É preciso reduzir o papel político das agências

Por: O Estado de S. Paulo

12/07/15


RIO – O Brasil tem uma dificuldade histórica, há 30 anos, de investir em infraestrutura, diz o diretor do Ibre/FGV, Luiz Guilherme Schymura. Os maiores problemas são o emaranhado das relações institucionais e marcos legais e o desequilíbrio das contas públicas. Doutor em economia pela FGV e pós-doutor pela Universidade da Pensilvânia, nos EUA, ele detalha propostas e análises saídas de debates entre os diversos pesquisadores do Ibre, sediado no Rio.


Por que o Brasil tem dificuldade de investir em infraestrutura?


Esse problema é histórico. Tem mais de 30 anos que a infraestrutura está em situação precária. Sob a óptica viária, e de portos e aeroportos, o Brasil está pior do que a média dos países de renda baixa. Nossa infraestrutura é vexatória. Agora, por que tem essa condição? Isso não aconteceu do nada, não é má vontade de governantes do passado nem atuais. É porque a gente tem uma situação institucional que inviabiliza os investimentos. Trata-se do papel que desempenham os diversos órgãos, como Ministério Público, Ibama e Funai. Você vai fazer uma estrada e tem de atender uma tribo de índio não sei onde, tem uma rã que não pode reproduzir em tal lugar, tem uma parte da floresta que tem uma biodiversidade que tem de ser preservada e não pode ter uma estrada cortando. Não estou contra índios, rãs nem contra a biodiversidade. Meu ponto é: quando você lança o projeto, isso tudo tem de estar resolvido. O investidor não pode ser surpreendido.


O investimento não pode sempre ter surpresas?


No Brasil, as dificuldades são multiplicadas por um número elevado. Primeiro, os projetos não são feitos com o cuidado devido. A (presidente) Dilma (Rousseff) viu a dificuldade que era e criou a (estatal) EPL. Era uma organização nova, que não tinha nenhum vício, sem comprometimento político, para fazer os projetos e evitar esse problema. Mas a própria EPL não deu certo.


Esse problema da relação institucional atinge tanto obras públicas diretas quanto concessões?


Atinge tudo, mas para o privado é mais complicado. A empresa começa a fazer o aporte de recursos, ganha a concessão, e de repente surge um rochedo no meio, que não estava no projeto. Aí tem de mudar o traçado. Quando muda o traçado, tem de conversar com o Ibama, com os prefeitos, para discutir desapropriação. Aí a situação vira uma novela. Quando é o setor privado, se torna mais complicado. O empresário vai botar o dinheiro ali e está sujeito às regras que virão. Se foi definido que vai ter a desapropriação, ele começa a colocar o dinheiro, mas, se a desapropriação não é feita, a obra atrasa um ano. Quem perde é a empresa.


Mudar o papel das agências pode ajudar a melhorar o desenho institucional?


A situação das agências reguladoras requer uma mudança de papel. A maneira mais factível é diminuir o papel político das agências. Uma coisa fundamental para o investidor são regras claras e estáveis. Quem tem de definir as regras claras é o poder concedente e a estabilidade das regras é dada pela agência. Esse modelo pode vingar aqui. Os ministérios setoriais definiriam as regras, fariam os projetos, definiriam as cláusulas contratuais, com apoio técnico da agência. Agora, assinado o contrato, a agência é a fiel depositária do respeito ao contrato. Por isso, o contrato tem de ser claro porque se a regra não é clara, a agência tem de dar a interpretação sobre o contrato. Assim, a agência não se torna mais tão apetitosa e fica mais fácil defender indicações sem política partidária.


O novo pacote de logística enfrenta isso?


Não é a boa vontade de um Ministério do Planejamento que vai viabilizar isso. O que acho que eles (o governo) estão tentando fazer é, dentro do possível, conceder estradas em projetos que estão mais ou menos pacificados.


Dá para resolver a situação institucional com um pacote?


Isso é um problema grande. Acho até que a presidente tem tentado trabalhar nisso, mas tem encontrado dificuldade. O problema é que o governo vem enfrentando dificuldades em várias áreas. A infraestrutura acaba sendo prejudicada porque tinha de ter atenção muito grande nisso. Você tem de mexer na questão institucional mesmo, pensando até que ponto o Ministério Público, a Funai, o Ibama têm autonomia. Tem de vir uma solução, não adianta um veto apenas. A gente tem de conseguir construir uma relação institucional que seja mais favorável à execução, não à não execução.


