideração duas situações. Uma, pessimista, que estima um aumento de temperatura entre 2 graus e 5,4 graus até 2100 e outra, mais otimista, que prevê aumento de temperatura entre 1,4 graus e 3,8 graus em 2100.


Os resultados coincidem com previsões anteriores feitas pela Embrapa e Unicamp com dados de 2001 do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).


Mudanças climáticas irão redesenhar a agricultura
Soja será a mais afetada e, segundo projeções, os prejuízos podem atingir 40% da produção
O aquecimento global poderá provocar uma nova geografia para a agricultura nacional. A soja deve ser a cultura mais afetada e segundo as projeções dos pesquisadores, as perdas podem chegar a 40% em 2070, levando a um prejuízo de até R$ 7,6 bilhões. O café arábica deve perder até 33% da área de baixo risco em São Paulo e Minas Gerais, apesar de poder ter aumento de produção no Sul do País.


Milho, arroz, feijão, algodão e girassol sofrerão forte redução de área de baixo risco no Nordeste, com perda significativa da produção. A mandioca terá ganho geral de área de baixo risco, mas deve sofrer graves perdas no Nordeste. A cultura de cana poderá dobrar na próximas década.


“As simulações apontam um futuro sombrio, mas ainda há tempo de evitar perdas significativas” , disse Eduardo Assad, da Embrapa.


O fato é que se a agricultura terá impacto, ela também é um dos responsáveis pelo aquecimento global. As emissões do setor, somadas ao desmatamento para a conversão de terras agrícolas, representam entre 17% e 32% de todas as emissões de gases-estufa provocadas pelo ser humano no mundo, segundo cálculos independentes de Pete Smith, da Universidade de Aberdeen, Reino Unido e um dos autores do capítulo de agricultura do relatório do IPCC. (MTC/AAN)


Pesquisador aponta formas de enfrentar o problema
Agrometeorologistas citam também os transgênicos como a “salvação da lavoura”


Há duas formas de fazer frente ao aquecimento global, segundo os pesquisadores. Uma é mitigar, ou seja, adotar medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa; outra é adaptar as culturas para a nova situação. A salvação da lavoura, no entanto, pode estar nos transgênicos, segundo os agrometeorologistas Hilton Silveira Pinto e Eduardo Assad.


“Em vez de serem apenas tolerantes a herbicidas ou resistentes a insetos, as plantas seriam mais adaptadas aos estresses ambientais. O que precisamos é sair da retórica e começarmos a buscar de fato as soluções. Mas isso ainda é muito tímido”, afirmou Assad.


O investimento necessário será imenso em pesquisa, mas ele precisa ser feito, conforme os coordenadores do estudo. Só para se ter uma idéia, o custo para a produção de um novo cultivar é de R$ 12 milhões ao ano e são necessários no mínimo 10 anos de trabalho para desenvolver e colocar o novo produto no mercado.


Existem pesquisas em desenvolvimento na Embrapa Cerrados, que está analisando espécies típicas do bioma que são mais adaptadas às variações de temperatura e de chuva características da região. O próximo passo é isolar os genes que conferem as características desejadas.


“A verdade é que até agora estamos falando muito e fazendo pouco”, disse Assad, comentando que o panorama sombrio traçado pelos pesquisadores é um alerta sobre o que vem pela frente se nada for feito.


O Brasil é o quarto maior emissor de gases de efeito estufa por conta do desmatamento e queimadas. “Se contermos isso já estaremos dando uma enorme contribuição ao mundo. Basta caneta, ou seja, fiscalizar e multar quem desmata e queima” afirmou.


A preocupação do setor produtivo é o impacto que o aquecimento terá no preço da terra e no seguro agrícola. “O trabalho dos pesquisadores é importantíssimo, porque tem condições de apontar por município quais são os riscos” , afirmou o presidente da Abag, Carlos Lovatelli. (MTC/AAN)


ENTENDA – O que é o fenômeno do aquecimento global
A Terra é envolta por uma camada misturada de gases: 78% de nitrogênio, 21% de oxigênio e 1% de outros gases, dentre eles, o dióxido de carbono, argônio, hélio e hidrogênio. Alguns desses gases são responsáveis pelo efeito estufa e por isso são chamados de gases de efeito estufa (GEE). O efeito estufa é um fenômeno natural e possibilita vida em nosso planeta. Os GEE (vapor d’água, dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, entre outros) servem como um cobertor, retendo parte da radiação solar infra-vermelha (que vem do Sol) que seria refletida para o espaço. Isso faz com que a temperatura da superfície terrestre mantenha uma média de 15 graus centígrados, possibilitando que o planeta seja habitável. No entanto, nos últimos 150 anos (devido à Revolução Industrial) o homem vem queimando combustíveis fósseis, que liberam dióxido de carbono. O volume desse gás na atmosfera tem sofrido um acúmulo, pois a quantidade de CO2 lançada na atmosfera é maior do que aquela que o ciclo do carbono pode absorver. Por isso, estima-se que a Terra tenha aquecido 0,6º grau centígrado, um valor alarmante e que já tem trazido conseqüências negativas ao meio ambiente
 
 

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