Por que o governo não consegue ampliar o investimento público em infraestrutura?


Tem o histórico e o atual. O atual é que não tem dinheiro. Hoje, como está se resolvendo o problema? Corta no lugar que é mais fácil. Você vai deixar de pagar a pensão, a aposentadoria ou o Bolsa Família de alguém ou vai deixar de fazer a estrada?


E a dificuldade histórica? Desde a década de 80 o setor público não investe em infraestrutura.


A gente já está com uma carga tributária de 36% e não consegue fechar as contas. A gente vai ter de fazer uma grande negociação, um grande diálogo, de rever, dar mais foco aos programas sociais. Acho que o investimento ainda está muito distante de ser pensado.


Primeiro tem de desarmar a bomba dos gastos?


Exatamente. Primeiro desarmar essa bomba fiscal, que é ótima, a gente gerou um processo inclusivo espetacular neste País (com os gastos sociais), mas está na hora de olhar os programas sob a óptica de atender a quem de fato precisa. Essa discussão está bem antes do investimento público. Não conte com ele nos próximos 20 anos. Já existe entendimento claro de que é inexorável atrair o investimento privado, o que não é trivial.


Para atrair o investidor privado, qual a dificuldade com o equilíbrio entre tarifas e retorno?


Com todas as dificuldades, problemas e críticas, a gente não pode esquecer que boa parte das concessões que saíram até agora foi graças ao BNDES. De que forma? Quando a gente fala em modicidade tarifária, a gente está vivendo um mundo em que, de um lado, tem um investidor que quer a remuneração justa sobre o capital aportado. O que é uma remuneração justa? A taxa de juros de mercado de remuneração de ativos, que no Brasil, pelo fato de a Selic ser muito alta, é mais alta que em outros países. O que significa taxa de retorno alta? Significa tarifa mais alta. Como você consegue equilibrar a taxa de retorno de capital de mercado com modicidade tarifária? Ao longo dos anos, criou-se um modelo em que, na verdade, parte da remuneração do capital investido vinha de recursos subsidiados do BNDES. O BNDES era uma parte ativa em viabilizar esse equilíbrio entre remunerar a valores de mercado o capital privado e manter a modicidade tarifária.


Isso acabou, certo?


Esse é um novo problema que surge e vai ter de ser equacionado. Você pode acabar com a modicidade tarifária e deixar o mercado resolver, ou seja, as tarifas de pedágio serão definidas pelo preço que for.


Esse ponto foi enfrentado no segundo pacote do PIL?


O que eles (o governo) estão tentando fazer é viabilizar mecanismos que tirem fricções de mercado, mas o problema está ali: modicidade tarifária versus taxa de retorno.


O sinal do governo sobre as tarifas ficou claro?


Vamos ver o que vai acontecer. Existe uma intenção do governo de viabilizar isso, ele deu mostras claras disso. Agora, vamos ver como se resolve essa equação complexa.


E a reação dos usuários?


A gente teve um crescimento da tarifa de energia elétrica e não está havendo um movimento de rua contra isso. Parece que existe uma conscientização da sociedade de que era inexorável esse aumento.


O aumento não contribui para derrubar a popularidade da presidente?


Antes a popularidade estava alta com manifestações de rua. Agora está baixa e não tem manifestação, ou pelo menos as manifestações não são nem próximas das que aconteceram em junho de 2013.


Combater a corrupção com operações como a Lava Jato é positivo para o investimento no longo prazo?


É aquela história atribuída ao (ex-ministro da Fazenda Mário Henrique) Simonsen: o problema da corrupção não são os 10% pagos ao sujeito que está sendo cooptado, é ter de fazer a obra. Muitas obras são feitas sem de fato estarem em linha com as necessidades do País. Fora a concentração de poder em torno dos grandes grupos. Se você tem uma barreira que é a corrupção, só os grandes grupos podem atuar. Quem não está no jogo não conhece essas regras, não conhece a porta de entrada. Então a gente tende a ser otimista (com o combate à corrupção).

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